Bastam alguns cliques para protestar contra um projeto de lei, ajudar a salvar o planeta ou ficar na cola do seu candidato.
Carlos Minuano
Ativistas sem roupa participam de Bicicletada na Paulista (genitália de fora foi repreendida pela polícia). Evento foi todo organizado via internet.
Por todo o mundo, é cada vez maior o número de militantes ou simpatizantes de alguma causa ambiental, política ou social que usam a rede como espaço de mobilização, como uma ferramenta da prática democrática. Uma das ações mais recentes, campeã em adesões, foi uma petição online contra o projeto de lei, de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB), que enquadra crimes cometidos por meio da internet. Até a finalização desta reportagem, no início de agosto, a lista virtual já havia arrecadado 100 mil assinaturas, tendo se tornado, em poucos dias, a petição mais ativa do site Petição Online. Além da lista de assinaturas, circularam pela web manifestos coletivos. Banners contra o projeto de lei foram estampados em milhares de blogs. Para ter a força de um abaixo-assinado, seria necessário a petição atingir mais de um milhão de assinaturas. Mesmo assim, o poder de fogo é inegável. “Não é o ciberativismo, em si, que gera resultados, mas o efeito que causa fora da rede”, defende Oona Castro, coordenadora-executiva do Instituto Overmundo, que mantém site colaborativo com o mesmo nome.
Ou seja, no caso de petições ou e-mails para políticos, não se espera que um deputado, vereador, senador, ministro, juiz ou presidente se sensibilize com uma ação organizada via rede. No entanto, é um excelente veículo para instigar o debate público e o protagonismo da população. “É um termômetro que indica como a sociedade está avaliando determinados fatos”, diz Oona. Em 2006, o mesmo senador Azeredo teve seu correio eletrônico carregado por mensagens contrárias a outro projeto de lei de sua autoria, que obrigava a identificação de usuários da internet antes de qualquer operação com interatividade. O projeto foi engavetado depois do protesto.
A militância na internet existe há cerca de dez anos e ganhou o nome de ciberativismo. A definição pode parecer restrita, mas na prática extrapola a simples reivindicação online. O conceito abrange movimentos colaborativos, comunidades online, blogs, fóruns, grupos de discussões e sites com informações públicas na rede. “A possibilidade de encontrar pares, amadurecer opiniões, confrontar visões, criar entendimentos comuns e alternativas coletivas qualificam e abrem espaços para o ativismo na web”, argumenta a coordenadora.
A ONG Greenpeace fez a primeira ação na rede em 1988, com uma campanha em defesa da Amazônia. Desde o início, essa ferramenta foi responsável por mobilizar milhares de militantes em todo o mundo. Um exemplo recente aconteceu no Japão, quando dois ativistas da ONG foram presos por pegar uma caixa de carne de baleia contrabandeada. “Quando a rede foi acionada, o primeiro ministro recebeu milhares de cartas de diferentes países, pedindo a libertação dos dois. Eles foram soltos 23 dias depois”. O êxito do ativismo virtual também foi comemorado na suspensão do leilão da Receita Federal para a compra de 44.087 licenças do Microsoft Office 2007, em agosto de 2007. O pregão foi cancelado devido a uma campanha encabeçada por ativistas do software livre. “Era uma compra desnecessária, pois há programas gratuitos com aplicativos equivalentes”, afirma Gustavo Pacheco, da Associação Software Livre.Org.
Exemplos de sucesso não faltam. O programa “CQC (Custe o Que Custar)”, da Band, proibido de gravar entrevistas no Congresso Nacional, em Brasília, lançou uma campanha na internet para questionar o veto. A pressão do público fez os políticos recuarem, abrindo as portas do Poder Legislativo. Há poucos meses, em São Paulo, outra mobilização articulada por e-mails e blogs reuniu cerca de 300 manifestantes dispostos a passear completamente nus pela Avenida Paulista, para protestar contra a violência enfrentada por ciclistas no trânsito paulista. O passeio terminou com a prisão de uma liderança do movimento, depois de muito tumulto, buzinas e spray de pimenta.
No ranking de alvos preferidos por internautas ativistas, políticos estão no topo da lista. A petição online pela saída do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que concedeu habeas corpus para o banqueiro Daniel Dantas chegou a 10 mil assinaturas, ocupando o 3° lugar entre as top petitions.
Mobilização do Fórum Social, pela
internet, reuniu milhares pelo
mundo todo.
Na área de governo eletrônico, apesar de avanços ainda tímidos, uma mudança anunciada recentemente deve aumentar o grau de acesso a informações públicas online, ao menos nos procedimentos de convênios com o governo. A partir de setembro, trâmites de credenciamento, celebração, alteração, liberação de recursos, acompanhamento da execução do projeto e prestação de contas serão viabilizados por um novo portal na internet, segundo informou o secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna dos Santos. “É o fim do papel, na maioria dos processos; e a eliminação de uma série de rituais desnecessários que dificultam a vida dos estados, municípios e ONGs”, conta ele.
Outra novidade que amplia a participação cidadã online é o programa Orçamento Participativo digital, realizado desde 2006, em Belo Horizonte. “A população ajudou a decidir sobre execuções de obras locais”, destaca Maria Alexandre, professora de pós-graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, que foi coordenadora da implantação do governo eletrônico do Paraná. Mas a educadora adverte que, no Brasil, de modo geral, há muito a fazer.
É fato que a internet tornou mais simples e rápidas atitudes como combater a corrupção, defender a natureza, cobrar o cumprimento dos direitos do consumidor, militar a favor dos direitos humanos em todo o planeta. Porém, desde que o cidadão esteja conectado. E é exatamente essa a pedra no sapato dos ciberativistas: atingir grupos sociais desconectados. Há quem defenda que a rede é uma ferramenta para eliminar diferenças sociais, mas desigualdades ainda se refletem na falta de acesso. “A exclusão digital continua a ser um dos maiores desafios”, aponta Oona, do Overmundo. “A rede não se encontra fora do mundo desigual que temos, mas certamente potencializa a pluralidade de visões e opiniões”, pondera.
Pesquisas apontam crescimento do uso da internet por candidatos e eleitores
relação entre candidatos e eleitores durante campanhas políticas também está mudando, devido ao crescimento do acesso à web. Em junho de 2008, 22,9 milhões de pessoas acessaram a internet a partir de suas casas, segundo dados do Ibope/NetRatings. “A tendência é de que esse número aumente com rapidez”, afirma Marcelo Coutinho, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ibope Inteligência e um dos responsáveis pelo estudo “A Mídia e a Esfera Pública”, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Durante campanha presidencial de 2006, o levantamento localizou 46 comunidades de políticos no Orkut. Este ano, estudos preliminares sobre as atuais eleições municipais apontam mais de 180 comunidades, apenas em São Paulo, além de dezenas de vídeos no YouTube.
De acordo com dados do Comitê Gestor da Internet, o número de pessoas conectadas subiu, no trimestre avaliado pelo levantamento, de 28%, em 2006, para 34%, em 2007. A mesma pesquisa aponta que uso de internet cresceu de 34% para 51% em famílias com renda entre 3 e 5 salários mínimos. “É preciso considerar o aumento do uso da banda larga e do surgimento de lanhouses na periferia, que ampliam muito a inclusão digital na base da população”, avalia Caíque Severo, diretor de Conteúdo do portal iG.
Interatividade, transparência, comunicação em “tempo real”, menor dependência de grandes esquemas de marketing, melhor capacidade de divulgar idéias e planos técnicos: essas são algumas vantagens da mobilização política na internet. Outro estudo sobre o fenõmeno, a pesquisa “Palanques Virtuais”, realizada pela pós-graduação do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), indica que mudanças nas regras eleitorais de 2006 estimularam o uso da web. “A proibição de gastos com outdoors, showmícios e brindes incentivou os candidatos a procurar outros meios de atingir os eleitores”, observa Francisco Brandão, pesquisador da UnB. A prestação de contas na internet também se tornou obrigatória em 2006. Neste ano, o prazo para divulgação de recursos de campanha vai até 6 de setembro. Porém, o principal problema, apontado por especialistas, permanece: os partidos não precisam informar quem são os doadores.
Mesmo que o candidato à Casa Branca, Barack Obama, não seja eleito, leva o mérito de ter sido o pioneiro no uso da internet em campanhas eleitorais. Por meio de seu site, o candidato arrebanhou nada menos que 1,5 milhão de doadores. No Brasil, a influência da internet no pleito eleitoral começa a mostrar força. No mês de julho, por exemplo, o IG realizou o primeiro debate eleitoral da internet brasileira, com candidatos às eleições municipais de São Paulo. Eleitores puderam cadastrar suas perguntas no portal ou encaminhar ao vivo, por e-mail e bate-papo, conta Caíque Severo, diretor de Conteúdo do iG. “Quem não utilizar a internet em sua campanha vai perder uma grande chance de alcançar seus eleitores”, avalia ele.
Petição Online
• www.petitiononline.com (lista de petições na rede)
• www.thepetitionsite.com (passo-a-passo, em inglês, para fazer sua propria petição virtual)
• www.petitiononline.com/mod_perl/signed.cgi?veto2008 (petição pelo veto ao projeto de cibercrimes – Em defesa da liberdade e do progresso do conhecimento na Internet Brasileira)
Portal do Consumidor – www.portaldoconsumidor.gov.br
Greenpeace Brasil – www.greenpeace.org/brasil
Ordem dos advogados do Brasil – www.oab.org.br
Unicef – www.unicef.org.br
Cultura de Paz – cultura-de-paz.blogspot.com (lista de links de campanhas para apoiar)
Orçamento Participativo Digital – http://opdigital.pbh.gov.br
Programa Governo Eletrônico – www.governoeletronico.gov.br