Computador de cara nova

O CRC Gama-DF vai ter capacidade para recondicionar até mil máquinas por mês, e poderá formar 120 bolsistas no período de um ano.



O CRC Gama-DF vai ter capacidade para recondicionar até mil máquinas
por mês, e poderá formar 120 bolsistas no período de um ano.
 
Miriam Aquino


Instalações do CRC Gama-DF

Prateleiras e mais prateleiras, todas entulhadas de fios, tomadas,
placas, chips, caixas, telas, CPUs, monitores. Pois esse entulho não é
mais um lixo tecnológico. São milhares de máquinas que, em vez de
agredirem o meio ambiente, serão recondicionadas e redistribuídas para
serem usadas, manuseadas, e desgastadas novamente. E, nesse ciclo, essa
montoeira de computadores estará servindo para apoiar a inserção de
diferentes comunidades brasileiras na sociedade do conhecimento. Esse
processo não poderia estar completo, se essa fábrica de remodelagem
também não tomasse para si a função de criar novas condições de
aprendizado para seus “estetas”. É assim que nasce o conceito do Centro
de Recondicionamento de Computadores (CRC), que alia a formação de
jovens carentes à distribuição de novos/velhos computadores e integra
ação de inclusão digital no âmbito do Ministério do Planejamento.

Um desses centros, inaugurado em abril, está instalado no Gama, uma das
cidades-satélites do Distrito Federal, a 30 quilômetros do plano
urbanístico de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. De um prédio abandonado e
depredado, da antiga Legião Brasileira de Assistência (LBA), do governo
federal, montou-se essa fábrica, com capacidade de recondicionar até
mil computadores por mês. Para atingir sua capacidade máxima, estarão
também sendo treinados 120 bolsistas, pelo período de seis meses a um
ano.

O CRC Gama-DF conseguiu se viabilizar com o apoio da Fundação Banco do
Brasil (FBB), que investiu R$ 2 milhões na reforma do prédio de mais de
mil metros quadrados, modernização das instalações e a manutenção de 26
bolsistas, por dois anos. Outras instituições do governo, como Banco do
Brasil, Cobra Tecnologia, e o Ministério do Planejamento Orçamento e
Gestão também contribuíram para a consolidação desse CRC.

Mas não é o governo ou suas empresas que tocam o projeto. A gestão foi
transferida para a organização não-governamental  Afago –
Associação de Apoio ao Grupo, à Família e à Comunidade, há 12 anos
atuando no Gama. “Fazer parcerias público-privadas e apoiar projetos do
terceiro setor constituem políticas públicas”, assinala o presidente da
FBB, Jacques Pena.
Segundo Cleibe Castro, gerente geral do CRC Gama-DF, essa primeira
turma de bolsistas custeada pela fundação atua no Centro quatro horas
por dia, e estará formada em seis meses. Mas a idéia é, quando o
programa se consolidar e puder  funcionar com capacidade plena,
fazer com que o curso de formação tenha duração de até um ano.

Os jovens selecionados — moradores da própria cidade, com mais de 16
anos e que preencham as especificações de enquadramento de qualquer
programa social do governo federal —, antes de irem para a linha de
montagem, entram nas salas de aula. “Na maioria das vezes, esses jovens
nunca tiveram contato com a informática”, constata Castro. Eles têm,
então, cursos sobre programas de prateleira (todos em software livre);
montagem e configuração; recondicionamento de equipamentos e noções de
eletrônica básica. Cumprida essa etapa, passam, então, a montar os
equipamentos. “Aqui, existem metas de produtividade e horas a cumprir,
pois, além da fixação do aprendizado, estamos formando técnicos para o
mercado de trabalho”, completa o gestor do projeto.


Sustentabilidade


Bolsistas têm cursos
em software livre

Mas o programa enfrenta o mesmo dilema dos demais projetos de inclusão:
como sustentá-lo, já que carrega uma aparente contradição econômica,
pois não há troca financeira, visto que os computadores recondicionados
são todos doados? Como fazer, então, para manter o centro, recolher as
máquinas onde elas estiverem, enviá-las para seus novos usuários, e
ainda pagar os bolsistas?

“Essa é uma boa discussão. Mas entendo que projetos sociais têm que
fazer parte das obrigações do Estado, afinal, o produto final é gente”,
afirma Pena, da FBB. Mesmo assim, ressalta, a fundação deu esse apoio
inicial porque, entende ele, a parceria público-privada é um importante
instrumento de políticas públicas. Mas, se a fundação já deu a sua
contribuição e já avisou quando deixará de bancar os bolsisas (que
ganham R$ 300,00 por mês), como o CRC se manterá?

Segundo Castro, essa resposta foi dada este mês pela coordenação geral
do projeto — que conta com dois outros centros, em Porto Alegre e em
São Paulo. Participam dessa coordenação todas as ONGs, empresas e
órgãos do governo envolvidos com o programa, seja como doadores de
equipamentos, como gestores ou formuladores da política. Ficou decidido
que, este ano, serão canalizados R$ 3 milhões de recursos orçamentários
do Ministério da Educação e do Ministério do Planejamento para custear
os três centros.

Para manter os bolsistas, caberá às ONGs buscar os seus caminhos. E,
segundo Castro, a Afago já está indo à luta. Entre as alternativas que
estão sendo tentadas, está a de buscar apoio junto ao empresariado do
Distrito Federal para que os alunos sejam contratados com o apoio do
programa Primeiro Emprego, do Ministério do Trabalho. Esse programa, no
entanto, não conseguiu angariar muitos adeptos, tanto que o governo já
pensa em reformulá-lo.

Mesmo sabendo dessa dificuldade, a Afago não desistiu desse caminho.
Mas, segundo Castro, há também uma outra alternativa, que está sendo
adotada pelo CRC de Porto Alegre, com bons resultados. No programa de
estímulo à formação de jovens, conhecido como Jovem Aprendiz, as
empresas têm que cumprir  cotas de formação de seus funcionários.
Mas, ressalta Castro, algumas empresas acabam não conseguindo atingir
as metas estabelecidas. Assim, a associação está negociando com a
Delegacia Regional do Trabalho do Distrito Federal para que, por seu
intermédio, as empresas passem a firmar convênios de formação de
mão-de-obra com os alunos do CRC. Com esses convênios, os bolsistas
seriam contratados pelas empresas para participarem do programa.
Enquanto as soluções estão sendo buscadas, permanecem no CRC do Gama os
26 alunos custeados pela Fundação. Mas já há uma fila de 400 novos
inscritos.

Quando as primeiras turmas se formarem, um novo desafio se colocará
para o programa: o de assegurar que essa mão-de-obra seja aproveitada
pelo mercado de trabalho da capital federal. E, conforme Castro, a
Afago começa a vislumbrar uma saída, que seria a criação de uma
cooperativa, voltada para prestação de serviços ao varejo. “A maioria
das empresas está voltada para atender, em Brasília, os governos
federal e local. O varejo é um mercado importante e está mal atendido”,
aposta ele.