Cinema nacional bem na fita

Sílvio Da-Rin, documentarista (“Hércules 56”, “Igreja da Libertação”) e um dos principais técnicos de som cinematográfico do país (participou de mais de 150 filmes), assumiu a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, em novembro do ano passado, disposto a continuar e fortalecer as ações de seu antecessor, Orlando Senna.

Sílvio Da-Rin, documentarista (“Hércules 56”, “Igreja da Libertação”) e um dos principais técnicos de som cinematográfico do país (participou de mais de 150 filmes), assumiu a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, em novembro do ano passado, disposto a continuar e fortalecer as ações de seu antecessor, Orlando Senna, que deixou o cargo para ocupar a direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), gestora da nova TV pública. São três as prioridades da Secretaria: fomentar a produção nacional (foram lançados editais no valor total de R$ 9,8 milhões); popularizar o acesso às obras, por meio da televisão e de pontos de exibição pública para populações de baixa renda (programas DocTV, Documenta Brasil, entre outros); e investir na capacitação profissional na área do audiovisual, com reforço ao Centro Técnico Audiovisual (CTAV), do Rio de Janeiro, e ações como as oficinas do Revelando os Brasis.

Nesse sentido, Da-Rin apóia a “cota de tela” para a produção nacional nos canais de tevê paga, proposta pelo deputado Jorge Bittar (veja a página 32), cujo substitutivo apresentado ao Congresso ele considera “virtuoso”. Isso porque as redes de televisão comercial, na sua avaliação, têm um modelo tão verticalizado, que ocupam toda a cadeia produtiva. “Produzem, difundem, e é quase como se fossem produtoras, que têm a concessão para difundir e colocar no ar aquilo que produzem. Quando, na verdade, a concessão é para teledifusão, radiodifusão, e a produção deveria ser plural, da sociedade.”

A própria TV Brasil, destaca o novo secretário, estabeleceu que 40%, no máximo, da sua produção será própria – e os demais, de origem regional e independente. Ele adianta que a emissora pública terá um programa semanal de meia hora, com conteúdos gerados pelos cerca de 60 Pontos de Cultura apoiados pelo MinC que têm produção audiovisual consolidada.

ARede • Quais as prioridades da sua gestão na Secretaria do Audiovisual?
Da-Rin• Dar continuidade às ações que vinham sendo desenvolvidas na gestão de Orlando Senna. Destaco o fomento à atividade cinematográfica e audiovisual, através de editais, um mecanismo público e transparente que tem promovido a descentralização da produção, que, nas décadas anteriores, foi muito concentrada no eixo Rio-São Paulo. Temos conseguido contemplar propostas das mais diversas regiões do Brasil. Outra preocupação que vem marcando a atuação do Ministério da Cultura é a acessibilidade, proporcionar aos cidadãos brasileiros acesso às obras audiovisuais. Afinal de contas, são realizadas com recursos da sociedade — em sua grande maioria, por meio de renúncia fiscal.

ARede • Explique melhor esse esforço de acessibilidade; o que é?
Da-Rin• Basicamente, o uso da tela de televisão, que marca os projetos DocTV, DocTV Íbero-América. No campo da tevê pública, o Curta Criança, o Curta Animação; na televisão comercial, o Documenta Brasil, uma experiência piloto realizada no ano passado com o SBT. São quatro documentários que foram lançados em TV e, agora, numa versão mais longa, em 2008, serão lançados em salas digitais de cinema. E vamos expandir isso a 12 filmes, para outra rede comercial, no mesmo modelo, um pouco aperfeiçoado.

Por outro lado, temos a criação de pontos de exibição digital pelo Brasil afora, pelo interior do país. Começamos com cem pontos e vamos abrir outros. A meta é ter 300 pontos até o final deste governo. E é claro que, através dos Pontos de Cultura e, agora, com o projeto Mais Cultura, o chamado PAC da Cultura, vamos poder dar escala maior a esses pontos, inclusive na rede pública de ensino, através de convênio com o Ministério da Educação. A expectativa é de chegarmos a 14 mil cineclubes em escolas. Estamos formando público para o cinema brasileiro. Então, nossa preocupação é com a tela, com o acesso, com o fechamento de um circuito, que vai da produção até a difusão.

É uma questão de prioridade. Há dois órgãos que compõem a Secretaria do Audiovisual — a Cinemateca Brasileira, em São Paulo, e o Centro Técnico Audiovisual (CTAV), no Rio de Janeiro. Pretendemos, em 2008, dar atenção especial ao Centro, que tem um grande potencial nas áreas de difusão e apoio à produção, mas também na área de memória e, sobretudo, de formação. E temos dois focos importantes: formação e capacitação profissional na área do audiovisual; e cinema de animação. Minhas prioridades são basicamente essas.

ARede • Os grandes patrocinadores dos projetos são ainda as estatais, principalmente, a Petrobras. Como isso se articula com os editais (no valor de R$ 9,8 milhões) do MinC?
Da-Rin• São linhas diferentes. O cinema e o audiovisual brasileiro, historicamente, sempre dispuseram de um conjunto de mecanismos de fomento. Hoje, além da Petrobras, existe uma participação importante do BNDES e da Ancine — que acaba de promover um edital, com recursos limitados (o que podia gastar ainda em 2007, R$ 3,5 milhões), para produção e finalização. E estamos também tentando conseguir recursos para os oito suplentes dos oito filmes que foram escolhidos. O ponto é: há um conjunto de mecanismos. Existem os Funcines [Fundos de Financiamento para a Indústria Cinematográfica Nacional], que são fundos de investimento, e a política da Secretaria do Audiovisual, em que parte significativa se dedica ao fomento (metade do nosso orçamento anual está voltada aos editais). As políticas vão se completando.

ARede • Explique um pouco o que é o programa Revelando os Brasis e a Programadora Brasil.
Da-Rin• O Revelando os Brasis é um programa dirigido a moradores de municípios de até 20 mil habitantes. Em 2007, ele tem sua terceira edição e, como ocorreu nos anos anteriores, são selecionadas 40 histórias, inscritas por cidadãos que não têm, necessariamente, formação audiovisual. As pessoas que têm suas histórias premiadas participam de uma oficina, que dura uma semana, e recebem formação em roteiro, direção, produção, fotografia, câmera, som, edição, direção de arte, mobilização e direitos autorais. Depois, eles voltam a suas cidades e transformam as histórias em produtos audiovisuais digitais. As inscrições para o Ano III estão abertas até o dia 29 de fevereiro.

A Programadora Brasil oferece filmes e vídeos nacionais para exibição não-comercial em circuitos alternativos, como os cineclubes. É uma ação para formar platéias e fomentar o pensamento crítico em torno da produção nacional, apoiando a formação de uma rede não-comercial de exibição. Em fevereiro de 2007, foram lançados 126 títulos, organizados em 38 programas publicados em DVDs. Nos primeiros sete meses da política, já estavam associados mais de 360 pontos, em 224 municípios de todos os 27 estados brasileiros. O segundo pacote da Programadora Brasil, lançado em novembro de 2007, apresenta 53 novos filmes, organizados em 20 DVDs temáticos, para públicos variados.

ARede • Como avalia a troca dos royalties remetidos ao exterior por investimento na produção nacional?
Da-Rin• O decreto 862, dos anos 70, significou uma receita importante para a Embrafilme. E consistia exatamente nisso, em possibilitar que as distribuidoras de filmes estrangeiros investissem uma parte da remessa de seus lucros. Pelo decreto-lei 862, elas poderiam investir parte de seus lucros na produção do cinema brasileiro. Em 2001, a Medida Provisória 2.228, que entre outras coisas cria a Ancine, traz um artigo, o 39, inciso 10º, que retoma esse mecanismo. Já existia também, desde 1993, o artigo 3º da Lei do Audiovisual, que possibilitava essa aplicação de recursos por parte das distribuidoras de filmes estrangeiros. E, em 2006, criou-se o artigo 3A dessa Lei do Audiovisual. Existem, pelo menos, três instrumentos que possibilitam aos distribuidores de filmes ou de programas de televisão estrangeiros utilizarem parte dos recursos que vão enviar para o exterior, como remessa de lucro, para aplicar na produção e na co-produção brasileira.

Desde 2003, quando foi criada a Lei do Audiovisual, o artigo 3º começou a ter impacto positivo, mas muito lentamente. No começo, pouco utilizado, representava cerca de R$ 4,5 milhões. Só começou a crescer em 2001. Em 2001 e 2002 somou por volta de R$ 15 milhões. A partir de 2003, as distribuidoras estrangeiras investiram maciçamente esses recursos e, naquele ano, o total investido subiu para mais de R$ 40 milhões. Nos últimos anos, está na faixa entre R$ 35 milhões e R$ 40 milhões, um aumento substancial.

ARede • O que acha do substitutivo do deputado Jorge Bittar (veja a página 32)?
Da-Rin• A Constituição brasileira, no capítulo sobre comunicação social, desde 1988 — portanto, há 19 anos —, prevê que a televisão deve veicular conteúdo de produção independente e de produção regional. O espantoso é que já estejamos perto de completar duas décadas da Constituição, sem que esses artigos (221, 222, 223) sejam regulamentados. O projeto do Bittar, o PL 29, trabalha, entre outros objetivos, também o de contemplar a produção nacional, o conteúdo nacional de produção independente e a produção regional. Isso porque as redes de televisão comercial implementadas no Brasil tem um modelo totalmente verticalizado, em que as empresas de TV, que recebem a concessão para a exploração de um serviço público de comunicação social eletrônica, elas se organizaram de forma vertical, ocupam toda a cadeia produtiva. Produzem, difundem, e é quase como se fossem produtoras, que têm a concessão para difundir e colocar no ar aquilo que produzem. Quando, na verdade, a concessão é para teledifusão, radiodifusão, e a produção deveria ser plural, da sociedade. De maneira que é uma luta histórica, no sentido de abrir esses espaços para que o Brasil possa se ver, e não fiquemos assistindo somente a opinião e a produção de um conjunto tão pequeno de produtoras, que são essas empresas de televisão. O projeto é muito virtuoso.

ARede • Concorda, então, com as cotas de produção nacional para a TV paga?
Da-Rin• É preciso criar mecanismos que garantam a presença da produção independente na televisão. A TV pública, por exemplo,  estabeleceu que 40%, no máximo, da sua produção será própria; 20% será produção regional e 40%, produção independente. Foi uma decisão soberana da direção da TV Brasil. Mas, como as TVs comerciais, espontaneamente, não conseguem cumprir aquilo que a Constituição propõe, têm dificuldade de avançar no sentido da maior presença da produção independente, e é muito lento esse processo, é preciso criar, então, mecanismos legais que possam compelir essas empresas a ampliar o espaço da produção independente e da produção regional. As cotas são uma forma de contemplar essa preocupação.

ARede • Há carência de produção nacional? O que se produz no Brasil dá conta de atender as novas mídias (celular, TV digital, internet, etc.)?
Da-Rin• Os equipamentos digitais mais leves, que custam mais baixo, possibilitaram uma ampliação gigantesca da produção audiovisual na última década. Na medida em que há um incentivo de absorção, de vinculação, de difusão dessa produção, ela tende a crescer exponencialmente. Ou seja, a produção não é um problema. Temos um país gigantesco, de quase 190 milhões de habitantes, onde o audiovisual tem presença altamente significativa.

Estamos desenvolvendo, na Secretaria do Audiovisual, alguns programas de educomunicação — a comunicação integrada com a educação —, junto ao Ministério da Educação, projetos de cidadania utilizando o audiovisual, estimulando o jovem brasileiro a se expressar através do audiovisual. O próprio programa Revelando os Brasis, numa escala ainda relativamente pequena (são 40 produções a cada ano), é uma maneira de estimular os cidadãos que vivem em municípios com até 20 mil habitantes a produzir e se expressar. Na primeira edição, em 2004, houve 417 inscrições e, em 2005, 870, para selecionar 40. Existe proposta, interesse, o brasileiro tem fome não só de assistir, mas também de se expressar pelo audiovisual.

ARede • Na periferia das grandes cidades, como estimular a produção?
Da-Rin• Lançamos, agora, um edital voltado especificamente para egressos ou participantes de projetos sociais — pessoas brasileiras com mais de 18 anos, que comprovem ser integrantes ou terem tido formação audiovisual em projetos sociais que existem pelo país afora, pelas periferias do Brasil. Há várias associações que atuam nessa área. Uma delas está, inclusive, representada no Conselho Consultivo da Secretaria do Audiovisual (incorporou-se recentemente), que se reúne, pelo menos duas vezes por ano, para acompanhar as políticas da Secretaria e fazer propostas. Existem várias associações: Observatório das Favelas, Juventude e Atitude, Favela é Isso Aí, Vídeo nas Aldeias, uma enorme quantidade de ONGs; e existe o Fepa (Fórum de Experiências Populares do Audiovisual), esse que está representado no conselho da Secretaria. Estamos procurando estimular, e dando voz através da representação no nosso conselho a esse segmento.

ARede • O que espera deixar de legado na pasta?
Da-Rin• Consolidar o trabalho do Ministério da Cultura, que tem um foco muito definido com relação à cidadania. Esses dois mandatos do presidente Lula estão muito voltados a estar sempre preocupado com o cidadão que, afinal de contas, é quem votou. É o que dá sentido republicano a qualquer atividade do Poder Executivo. Ampliar o acesso a ambientes culturais e proporcionar condições para que o maior número de brasileiros não só tenha acesso, mas também utilize as ferramentas da produção audiovisual é uma preocupação que se desdobra em várias linhas.

O programa Mais Cultura, que vai começar em 2008 e injetar R$ 4,7 bilhões na atividade cultural, ligada também à educação — educação com cultura —, vai dar uma escala muito grande, vai consubstanciar essas políticas de cidadania e de inclusão social. A cultura tem  enorme contribuição a dar: lida com um universo simbólico amplo e que possibilita aos brasileiros se identificarem com um projeto de nação, e ter uma identidade enquanto povo. Nesses anos do governo Lula, vamos conseguir consolidar esses conceitos, consubstanciá-los em práticas que vão deixar um resultado muito evidente.

ARede • O que é a Rede Audiovisual de Pontos de Cultura?
Da-Rin• Pelo menos 60, dos cerca de 600 Pontos de Cultura que existem atualmente, trabalham com audiovisual. É maior o número de Pontos que usam os equipamentos de vídeo que receberam para registrar suas atividades, mas são estes 10% que têm trabalho estruturado com captação e edição do material. Esses grupos estiveram reunidos, pela primeira vez, em Brasília, no final de outubro de 2007, em encontro promovido pela Radiobrás para planejar programa semanal de meia hora, que será realizado pelos Pontos de Cultura para a nova TV pública, a TV Brasil.

A rede de Pontos de Cultura audiovisuais começa a se estruturar a partir da realização deste programa. Mas a coordenação dos Pontos de Cultura está buscando outros canais de TVs, que possam exibir programas e, no futuro, pensa em maneiras de apoiar a profissionalização destes produtores. A Secretaria de Programas e Projetos Culturais (Sepp) do Ministério da Cultura, que coordena o programa Cultura Viva, está atualizando os cadastros dos Pontos de Cultura, e a perspectiva é que identifiquem cerca de 80 Pontos que já têm trabalho audiovisual. A partir de 2008, esses pontos devem começar a participar de capacitação em linguagem audiovisual e capacitação técnica para iluminação, som, captação de imagens, por exemplo.