O governo trabalha na definição dos modelos de gestão, financiamento e rede, para, até julho, ter o projeto pronto.
Para construir a futura rede de TV pública brasileira, a idéia da
comissão encarregada de construir o modelo da Rede Nacional de TV
Pública, coordenada pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação
Social (Secom), Franklin Martins, é fundir as atuais TV Educativa do
Rio e do Maranhão, a TV Nacional de Brasília e a TV NBR, da Radiobrás,
“uma parceria que, aos poucos, vá formando essa rede pública”. Segundo
Franklin, em debate no programa Roda Viva, da TV Cultura, exibido no
dia 23 de abril, a nova rede será generalista: “Vai experimentar, vai
mostrar os vários Brasis, fará debates, terá jornalismo e estará aberta
à produção independente”.
O ministro espera, até o início de julho, ter o projeto pronto. Até lá,
a comissão trabalha na definição dos modelos de gestão, de
financiamento e de rede pública, que deverão estar definidos até o
final de maio. Para essa definição, vão contribuir os debates do I
Fórum das TVs Públicas, de 8 a 11 de maio, em Brasília.
O documento preparatório do Fórum, organizado pelo Ministério da
Cultura (MinC) com entidades da área, dá a dimensão das questões
envolvidas na modelagem de uma TV pública, gerida com a participação da
sociedade. Entre elas, o financiamento, o entendimento das diferenças
entre o caráter público e o estatal, a construção de uma grade de
programas que estabeleça nova relação entre emissora e público, fora da
lógica comercial e, ao mesmo tempo, que seja atrativa o suficiente para
cativar espectadores. De acordo com Franklin, essa TV deve ter recursos
federais, de governo estaduais parceiros e de patrocínios. Na sua
opinião, não seria adequado, contudo, contar com publicidade comercial.
Para o governo, a instituição de uma TV pública é agenda
estratégica. Avaliações sobre essa TV, publicadas no Caderno de Debates
(disponíveis no portal do Ministério da Cultura), revelam um consenso
básico entre os atores em cena — MinC; 19 geradoras de TV educativas
abertas; 17 emissoras operadas por instituições de ensino superior; 70
canais comunitários: a necessidade de tornar a TV um lugar de
realização da cidadania, nas palavras do ministro Gilberto Gil, da
Cultura.
Ninguém nega a importância da TV comercial aberta, um negócio que visa
o lucro, sustentado pela publicidade, voltado para o entretenimento e
preocupado com a aferição da audiência. “A TV captou e foi ela própria
lugar de negociações e mudanças da sociedade brasileira”, lembra o
ministro Gil, no Caderno de Debates. Contudo, aponta, o Brasil
percorreu caminho inverso do seguido por muitos países desenvolvidos,
onde o público antecedeu o privado, onde a cidadania antecedeu o
consumo de massas, e onde se afirmou com mais facilidade o lugar da TV
pública.
Para Gil, a construção de um padrão de nacionalidade, de imaginário, de
unidade territorial, de atualização de comportamentos é um dos produtos
da centralidade da TV na cultura brasileira, e de sua presença no
território. Mas, aqui, há um paradoxo: a TV se tornou “nacional”, antes
da universalização do ensino e da leitura, e do acesso a outros
repertórios culturais.
“A comunicação eletrônica de massa é, hoje, instrumento fundamental
para a formação crítica do cidadão, no encalço da cidadania e para a
permanência da própria democracia”, afirma a Abepec (Associação
Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais). Por isso,
considera indispensável uma TV pública forte, como um fator de
equilíbrio da sociedade. Afinal, depois do fogão, a televisão é o
principal eletrodoméstico do brasileiro, diante do qual uma criança
fica, em média, quatro horas por dia; é o maior entretenimento do povo,
assim como é sua a maior influência comportamental, política e
religiosa; os valores cívicos da escola pública e os valores morais da
família foram substituídos pelos valores éticos, emocionais e culturais
da telenovela.
Valores
Para a associação, algumas pré-condições são necessárias à TV pública:
independência intelectual, administrativa e financeira; nova legislação
para regular a comunicação eletrônica de massa; um sistema estável de
financiamento; uma política de desenvolvimento tecnológico para custear
a transição para a TV digital.
Qual a diferença entre a TV pública e a comercial?, indaga a
asssociação. A pública também é aberta, gratuita, mas, sem finalidade
lucrativa, não se pauta pelas regras do mercado. Para a TV pública, o
público não é produto, mas destinatário dos conteúdos televisivos; o
produto da TV pública é a programação, que não deve ser avaliada pela
audiência, mas por sua qualidade ou necessidade. Portanto, o critério
da TV pública não é o da audiência universal, mas do “universo da
audiência”. Outro atributo importante da TV pública é o seu ritmo, que
é o “da reflexão” e da compreensão dos conteúdos, e não o da rapidez,
característico da TV comercial.
Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás e colaborador na elaboração
do novo modelo, resume: “A TV pública não faz, não deveria dizer que
faz e, pensando bem, deveria declarar abertamente que não faz
entretenimento”. Mais: “A TVP é uma instituição que precisa produzir
gente emancipada, liberta, crítica — e pode até se tornar um sucesso,
se for radical no seu compromisso de emancipar. O negócio da TVP não é
entretenimento e, indo mais longe, não é sequer televisão: é cultura, é
informação, é liberdade. Para a TV comercial, o meio é um fim. Para a
pública, o meio é uma possibilidade em aberto.”
O governo decidiu retomar internamente o debate da Lei de Comunicação
Eletrônica de Massa. O objetivo, segundo anunciou o ministro das
Comunicações, Hélio Costa, é encaminhar um projeto de lei ao Congresso
até o final do ano. Antecipando-se ao anúncio, várias entidades da
sociedade civil entregaram ao ministro uma pauta de reivindicações onde
pedem que a proposta a ser elaborada pelo governo seja submetida a
um debate público, no âmbito de uma Conferência Nacional de
Comunicações, a exemplo de conferências realizadas, pelo governo, em
áreas como saúde e educação.
As entidades, que consideram o I Fórum das TVs Públicas como o primeiro
grande encontro para a discussão de uma nova política de comunicação
eletrônica de massa, querem que o Minicom leve em conta, em sua
proposta, as deliberações desse fórum. E que, no processo de
digitalização, sejam reservados canais suficientes, pelo menos dez,
para as TVs públicas; e que a faixa reservada não seja marginal em
relação às TVs comerciais.
As entidades também querem a definição de critérios que submetam as
renovações e concessões de outorgas de radiodifusão aos princípios
fixados nos artigos 220 e 221 da Constituição, que dão preferência a
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção
da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente; e
regionalização da produção.
A exemplo do que foi feito para a TV digital, as entidades reivindicam
a criação de um Sistema Brasileiro de Rádio Digital, com recursos para
pesquisa de um padrão tecnológico brasileiro e a formulação de um
modelo de referência sobre a cadeia produtiva e a exploração do
serviço. Por fim, reivindicam a retomada das reuniões de trabalho para
adoção de medidas, pelo governo, para fortalecer a radiodifusão
comunitária.