O saber Compartilhado
Entrevista: Cleber de Jesus Santos
por Patrícia Cornils
Envolvido na montagem de uma distribuidora do Sinapx, projeto de software livre criado pelo seu grupo para atender a micro e pequenas empresas, Cleber de Jesus Santos, 20 anos, está prestes a se tornar um empresário. Mas garante que nunca vai deixar de ser desenvolvedor. Morador da Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo, Cleber simboliza uma geração de jovens da periferia que, por meio dos telecentros, aprenderam a navegar na internet, usar o computador e o Linux e a descobrir as vantagens do software de código aberto, programar e compartilhar o conhecimento. Nesta entrevista, ele conta por que se tornou um militante do software livre.
ARede – Você foi aluno, voluntário e monitor de telecentro em São Paulo. O que representou o telecentro na sua vida?
Cleber – Participar do Projeto Telecentros foi o que me desenvolveu, na verdade, como programador. Eu já gostava muito de computador, gostava de desenhar no computador da escola municipal, onde tive meu primeiro contato com informática.
Cleber – Participar do Projeto Telecentros foi o que me desenvolveu, na verdade, como programador. Eu já gostava muito de computador, gostava de desenhar no computador da escola municipal, onde tive meu primeiro contato com informática.
Assim, quando foi inaugurado o telecentro da Cidade Tiradentes, o do setor Bancários, me chamaram para fazer o curso. Isso foi em 18 de julho de 2001. No telecentro, virei aquele carinha que dava problema mesmo. Entrava duas vezes na fila, voltava. E, naquele tempo, o acesso era de meia hora (agora, é de uma ou duas horas) e havia uma baita fila. Eu ficava tanto no computador que, quando tinha 15, 16 anos, fui enjoando do PaintBrush, o programa de desenho que usava. Comecei, então, a olhar para os lados e ver as dificuldades das pessoas em mexer com o computador; passei a ensinar o que eu sabia. Virei voluntário. Nessa época, tive dois desafios: mexer com internet, coisa que jamais havia visto, e fazer internet, que era o que eu queria. Fui fuçando, abrindo código de página, descobrindo o que era HTML. Não sei explicar como aprendi a ler código. Os primeiros comandos que fiz foram copiar, colar, mexer. Comecei a procurar apostilas na internet, comecei a estudar HTML. Descobri que havia motores de busca.
ARede – Você já começou programando em software livre?
Cleber – Comecei no Windows mesmo. Tanto que, quando ganhei meu primeiro computador, na máquina vieram instalados Windows e Linux, e eu pedi a um vizinho para apagar o Linux. Passou um tempo, o telecentro tirou o Windows. Fiquei achando que não podia, tudo o que eu sabia estava lá, era Windows. Teve curso, o pessoal do governo eletrônico treinou os monitores, mas eu era voluntário e os voluntários ficaram de fora. Aí foi minha revolta maior.
Cleber – Comecei no Windows mesmo. Tanto que, quando ganhei meu primeiro computador, na máquina vieram instalados Windows e Linux, e eu pedi a um vizinho para apagar o Linux. Passou um tempo, o telecentro tirou o Windows. Fiquei achando que não podia, tudo o que eu sabia estava lá, era Windows. Teve curso, o pessoal do governo eletrônico treinou os monitores, mas eu era voluntário e os voluntários ficaram de fora. Aí foi minha revolta maior.
Todo mundo que foi fazer o curso começou a falar línguas diferentes da minha. Tipo Torre de Babel. Você tem que escrever na tela: fonte/mmmt/flop, para montar o disquete. Eu não sabia o que era isso, no Windows tem um ícone, você clica e abre o disquete. No Linux não é assim. Tem que montar e desmontar para não perder esses dados. Fiquei curioso e comecei a fuçar. E comecei a ver que era mais fácil de aprender do que Windows. Só que, até então, não sabia por que. Depois, descobri que só conseguia aprender melhor porque tinha uma coisa chamada código-fonte, que era aberto, que me deixava mexer no que quisesse e ver por trás do ícone qual era o comando que fazia com que o computador enviasse comandos para o hardware montar o disquete. Isso foi me interessando.
ARede – E como foi o aprendizado? Você teve que vencer muitas barreiras?
Cleber – Aprendi mais rápido que o HTML, porque já mexia com códigos. Se for colocar na balança, aprender Linux é fácil, mas se torna mais complicado do que HTML, porque aprender Linux é voltar ao zero no Windows, esquecer que Windows existe.
Cleber – Aprendi mais rápido que o HTML, porque já mexia com códigos. Se for colocar na balança, aprender Linux é fácil, mas se torna mais complicado do que HTML, porque aprender Linux é voltar ao zero no Windows, esquecer que Windows existe.
Há tempos atrás, ia mexer no Windows, eu só tinha acesso a mexer com o código da internet e ver. Eu mexi com Visual Basic. Só que fazia o código e tinha arquivinhos chamados .dll que meu programa precisava. Eu queria entender porque precisava, o que era, mas não tinha acesso ao fonte. Eu não sabia o que era aquilo, então me achava burro.
Com o Linux era diferente. Fazia alguma coisa e enxergava o resultado, e ia mais longe. Descobri que programadores formavam grupos para pegar o programa que fizeram e dar para outros. Esse compartilhamento de conhecimento me fez ser militante. Começar a ver que, além de você poder aprender e se desenvolver, pode compartilhar, ajudar as outras pessoas a se desenvolverem e essas outras pessoas continuarem a formar o círculo. Que você é o núcleo da coisa. É isso que hoje me faz atuar com o Linux.
ARede – Do que você vive?
Cleber – Hoje, estou trabalhando com o Linux para empresas. Trabalho com programação para internet, aplicativos, para Windows ou para Linux. Formei um grupo que ainda não é grande o suficiente, mas se desenvolve sozinho. Dentro dele, estamos criando uma distribuição Linux. Começamos em setembro de 2004. Entre as empresas para as quais trabalhei, está a Câmara Americana. Foi uma experiência gratificante.
Cleber – Hoje, estou trabalhando com o Linux para empresas. Trabalho com programação para internet, aplicativos, para Windows ou para Linux. Formei um grupo que ainda não é grande o suficiente, mas se desenvolve sozinho. Dentro dele, estamos criando uma distribuição Linux. Começamos em setembro de 2004. Entre as empresas para as quais trabalhei, está a Câmara Americana. Foi uma experiência gratificante.
ARede – E como é o projeto de criar uma distribuição Linux?
Cleber – Eu já participava de uma comunidade de desenvolvedores PHP na internet, que não tem a ver com Linux, mas com software livre, e me tornei administrador dessa comunidade. Os administradores antigos me deram a oportunidade de criar um fórum. Estamos discutindo o que vai nessa distribuição, o que não vai, como vai ser. Já percorremos um terço do caminho.
Cleber – Eu já participava de uma comunidade de desenvolvedores PHP na internet, que não tem a ver com Linux, mas com software livre, e me tornei administrador dessa comunidade. Os administradores antigos me deram a oportunidade de criar um fórum. Estamos discutindo o que vai nessa distribuição, o que não vai, como vai ser. Já percorremos um terço do caminho.
Quando apresentei o projeto ao grupo, deixei claro que, no momento, ninguém ganharia nada, que a gente tinha que ter a coisa desenvolvida e, aí sim, começar a atuar. Só a divulgação que fiz na internet já atraiu empresas pedindo palestras sobre Linux. E a gente vai aproveitar a palestra para falar do nosso Linux.
Cada Linux é voltado para um perfil. Debian é mais para rede, servidores. Slackware, mais para programadores, cara que quer aprender. Kurumin é para usuários que não querem instalar Linux, mas querem usar. O Sinapx, que é o nosso Linux, será voltado para usuários e programadores. Para o usuário, ferramentas básicas de escritório e editor de texto. Para o programador, ferramentas mais avançadas para criar aplicativos. Mais para a frente, queremos criar uma versão do Sinapx para servidores. Essa versão inicial será dirigida para micro e pequenas empresas.
ARede – E como se sentiu ao encontrar o Richard Stallman (do Massachusets Institute of Technology, que lidera o Free Software Movement), o guru do software livre?
Cleber – Foi muito legal. Ele virou para mim e falou “forever hacker!”. Olhei meio de lado, sem jeito, e perguntei se ele falava espanhol… aí começamos a conversar.
Cleber – Foi muito legal. Ele virou para mim e falou “forever hacker!”. Olhei meio de lado, sem jeito, e perguntei se ele falava espanhol… aí começamos a conversar.
ARede – Aprender a programar, dominar esse mundo do software livre lhe deu o quê?
Cleber – Eu tenho mais coragem para enfrentar o que não conheço, mais garra para ir onde não conseguia. Antes, eu era meio quieto, calado, o conhecimento era meu, eu era um software proprietário. Agora, quero espalhar o que sei e mostrar que, da forma como eu evoluí, muitos outros podem crescer. E, lá na frente, tentar falar não apenas para minha comunidade, mas para o brasileiro, que a gente é capaz de passar um conhecimento enorme e não depender do conhecimento de outros, como a gente depende hoje do software proprietário.
Cleber – Eu tenho mais coragem para enfrentar o que não conheço, mais garra para ir onde não conseguia. Antes, eu era meio quieto, calado, o conhecimento era meu, eu era um software proprietário. Agora, quero espalhar o que sei e mostrar que, da forma como eu evoluí, muitos outros podem crescer. E, lá na frente, tentar falar não apenas para minha comunidade, mas para o brasileiro, que a gente é capaz de passar um conhecimento enorme e não depender do conhecimento de outros, como a gente depende hoje do software proprietário.
Dizem que existe uma guerra entre software livre e software proprietário. Não acredito nisso. A guerra é a luta para ser livre, poder compartilhar o conhecimento. Eu pretendo continuar nesse caminho de desenvolvedor. Meu objetivo é tentar montar uma empresa, reunir pessoas, desenvolver software, fazer acontecer. Quero ser empresário sem deixar de ser programador.