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conexão social – Dados abertos: avanços e retrocessos

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Dados abertos: avanços e retrocessos

Encontro de governos supostamente comprometidos com a Open Government Partnership aponta problemas de participação civil
Patrícia Cornils

ARede nº 95 – novembro/dezembro de 2013

O Reino Unido acaba de anunciar a criação de um registro público da propriedade de empresas. É como se todas as juntas comerciais do Brasil publicassem, na internet, os dados dos proprietários de todas as empresas existentes no país. A iniciativa é fundamental para combater a corrupção e a lavagem de dinheiro porque agiliza o trabalho de mapear empresas de fachada. O anúncio do governo britânico foi feito pelo próprio primeiro-ministro James Cameron dia 31 de outubro, em Londres, durante a abertura do Encontro da Parceria para Governo Aberto (ou Open Government Partnership, OGP, em inglês).

O encontro reuniu representantes de governos e da sociedade civil dos 61 países que integram a OGP. Entre os debates do encontro, foram discutidas políticas de transparência governamental, de acesso à informação pública e de participação social. Os governos envolvidos no projeto estabelecem, com participação da sociedade civil, planos de ação referentes a esses temas. A execução dos planos é acompanhada e relatada por órgãos independentes, como a Open Knowledge Foundation (Fundação para o Conhecimento Aberto ou OKF). Laura James, presidente da OKF, celebrou o anúncio do Reino Unido. “Tornar pública a propriedade de empresas era a maior demanda das organizações da sociedade civil que participaram do debate do Segundo Plano de Ação do Reino Unido”, afirmou ela, no blog da OKF.

A participação da sociedade civil na elaboração dos planos de ação não é um tema pacífico. Ainda que seja um princípio acatado pelos governos e faça parte da proposta central da OGP, precisa de mecanismos que estão sendo criados conforme a parceria avança. Em Londres, uma das principais questões de organizações brasileiras era exatamente esse processo.

A coordenação da OGP solicitou a cada país que definisse, dentro de seu Segundo Plano de Ação, qual seria a “meta ambiciosa”. Para Gisele Craveiro, do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação, da Universidade de São Paulo (USP), essa meta deveria ser a transformação do Comitê Interministerial Governo Aberto (Ciga) em um mecanismo de governança com participação da sociedade. Composto por 18 ministérios e coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, o Ciga é responsável por elaborar e executar os Planos de Ação da OGP no Brasil. Embora a sociedade tenha sido consultada na elaboração do segundo plano brasileiro, o governo decidiu que a reformulação do Portal da Transparência seria a “meta ambiciosa”. Criado em 2004, o portal atualiza, a cada 24 horas, as despesas do governo federal.

De acordo com a Controladoria Geral da União, mais de 500 pessoas participaram da consulta pública sobre o segundo plano, por internet ou presencialmente, em uma reunião com 80 organizações, em Brasília, em março. Desse processo resultaram 32 metas sugeridas pela sociedade civil, das quais 19 foram incorporadas ao Segundo Plano de Ação do Brasil, com 52 compromissos. No entanto, esses compromissos só se tornaram públicos no dia que antecedeu à abertura da OGP em Londres. Entre a reunião de março e a definição final do plano, após os diversos órgãos de governo envolvidos serem consultados, não houve mais interação com as pessoas de fora do governo. O aperfeiçoamento desse mecanismo é uma demanda das organizações que acompanham mais de perto a OGP.

No painel em que, junto com o Brasil, os representantes do México apresentaram os resultados de seu primeiro plano e as propostas para o segundo, Haydée Perez, da Fundar, centro de pesquisa do México, explicou: “Os recursos para a consulta à sociedade foram limitadíssimos, não viabilizaram uma consulta nacional. Então criamos nove mesas de debates, com pessoas de diversas organizações e de onde resultaram 17 compromissos. O governo acrescentou mais seis”.

No Brasil, o relatório do mecanismo independente de avaliação do primeiro plano, realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), estaria em consulta pública até 14 de novembro – no link www.cgu.gov.br/governoaberto/index.html. No site também estão os 52 compromissos, que envolvem 17 órgãos do governo federal, em cinco eixos: Aumento da Integridade Pública, Melhoria dos Serviços Públicos, Aumento da Responsabilidade Corporativa, Criação de Comunidades Mais Seguras e Gestão Mais Efetiva dos Recursos Públicos. 

Como não é possível um município aderir formalmente aos planos de ação da OGP, a cidade de São Paulo (SP) encontrou uma estratégia para incorporar esses princípios. O primeiro passo foi organizar, em outubro, o encontro São Paulo Aberta, uma iniciativa conjunta da Controladoria Geral do Município com seis secretarias municipais, e a empresa SP Trans. A partir desse marco, foi formado um grupo de trabalho de governo aberto que vai elaborar a carta de compromisso da capital paulista com as diretrizes da OGP.

Cada compromisso tem um órgão responsável e uma data para a realização. Cada um deveria ter o acompanhamento e a cobrança dos setores da sociedade envolvidos, como lembrou um cidadão do México que, no encontro de Londres, perguntou: “Os governos vão cumprir seus compromissos?” A resposta de Haydée foi: “Não sabemos. Temos objetivos claros, mecanismos de acompanhamento e indicadores. Em 2015 poderemos decidir se a OGP valeu a pena ou se foi apenas um processo de simulação internacional com aplicação em contextos nacionais”.

A dúvida do cidadão e a resposta de Haydée, refletem uma desconfiança do grau de compromisso dos governos envolvidos com a OGP. “Há maior transparência nos governos, há mais prestação de contas”, admitiu a ativista indiana Aruana Roy. “Ao mesmo tempo, há leis cada vez mais restritivas aprovadas por governos e há tentativas de vigilância dos cidadãos por parte de meu governo e dos governos dos senhores. Por que isso acontece?”, questionou Aruana. A pergunta é um bom alerta para entendermos que a abertura, a transparência e a participação só têm sentido se forem mudar, para melhor, as condições de vida na sociedade.