Projeto das cidades digitais prevê acesso público à internet, mediante
cobrança de taxas, como no abastecimento de água e energia elétrica.
Mas há limitações técnicas e legais.
O governo federal está elaborando o Programa Nacional de Cidades
Digitais, desenvolvido em convênio com o Laboratório de Reestruturação
Produtiva e Desenvolvimento Local, da Universidade Federal Fluminense
(UFF). A proposta é “promover a inclusão digital para a inserção de
todos os brasileiros na sociedade do conhecimento”, explica o
coordenador do projeto, Franklin Dias Coelho, que também coordena o
Programa Municípios Digitais, da Associação de Prefeitos dos Municípios
do Estado do Rio de Janeiro, e os projetos Piraí Digital e Rio das
Flores.
A idéia do governo é ampliar a experiência das cidades digitais, para
analisar equipamentos de diferentes fabricantes, detectar os problemas
operacionais, observar como se comporta o WiMAX interligado a uma rede
em malha de hot spots
Wi-Fi (Mesh), verificar a relação custo-benefício das soluções puras e
mistas, reunir demandas por conteúdos, elencar as áreas onde há oferta
e onde faltam produtos, especialmente informações de governo
eletrônico. Para isso, o Ministério das Comunicações firmou um convênio
com a Fundação Euclides da Cunha da UFF, cuja equipe atuou na
iniciativa de Piraí. Depois de Tiradentes, Ouro Preto e uma área de
Belo Horizonte, as três em Minas Gerais, virão mais seis projetos
pilotos, que vão consumir R$ 8 milhões. Para as novas experiências,
foram escolhidas as cidades de Almera (MG), Lavrinhas (SP), Garanhuns
(PE), Cacique Dobler (RS), Cidade de Goiás (GO) e Pindorama (TO).
Segundo Franklin, inclusão digital não é apenas o direito ao acesso às
redes, mas também o direito à informação e ao conhecimento, entendidos
como bens públicos. A concepção do Cidades Digitais, na sua opinião, já
traz embutidas formas de auto-sustentação, pois prevê a implantação de
uma infra-estrutura de rede de voz, dados e imagens, semelhante à
existente para energia elétrica e saneamento, com a cobrança de taxa de
utilização. Haveria uma rede de internet pública, por meio de quiosques
nas praças, nas escolas, nas residências, no comércio e nos telecentros
— aqui, vistos como mais uma estrutura de apoio desse processo de
inclusão digital, como um ponto de cidadania ou agente de
desenvolvimento comunitário. E seria cobrada uma tarifa pública pelo
serviço.
Esse modelo requer a integração de vários ministérios, visando o
compartilhamento da capacidade instalada e o fornecimento de conteúdo
ao projeto. Por exemplo: o Ministério das Comunicações entraria com a
infra-estrutura; os da Educação e da Cultura, com o conteúdo. “O
Minicom pode entrar com a conexão Gesac, via satélite. E vários
telecentros utilizam um desses links,
quando poderiam otimizar essa rede, compartilhando o acesso. O que
queremos não é dar apenas um ponto de interconexão a um telecentro, mas
integrar uma cidade”, esclarece Franklin.
O programa federal se inspira em experiências realizadas no Rio de
Janeiro. A mais consolidada é a da cidade de Piraí, com 23 mil
habitantes, distribuídos por 520 quilômetros quadrados, totalmente
cobertos por uma rede híbrida (ou seja, que usa várias tecnologias) com
suporte wireless (tecnologias sem fio) — o que reduziu o custo do acesso à infra-estrutura em até quatro vezes.
O governo do estado do Rio quer disseminar para todos os municípios um
desenho similar (saiba mais). Na busca por financiamentos, o
projeto já foi apresentado ao Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e do Banco Mundial, e prevê a criação de consórcios para operar o
programa. Por isso, a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro já
incluiu R$ 500 mil para o Cidades Digitais, no orçamento deste ano.
A partir do modelo de Piraí, planeja-se, para março, a instalação de
redes de acesso também nas cidades de Rio das Flores (onde o projeto,
já iniciado, atinge 70% de cobertura), Nova Iguaçu (também já
iniciado), Rio Claro, Barra Mansa, Vassouras e Valença. Franklin
adianta que o governo do Rio de Janeiro pretende, ainda, criar um
Departamento de Estradas Digitais, dentro da Secretaria de Obras, para
aproveitar a infra-estrutura de infovias já existente. Essa rede
digital chega à porta de 80 municípios. O desenho do projeto não será
igual para todas as localidades. Na cidade de Rio das Flores, por
exemplo, a iniciativa usa satélite (Gesac), enquanto, em Piraí, opera
por meio de cabos, em parceria com a Telemar.
Cético quanto à viabilidade do projeto, o diretor-executivo da Rede de
Informação para o Terceiro Setor (Rits), Paulo Lima, acredita que as
limitações de infra-estrutura podem prejudicar a sustentação dos
telecentros: “As operadoras de telefonia foram obrigadas a implantar
telefones públicos no meio rural. Porém, não havia ninguém para
distribuir os cartões telefônicos na Amazônia. Falta logística para
isso funcionar”, exemplifica. Pela avaliação da Rits, o país precisa de
uma estratégia unificadora e abrangente. Até porque a tecnologia
sem-fio (Wi-Fi) depende de que haja uma conexão dos pontos de presença
(a que se ligam os usuários) com os backbones ou espinha dorsal da
infra-estrutura das redes de telecomunicações. É o chamado backhaul
(veja o quadro – Banda larga: o que o país precisa fazer.).
Franklin acredita que o projeto se sustenta a partir de um marco legal
que permita às prefeituras manter um sistema público de internet e
resolver o problema da sustentabilidade: “Saímos de uma discussão de
sobrevivência de um telecentro e pensamos em uma infra-estrutura
pública que gera receita. E todo esse caminho passa pelo software
livre, não só como redução de custos (dois terços do valor com software
proprietário), mas como desenvolvimento até individual. Em Piraí, o
responsável pela produção de multimídia fazia trabalhos de jardinagem.
Hoje, entrou na universidade e dá curso na universidade a distância”.
As dificuldades do marco legal de que fala Franklin envolvem a
autorização para prestar serviços de acesso à internet. Por menos de R$
10 mil, é possível adquirir na Anatel uma autorização para Serviço de
Comunicação Multimídia (SCM). E, com ela, prestar serviço de acesso à
internet com tecnologia Wi-Fi (sem fio). Mas essa autorização SCM só
pode ser concedida a empresas, não a prefeituras. As prefeituras só
podem oferecer esse serviço de forma gratuita. Regra que impediria a
proposta de o poder público cobrar pela conexão, como se faz com água,
luz e energia.
Em Piraí, a 74 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, já há 500
estações de trabalho com acesso à internet em escolas, quiosques e
residências. O uso do software livre abriu a possibilidade de criação
de uma universidade a distância. Piraí já tem até dois telefones
públicos de acesso livre e gratuito ao moradores, por meio do sistema
de Voz sobre IP (VoIP). Outros cinco estão em teste desde dezembro. Ao
todo, serão instalados 23 na cidade.
Todos os professores, alunos e famílias têm acesso a equipamentos e
software na cidade — cujo índice de exclusão digital era de mais de
90%, e recebeu, entre outros, o prêmio Top Seven Intelligent
Communities de 2005, ficando entre as sete cidades mais inteligentes do
mundo. Com a demanda de mercado gerada, foram abertas diversas lojas de
informática, empresas de manutenção, cursos de informática e até uma
faculdade.
Para se ter uma idéia do impacto da difusão tecnológica na cidade, há
um ano, foi firmado um convênio com a Sequoia Foundation, instituição
norte-americana que implantou um projeto de alfabetização bilíngüe nas
escolas públicas. Em pouco tempo, os pais dos alunos foram até a escola
reclamar que os filhos estavam chegando em casa falando uma língua
estranha, que não conseguiam entender. Conclusão: o projeto acabou
expandido para o universo familiar, com a criação de cursos de inglês
para adultos.
– Página do site do Proderj – Centro de Tecnologia da Informação e
Comunicação do Estado do Rio de Janeiro, que explica ações de inclusão
digital no estado, inclusive o projeto Municípios Digitais.
www.apremerj.org.br – Associação de Prefeitos dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro
www.uff.br – Universidade Federal Fluminense