Como o celular pode apoiar a inclusão digital

A 3G, banda larga na telefonia móvel, vai ampliar o acesso à internet e pode fomentar aplicações voltadas ao desenvolvimento social.


A 3G, banda larga na telefonia
móvel, vai ampliar o acesso à internet e pode fomentar aplicações
voltadas ao desenvolvimento social.

Carlos Minuano e Leandro Quintanilha


Oficina
de vídeo do projeto
Guia.mov, em Cataguazes (MG).
O número de assinantes de celular no Brasil ultrapassa os 125 milhões.
Em março, de acordo com dados da Agência Nacional de Telecomunicações,
registrou um aumento de 74,85% sobre o mesmo período do ano passado, o
maior número de habilitações nos últimos dez anos. Entretanto, outro
levantamento (TIC Domicílios 2007) aponta que metade dos usuários nunca
utilizou SMS — o mais básico entre os aplicativos de telefonia móvel.
Resta perguntar: como fazer do celular uma ferramenta de inclusão
digital?

Por enquanto, o Brasil, ao contrário de outros países pobres,
dedicou-se pouco a construir respostas para essa pergunta. Diante da
grande penetração do celular no país, são raras as aplicações sociais e
de governo eletrônico que utilizam o celular como dispositivo. Há
barreiras como o preço do serviço. Faltam também políticas públicas
para o incentivo das aplicações sociais. Mas falta, sobretudo, cultura
de uso do celular para esse tipo de aplicação.

Para alguns especialistas, essa cultura deveria ser desenvolvida tendo
em vista as potencialidades da comunicação móvel, que ganha, agora,
melhor performance na transmissão de dados com a chegada da terceira
geração, a 3G. A banda larga no celular traz enorme horizonte para o
seu uso. Mas, se o serviço de comunicação de dados, inclusive o SMS, é
caro nas redes de segunda geração, ele será mais salgado ainda nas
redes de 3G. E, além do custo dos serviços, os aparelhos e modems são caros, porque a escala é muito menor.

No entanto, mesmo que a banda larga no celular, num primeiro momento,
custe caro e, por isso, tenha como público-alvo empresas e clientes de
maior renda, poderá atender a aplicações sociais em nichos de mercado.
Além disso, com o leilão das licenças de terceira geração — os
contratos foram assinados em abril —, todos os municípios brasileiros
terão cobertura celular, ainda que com redes de segunda geração, até
2010.  A obrigação de cobertura foi uma das contrapartidas nas
regras do leilão. E, segundo declarou o presidente da agência, Ronaldo
Sardenberg, na ocasião da assinatura dos contratos, “cerca de 17
milhões de usuários serão beneficiados”. Plínio Aguiar, conselheiro da
Anatel, em depoimento dado no final de março ao Tele.Síntese, estimava que haveria um celular por habitante, no Brasil, até 2014.

Embora, de imediato, a grande base de celulares para aplicações sociais
e de governo eletrônico esteja nas redes de segunda geração (ou 2,5G,
como o GSM com Edge e o CDMA Evdo), algumas operadoras, como Claro e
TIM, já anunciaram que não vão mirar com seu serviço 3G só nas empresas
e na classe A. Elas pretendem, já que têm que instalar a rede, cobrir a
um custo marginal as áreas das grandes cidades, geralmente nas
periferias, que não dispõem de acesso ADSL (tecnologia de rede com fios
de cobre, oferecida pelas operadoras de telefonia fixa) ou por cabo. A
Claro, que lançou seu serviço de acesso banda larga no final de 2007,
anunciou que, ainda este ano, vai fornecê-lo no modelo pré-pago. Um
estudo da empresa indica que o futuro usuário da banda larga
fracionada, pré-paga, deve ter um gasto médio mensal de R$ 20,00 (42%
desse total, carga tributária).


Filmagem da Igreja Santa Efigêrnia, em Ouro Preto (MG). Imagens de pontos turísticos distribuídas para os assinantes da Telemig (Oi).

Como o preço da banda larga na 3G ainda é alto, só seria viável para
uso compartilhado, em espaços de acesso público, como telecentros, ou
se o usuário puder definir quanto quer gasta, como no pré-pago. A
conexão no computador fornecida pela Claro, a 1 Mbps, sai por R$ 99,90
mensais, com modem para o desktop a R$ 199,00. O preço do modem
começa a encostar no do terminal: o Nokia 3555 (habilitado à 3G), custa
também R$ 199,00. Durante o 13º Encontro Tele.Síntese, em março, o
diretor de receita da Claro, Marcelo Pereira, atribuiu à queda do preço
do modem a grande procura pelo serviço — “grandes filas no
Nordeste”. Segundo ele, esse custo tende a cair ainda mais:
“vertiginosamente, minimizando o custo de aquisição, que é um dos
possíveis entraves à adoção da banda larga 3G no país.”

Questão cultural

Mas as barreiras ao uso social do celular não se resumem aos preços de
equipamentos. São raras as aplicações voltadas a serviços públicos ou
de governo eletrônico, mesmo sobre bases mais acessíveis do que a 3G,
em plataformas simples como o SMS. O uso escasso do SMS é justificado,
em parte, pelos preços cobrados para o tráfego das mensagens. Estudo da
União Internacional de Telecomunicações (UIT) mostra que, entre 186
países, o Brasil está em 151º lugar no valor cobrado pelo envio de
mensagens (do mais barato, em primeiro lugar, para o mais caro). Na
América Latina, os países vizinhos cobram US$ 0,04 por mensagem,
enquanto, no Brasil, na faixa de US$ 0,15.

Nas Filipinas, ao contrário, a Smart Communications, operadora GSM,
virou líder de mercado ao focar sua operação na baixa renda, e
oferecendo cartões pré-pagos de baixo valor (US$ 1,80) e serviços
inovadores. Assinantes que não têm conta em banco, por exemplo, podem
transferir valores via SMS, de um cartão inteligente para outro. Outra
estratégia foi vender muitas possibilidades de recargas, dividas até em
centavos, uma ação importante para uma população que sobrevive, em
média, com US$ 2 por dia.


Nacho Durán na oficina Vídeo de
Bolso, no Ipso, em São Paulo.

A TIM também está investindo nas recargas de baixo valor. Renato
Ciuchini, diretor de planejamento estratégico e novos negócios da
empresa, conta que foram feitos vários estudos para entender, em
especial, o mercado de menor renda. “Identificamos que o maior
obstáculo ao crescimento do acesso são dificuldades com manutenção e
recarga”. Por isso, a TIM lançou, em 2007, planos de recarga para
pré-pagos com valores de R$ 1,00, R$ 3,00, e R$ 5,00. “O crescimento
maior se dá entre o público de baixa renda”, diz Renato, que também
observou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006,
segundo a qual 27,7% das residências com telefone (15,135 milhões de
pessoas) usam apenas celular. Pensando nesse público, a empresa lançou
o TIM Casa Flex, serviço que funciona como telefone fixo e móvel.

Para Roberto Rittes, diretor de operação móvel e desenvolvimento de
negócios da Brasil Telecom, é preciso baratear e tonar mais acessíveis
aparelhos e planos de serviços. “Experiências de interatividade com
SMS, música, internet, ainda representam uma parcela pequena de
utilização. Por mais que a penetração do celular tenha crescido, grande
parte dos usuários ainda não saiu da voz. Precisamos incentivar o uso,
olhando a questão da multimídia e da conexão à internet com preços mais
acessíveis”, afirma.

A BrT criou, em março, plano em que o usuário paga R$ 2,50 por dia, com
direito a tráfego ilimitado naquelas 24 horas, conta Roberto. “Há uma
diferença de conceito nesse pacote de serviços, pois busca o usuário de
baixa renda ou o esporádico”. Quem nunca acessou internet pelo celular,
ganha um dia de degustação. “Geralmente, se o cliente do pré-pago usar
a internet, paga avulso, por kb baixado, porém a preços proibitivos”,
critica. Ele observa, ainda, que, embora celulares 3G possam contribuir
para a universalização da internet, a tecnologia está limitada, pelo
menos a curto prazo, às capitais. “A segunda geração pode e deve ter
ainda papel complementar para estruturação desse acessso”, defende.

Marcelo Alonso, diretor de comunicações e relações institucionais da
Vivo, operadora que detém 30,31% fatia do mercado, acredita que a
contribuição da telefonia móvel para a inclusão digital pode ser maior
em áreas remotas e de baixa densidade. Mas, para isso, ele defende
incentivos fiscais. “O investimento é alto e a compra de freqüência
ainda é muito cara”.

Na tela da TV

A TV Cultura anunciou dois novos programas voltados ao público jovem
que abrem espaço para interatividade do telespectador via celular. O
primeiro, Manos e Minas, estreou dia 7 de maio, pilotado pelo rapper
Rappin Hood, para cobrir a cultura da periferia. E o Radiola,
apresentado pelo músico João Marcelo Bôscoli, vai trazer novos talentos
da MPB. “Nossa idéia não é exatamente lançar novos programas sobre o
mundo digital, mas inocular no conjunto da programação a idéia de
webcolaborativa”, diz Gabriel Priolli, coordenador de conteúdo e
qualidade da TV Cultura (Fundação Padre Anchieta). Outra experiência
recente ocorreu durante a Virada Cultural de São Paulo (24 horas de
programações culturais no centro da cidade), realizada em abril.
Estudantes e voluntários em geral fizeram a cobertura do evento usando
aparelhos celulares, em tempo real, para o site do Radar
Cultura e para a rádio Cultura AM. “O resultado foi uma cobertura
híbrida ao vivo”, conta André Avório, coordenador do Radar Cultura. Os
colaboradores, contudo, não receberam nenhuma remuneração pelo
trabalho, tema que ainda não está muito bem resolvido no novo modelo de
produção. “A televisão precisa encontrar forma de dialogar com esse
novo público que não quer mais ser consumidor, e sim produtor de
informação”, afirma Gabriel Priolli. “Se ilude quem achar que poderá
continuar no modelo antigo; ou a televisão percebe que o mundo está
mudando ou será varrida do mapa”.

A organização não-governamental Ipso também aposta no uso do celular
como instrumento para democratizar a produção de informação, e mantém a
Oficina Vídeo de Bolso, em geral para jovens do terceiro setor. A
convite da Radiobrás (em fase de incorporação à TV pública), a equipe
da oficina deve começar, em junho, um projeto de jornalismo
participativo. “Vamos receber um apoio deles para capacitação em troca
de conteúdo”, diz Patrícia de Andrade, coodenadora das oficinas. Outra
parceria foi firmada entre o Ponto de Cultura Vila Buarque (com sede no
Ipso) e a TV Brasil – Canal Integración, para a veiculação, em 15
países latino-americanos, de produções feitas em Pontos de Cultura. A
Vídeo de Bolso também realizou uma cobertura alternativa do Pan-07, no
Rio, em parceria com a revista “Viração”. E, na Cidade de Deus, na
mesma cidade, como conta Patrícia. Segundo ela, não havia celular
disponível, mas conseguiram executar a oficina, porque todos os os doze
garotos já possuiam celular com câmera.