A festa da criatividade e da colaboração
O Festival de Ideias 2012 reuniu em São Paulo gente disposta a fazer e debater
projetos de interesse de toda a sociedade
Ciça Vallerio
ARede nº 84 – setembro de 2012
EM VEZ DE maquetes e engenhocas, os inventores de hoje carregam laptops e, nem de longe, lembram os exóticos cientistas das antigas histórias em quadrinhos. Ao contrário, estão mais para uma pessoa comum, com grandes aspirações, vontade de empreender e, principalmente, compartilhar. Tipos como esses circularam pelo Auditório Ibirapuera, em São Paulo, no final de agosto, durante o Festival de Ideias 2012 – iniciativa do Centro Ruth Cardoso, em parceria com o portal V2V.net, a empresa Mandalah e a incubadora Engage.
O evento foi criado com o intuito de divulgar propostas que melhorem, de alguma forma, o funcionamento da sociedade. Para abrigar as inúmeras sugestões, o Festival desenvolveu um site onde qualquer pessoa pode inscrever suas soluções. Os projetos recebem comentários e são melhorados aos poucos, em um debate que acontece virtualmente e em reuniões presenciais. Desde que as inscrições para o Festival começaram, em abril, a organização promoveu pequenos encontros presenciais semanais no Centro Ruth Cardoso, em São Paulo, para estimular a cocriação entre participantes. Outras cidades também tiveram eventos de cocriação, uma forma de fomentar a troca entre os inscritos de outras partes do país: Niterói, Recife e Porto Alegre. Em Brasília e Salvador, a proposta agradou tanto que surgiram reuniões espontâneas.
No Festival de 2011, a primeira edição, o desafio era criar soluções para combater a violência, melhorar a mobilidade urbana e lidar com catástrofes naturais. Este ano, entraram mais quatro temas: redes de aprendizagem, crowdbusiness (negócio coletivo), voluntariado e apps. “Foram quase 300 inscrições de todo o Brasil, realizadas via uma plataforma com recursos mais desenvolvidos, o que aumentou a conexão entre as pessoas e originou um grupo de discussão online com mais de mil participantes”, conta Bruno Ayres, um dos coordenadores. O evento de agosto, aberto ao público, recebeu mais de mil pessoas. Cada uma era convidada a conhecer, opinar, apontar novos caminhos para os 19 projetos apresentados – selecionados para participar do Festival em São Paulo por um corpo de jurados a partir do que foi exposto na web e dos debates em cada cidade.
Um dos escolhidos foi o BikeIt, site desenvolvido por um grupo de adeptos da bicicleta como meio de transporte na cidade de São Paulo. A jornalista paulistana Sabrina Duran se encarregou de subir ao palco e, em apenas dois minutos, explicar a ideia: “Desenvolver uma plataforma na qual as pessoas possam reunir avaliações de lugares amigáveis para bicicletas. Restaurantes, bares, passeios que recebam bem esse transporte”. O serviço já está no ar, em modo beta, ou seja, ainda em fase de aperfeiçoamento. A ideia agradou tanto que recebeu um “investimento semente” de R$ 5,5 mil da organização do Festival. Com o dinheiro, Sabrina e os colegas bicicleteiros pretendem publicar versões com mapas de outras cidades, como Curitiba e Rio de Janeiro. Também querem desenvolver um software que permitirá ao leitor cadastrar, sozinho, as próprias opiniões sobre os estabelecimentos (hoje as resenhas são recebidas por e-mail e publicadas manualmente pelos administradores).
compartilhamento
Outro ponto forte do Festival foi o compartilhamento de forma livre dos projetos inscritos, registrados com licença Creative Commons. Todos os autores, para participar, concordaram em permitir a cocriação, a modificação e republicação de suas ideias. “É muito bom estimular o fim dessa babaquice do copyright, de que uma ideia é só de uma pessoa e que vale um milhão”, diz o professor de ioga Vinicius Machado, criador do Qualita.me. “O meu projeto é oferecer, por meio da internet, soluções de saúde, bem-estar e qualidade de vida, com dados abertos e conteú-
dos registrados em Creative Commons.”
Priscila Gonsales, pesquisadora em educação e tecnologia digitais, ficou encantada com o Festival : “É lindo ver como o mundo está mudando! Como as ideias já estão nascendo sob um novo paradigma. O conceito de compartilhamento estava presente tanto no objetivo quanto na remixagem da ideia. Todos esses autores mostravam suas ideias ao mundo, à sociedade, conscientes de que seus projetos podem ser ainda aperfeiçoados à medida que outras pessoas agregam possibilidades.”
Para cocriar, bastava pedir uma explicação. Entre os selecionados, a professora paulistana de filosofia e ética Valéria Farhat, de 52 anos, chegou a ficar rouca de tanto debater o eDook – sistema baseado em crowdfunding (financiamento coletivo) e crowdsourcing (conhecimento coletivo) de patrocínio de pesquisas acadêmicas. “A diversidade de assuntos e ideias reunidas deixa o cérebro fervendo”, disse.
Para dar mais combustível às cabeças efervescentes, o Festival de Ideias foi realizado juntamente com o R.I.A. Festival – Reflexão/Interação/Ação, evento sobre cultura digital promovido pela Fundação Telefônica/Vivo, em parceria com o Instituto Itaú Cultural e o Centro Ruth Cardoso. As palestras aconteciam no auditório, e havia também espaços para bate-papos e ações culturais. Passaram pelo palco principal o filósofo francês Pierre Lévy, o economista Eduardo Giannetti e o escritor Milton Hatoum, entre outros.
O fim é o meio
O Festival de Ideias tem patrocínio de Fundação Telefônica/Vivo, Fundação Lemann, Instituto Unibanco e TAM. Essas empresas formaram um fundo que seria dividido entre os melhores projetos. Ao menos, era o que os criadores imaginavam. Mas o esquema mudou, para melhor.
Diferentemente de 2011, este ano o número de vencedores não foi definido. Até o último momento, ninguém sabia quantos finalistas receberiam dinheiro. Ao longo das cocriações, as pessoas foram convidadas a sugerir modos de reduzir o custo dos projetos, e o motivo logo se revelou. A diminuição do valor tinha como objetivo propiciar o financiamento do maior número de ideias. Foi o que aconteceu: todos os inscritos ganharam algum aporte financeiro. O grupo de curadores do Festival ajudou a selecionar os projetos com mais perspectivas e definiu como seria distribuído o fundo de R$ 68 mil.
O engenheiro paulistano Rafael Henrique Siqueira Rodrigues acompanhou a variação de custos de seu projeto, chamado Ecoworking – escritório coletivo para abrigar ONGs a baixo custo. “Nem sabia do prêmio quando inscrevi minha ideia no Festival, só queria aprimorar o projeto por meio da cocriação”, conta. “Calculei que precisaria de R$ 38 mil para colocá-la em prática. Com as sugestões que ouvi, o valor baixou para R$ 15 mil. Recebi do Festival R$ 4,5 mil, o que já é um bom empurrão”, comemora.
O maior investimento semente, de R$ 8 mil, foi para o projeto Vida Fora da Escola, concebido pelo sociólogo colombiano Edilberto Sastre. Sua ideia é fazer um documentário para mostrar famílias que optam por educar seus filhos por conta própria, fora das escolas convencionais. Outro projeto que levou essa quantia foi o Esquadrilha da Risada, do paulista Mauro Pires Neto. Com formação em recreação e eventos, ele pensou em um serviço dedicado a “desestressar” os passageiros presos nos aeroportos por diversos motivos – de atrasos a cancelamentos de voos.
O evento, porém, não acabou. Continua na internet, onde já está em fermentação a próxima edição. Qualquer pessoa pode inscrever novas propostas no site, sobre os mesmos temas, até o final de outubro. Em novembro, deve acontecer outro Festival de Ideias. Para quem ficou de fora, é a chance de participar inserindo um projeto ou cocriando. E aí, o que vai ser?
www.festivaldeideias.org.br
www.blog.festivaldeideias.org.br
www.facebook.com/groups/219514234760244
O que é cocriação?
Para os organizadores do Festival, as ideias não surgem do nada. São, sempre, resultado de alguma interação entre as pessoas. Por isso, quanto maior a liberdade para que sejam buscadas, concebidas e modificadas, mais inovadoras serão. Conheça os cinco princípios básicos do processo de cocriação:
1. Entrada e tema abertos: qualquer pessoa pode participar e propor novos temas
2. Desfecho aberto: não há um resultado esperado a ser alcançado
3. Processo free: não há uma metodologia a seguir para se atingir um objetivo
4. Estrutura distribuída: todos interagem em igualdade de condições, sem dirigentes
5. Dinâmica interativa: ninguém precisa acatar decisões, todos são livres para interagir da maneira como quiserem
As boas ideias em tecnologia
O Festival de Ideias mostrou 19 projetos selecionados entre mais de 300. Conheça algumas das iniciativas apresentadas que usam as TICs para beneficiar mais pessoas.
Laboratório de química Sifteo – Aplicativo que usa cubos interativos para simular experiências químicas.Ideia de Thiago Garcia da Silva
Rede social para deficientes visuais – Funciona por telefone, com características das redes da internet.
Ideia de Alê Ortega
Villa em Pé – Ideia de app e site de relacionamento online e offline para vizinhos e condôminos de edifícios.
Ideia de Rafael D’Alessandro Pires
Mapeamento de cães abandonados – App para mapear cães sem dono, auxiliando ONGs e pessoas interessadas em ajudar esses animais a resgatá-los.
Ideia de Romeo Prado
Mapas de Vista – Plataforma digital feita em software livre onde todos poderão criar e alimentar mapas com dados.
Ideia de Breno Castro Alves
Job.me – Aplicativo em que a pessoa insere as tarefas que não tem tempo de realizar, oferecendo uma recompensa em dinheiro para outra pessoa disposta a fazê-las.
Ideia de Gabriel Gomes
Consumo colaborativo – Multiplataforma de compras colaborativas financiadas por crowdfunding e 100% open source.
Ideia de João Paulo
Rede social baseada em Gift Economy – Rede social para facilitar oportunidades entre indivíduos e instituições na área de Gift Economy (trocas e doações).
Ideia de Ipolos Kawn
Ajude.me – Projeto de arrecadação de fundos online voltado para ajudar pessoas que precisem de algum tratamento, medicamento, acessório etc.
Ideia de Diego Alvarez Nogueira
Rotas em Comum – Plataforma para convidar pessoas com rotas em comum a dividir o transporte, como carona, taxi, van.
Ideia de Jeoás Faria