Conexão Social – A educação no olho da rua

O Itaú Cultural analisou 221 projetos de educação não-formal, que usam arte e cultura, e premiou cinco educadores. Todo o material será divulgado para apoiar outras ações fora dos muros das escolas.



O Itaú Cultural analisou 221 projetos de educação não-formal, que usam
arte e cultura, e premiou cinco educadores. Todo o material será
divulgado para apoiar outras ações fora dos muros das escolas.

Verônica Couto

“É preciso tirar as crianças da rua” – costuma-se ouvir, quando o
assunto são as desigualdades no Brasil. O secretário de Programas e
Projetos Culturais, do Ministério da Cultura, Célio Turino, tem outra
opinião. “Não seria melhor desenvolver ações para ocupar a rua de forma
interessante?, pergunta. A essa ocupação dos espaços da cidade, tocada
principalmente pela sociedade civil, deu-se nome de educação
não-formal. Tema deste ano do programa Rumos Educação Cultura e Arte,
do Instituto Itaú Cultural, que premiou, em novembro, cinco educadores
que trabalham com cultura e arte para a inserção social de crianças e
jovens.


Maria Helena, da Associação Novolhar.

A seleção reuniu 221 inscritos, com o objetivo de recolher experiências
sociais que dessem possibilidades aos jovens de atuar como
protagonistas. “Protagonismo, empoderamento e autonomia”, para Turino,
são os três princípios vitais da educação não-formal – “aquela que sai
dos muros da escola, e em que a sociedade começa a se perceber como
educadora, num processo permanente de aprendizado”, explicou, durante o
Encontro Educação Não-Formal: Ações e Repercussões, realizado na sede
do Itaú Cultural, em São Paulo, para apresentar os projetos premiados.

Por causa do critério do protagonismo, não foram aceitos, por exemplo,
projetos que aplicam a tecnologia exclusivamente com fins funcionais ou
profissionalizantes. “Percebemos que o uso das tecnologias têm focado a
inclusão digital, mas não a expressão cultural”, justifica Renata
Bittencourt, gerente de educação cultural do Programa Rumos Educação e
Cultura. Os cinco educadores receberam R$ 5 mil (além de R$ 10 mil para
suas respectivas instituições) e devem participar de outras atividades,
ao longo de 2006.

Para conhecer suas metodologias, os trabalhos inscritos estão sendo
estudados pela Universidade de Campinas (Unicamp). No segundo semestre,
devem dar origem aos cadernos de Educação, Cultura e Arte, com a
sistematização dos projetos, que também serão publicados na internet.
Para a pedagoga Renata Sieizo Fernandes, da Unicamp, consultora do
Programa Rumos, essas práticas formativas são transformadoras. Mas,
nesse processo, o Estado transfere responsabilidades para o Terceiro
Setor, que tem dificuldades para financiar as ações. “Inúmeros bons
projetos fecham. O que não aconteceria, se estivessem previstos em
lei”, acredita a pedagoga.

Segundo Turino, nas ações de protagonismo, destacam-se os trabalhos com
vídeo popular. De fato, dois dos educadores premiados têm projetos com
audiovisual – Carla Araújo Lopes, do Cria, de Salvador, que encena
peças teatrais, gravadas e exibidas para as comunidades; e Maria Helena
Santos, da Associação Novolhar, totalmente envolvida em oficinas de
vídeo. “A construção da imagem que a pessoa tem dela mesma é
fundamental para o diálogo social”, diz Turino. E cita o exemplo das
galheiras – estruturas de ferro que eram atadas à nuca dos escravos,
para que suas longas hastes em forma de galhos enganchassem nas
árvores, os impedindo de fugir. “Talvez daí venha o andar de cabeça
baixa; mas, talvez, também por isso o brasileiro tenha desenvolvido
esse jeito dançado de jogar futebol, único no mundo. Olha o que se pode
fazer na construção da identidade de uma raça. Mas, quando a pessoa
descobre sua imagem, levanta a cabeça”, afirma.

www.itaucultural.org.br – Escolha a opção Rumos, no menu superior.


O mundo é maior


Novolhar dá oficinas para até 360 meninos por ano, na Febem-SP.

A educadora Maria Helena Santos, uma das premiadas do programa Rumos
Educação Cultura e Arte, do Instituto Itaú Cultural, é 
coordenadora do projeto de comunicação e audiovisual na Febem São
Paulo, desenvolvido pela Associação Novolhar. Ela pilota uma equipe que
dá oficinas de vídeo com duração de quatro meses, e que atendem, por
ano, até 360 meninos, em diferentes unidades da instituição.


Vinicius: um cineasta
em formação.

“O vídeo dá imagem para quem está fora da imagem, considerado
invisível”, explica ela, que reconhece, na própria história, os
impactos do acesso à experiência artística. Maria Helena nasceu no
Jaraguá, na zona norte paulistana. “A periferia era distante de tudo.
Quando comecei a sair, fiquei impressionada com as possibilidades de
fazer coisas”, diz. Para essa descoberta, contribuíram os pais, que
militavam nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB), da Igreja Católica,
e o fato de ter feito muito teatro comunitário. “A arte mostra que o
mundo é maior”.

A Associação Novolhar mantém quatro programas de educação e cidadania
que, juntos, compõem o “percurso formativo novolhar”. Os jovens começam
nas oficinas de vídeo – no Bexiga, na região central, ou nas unidades
da Febem-SP -, e passam à produção do programa Novolhar (projeto
Novolhar na TV), veiculado na TV PUC de São Paulo e Campinas, quando
recebem uma bolsa mensal de R$ 300,00. Ao fim dessa etapa, podem se
integrar à produtora Novolhar Comunica.

Vinicius Monteiro da Rocha, de 18 anos, faz parte de um grupo de cinco
jovens formados nas oficinas da Febem-SP, que vão ingressar, em
janeiro, no projeto Novolhar na TV. Escreveu um argumento para o vídeo
“Na Comunidade, Existe Felicidade”, título provisório, ainda sujeito à
aprovação da equipe. Aprende, agora, a aceitar as críticas dos
parceiros. “O texto é como um filho”, admite. Também adquiriu um jeito
novo de ouvir música, interpretando as letras, e já fez muitos
exercícios de câmera.

Entendeu, no entanto, que há mais coisa além do botão de gravar. Na
primeira oficina, no final de 2004, em Franco da Rocha, na Gande São
Paulo, dedicou cinco meses à produção de um vídeo. Não conseguiu
terminar, porque, em abril de 2005, foi tranferido para Tupi Paulista,
divisa com Mato Grosso do Sul. O trabalho não foi perdido. O making of
das oficinas virou um clip feito pela equipe da Novolhar. “Emocionante.
Depois de assistir o material, onde cortaram e a montagem, me deu
vontande de aprender a editar”, lembra Vinicius, que retomou o projeto
ao voltar. “Saí numa quarta-feira, na quinta já liguei para a
Novolhar”. Como diria o Rappa, na canção O Salto, “a memória é uma ilha
de edição”, ensina o jovem.