Internet ao alcance da tomada
Acesso à web por meio da rede elétrica ganha fôlego com aprovação da Anatel Bárbara Ablas
Um dos grandes méritos da tecnologia que permite o acesso à internet banda larga por meio da rede elétrica, conhecida como PLC (Power Line Comunications ou Broadband over Power Lines, nas siglas em inglês), é a possibilidade de universalizar a inclusão digital. Embora venha sendo estudada no Brasil há anos, só no dia 13 de abril essa tecnologia ganhou um significativo impulso, com a aprovação, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), do Regulamento sobre Condições de Uso de Radiofrequências por Sistemas de Banda Larga por meio de Redes Elétricas. O regulamento estabeleceu novos contornos para a tecnologia e as empresas obtiveram sinal verde para atuar com o sistema. O PLC utiliza os fios da rede de distribuição de energia elétrica para trafegar dados de internet, voz e vídeo. Como a infraestrutura da rede de energia abrange 97% do país, o sistema pode reduzir custos de implantação de redes onde serviços de telecomunicações não chegam ou onde a qualidade é ruim para oferecer banda larga. Com um equipamento PLC, qualquer tomada da residência pode se transformar em um ponto de conexão à internet, de telefone e de TV a cabo. Além disso, o sistema promete altas velocidades. Os atuais equipamentos chegam a 200Mbps. Embora ainda sejam importados, a resolução da Anatel deve atrair novos investimentos de grupos brasileiros e estrangeiros, apostam os especialistas.
O PLC vem emperrando em questões técnicas e comerciais. Uma das barreiras contra a utilização do sistema diz respeito às interferências que a tecnologia pode acarretar. As redes de energia elétrica são muito antigas e nem sempre apresentam condições favoráveis ao uso do PLC. Além disso, os fios do cabo de energia não são blindados e podem sofrer interferências. A Anatel regulamentou a forma como o sistema pode ser utilizado, estabelecendo regras para que o PLC não cause interferências em serviços de telecomunicações como radiodifusão e radioamadorismo. A resolução definiu as freqüências nas quais o sistema pode operar e determinou que os equipamentos sejam certificados e homologados pela agência.
Peso na balança
A questão técnica deixou de ser um entrave, na opinião do presidente da Associação de Empresas Proprietárias de Infraestrutura e de Sistemas Privados de Telecomunicações (Aptel), Pedro de Oliveira Jatobá. “A novidade, no momento, é que a regulamentação da Anatel reconhece que a tecnologia está apta a fornecer essa forma de acesso. A agência testou por dois anos. Não dá mais para dizer que o uso do PLC é inviável”.
Segundo ele, temos de pensar no modo como o serviço será prestado pelas empresas. “A rede elétrica está vinculada a um serviço público. É necessário que isso seja pactuado. A questão é: como vamos lidar com o fato de ter uma rede convergente de energia e dados? Existem aspectos econômicos e de eficácia para avaliar. Por exemplo, como o lucro será repartido? Mas, com certeza, o consumidor será beneficiado”, completa Jatobá.
O formato da prestação de serviço aos consumidores é um capítulo à parte, que as empresas de telecomunicações e de energia ainda terão que escrever. Porém, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também vai dar o seu aval nessa história. Está aberta, até o dia 31 de maio, uma consulta pública para apoiar a definição das regras de comercialização do serviço. Seja qual for o modelo de negócio a ser seguido, a expansão da nova tecnologia terá um preço. “O PLC é interessante para pequenas localidades, mas para promover a inclusão digital é necessário investimento do ponto de vista técnico. Quem vai pagar a conta?”, pergunta Rogério Romano, pesquisador do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD).
“Não estamos interligando cidades com o PLC”, explica o estudioso. O sistema depende de outras tecnologias. Para o sinal de internet chegar até as estações de distribuição de energia de cidades isoladas são necessários cabos de fibras ópticas ou satélites, por exemplo.
Resultados
A Aptel, que em 2004 lançou o Fórum Aptel PLC Brasil para disseminar informações e estimular o debate sobre o assunto, acompanha três campos de testes — nas cidades de Barreirinhas (Maranhão), Goiânia (Goiás) e Porto Alegre (Rio Grande do Sul).
Em Barreirinhas, que fica no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, o PLC levou inclusão digital aos moradores do município conectando escolas, postos de saúde, órgãos públicos, residências e pequenas empresas. A conexão da internet chega pelo sistema de satélite do Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), do Ministério das Comunicações, e o PLC distribui o sinal pela rede elétrica. Essa foi a primeira experiência com PLC no país.
De acordo com informações do Gesac, o município maranhense foi escolhido para ser o projeto piloto porque tem um dos mais baixos IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, classificado na 5.287ª posição entre os municípios brasileiros. Além da Aptel, também integram o projeto as Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás), Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte), a Companhia Energética do Maranhão (Cemar) e a Prefeitura de Barreirinhas.
Na cidade de Porto Alegre, no bairro de Restinga, com 130 mil habitantes, a utilização do PLC foi além da inclusão digital e contribuiu para melhorar o serviço público de saúde. “Construímos uma rede PLC para aplicação social. E a rede do SUS recebeu um novo serviço: a telemedicina”, conta o diretor-presidente da Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação de Porto Alegre (Procempa), André Imar Kulczynski. Por meio de um equipamento portátil, são transmitidas imagens de ultrassonografia obstétrica, em tempo real, via rede elétrica, de alguns postos de saúde para o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, no centro da cidade. Por meio de videoconferência, os médicos trocam informações. “A espera das gestantes para fazer o exame pré-natal baixou de quatro a cinco meses, para 30 dias”, diz Kulczynski. E o índice de ausência das gestantes caiu de 40% para 10%. Restinga está a 30 quilômetros do centro, onde fica o hospital. A distância era uma dificuldade para as mulheres. Além disso, a agilidade da tecnologia facilita a identificação e o encaminhamento de casos em que a gravidez apresenta algum problema.
A rede PLC, implantada em 2006, foi realizada por meio de um acordo de cooperação técnica entre a Procempa, a Empresa de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE), o Centro de Excelência em Tecnologias Avançadas do Senai e a Universidade e a Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Paraná e São Paulo
A cidade de Santo Antônio da Platina, que fica a 370 quilômetros de Curitiba, também está testando o PLC. A Companhia Paranaense de Energia (Copel) está conectando 300 usuários entre residências, empresas e órgãos públicos. Eles terão sinais digitais de imagem, voz e dados gratuitos durante um ano, mediante o compromisso de monitorar, avaliar e relatar a Copel o funcionamento da rede. Em breve, os moradores poderão navegar na internet com conexões de 10 Mbps. O investimento da Copel em equipamentos é de R$ 1 milhão.
Em São Paulo, a AES Eletropaulo Telecom está testando o PLC há dois anos. Segundo a empresa, a tecnologia está disponível em 300 prédios nos seguintes bairros: Cerqueira César, Pinheiros e Moema. Mas “aproximadamente cem domicílios utilizam o serviço para os testes reais” (testes em campo). Até o momento, foram investidos R$ 20 milhões. A previsão é de que até o final de 2009 o PLC seja oferecido ao consumidor. A empresa vai oferecer a infraestrutura para que as operadoras levem o serviço ao usuário final.
Como funciona
Os sinais de internet e de energia elétrica podem compartilhar o mesmo meio físico porque trafegam em frequências diferentes. Enquanto o sinal para conexão é da ordem de MHz, a energia elétrica trafega na faixa de Hz.
O PLC injeta a conexão vinda de um cabo de fibra óptica nas redes elétricas de baixa e média tensão, onde estão conectados os clientes das prestadoras de serviços. A abrangência é de alguns quarteirões por circuito. O sistema permite que todas as tomadas da residência se tornem um ponto de acesso à internet, desde que o usuário plugue na tomada um modem PLC que vai converter o sinal para o computador.
A banda larga disponível é compartilhada entre os usuários do mesmo circuito. A velocidade de tráfego de dados para cada usuário vai depender de quantas pessoas estão conectadas na banda. Os equipamentos que levam o sinal da fibra óptica para dentro da rede elétrica podem ser instalados em postes ou acoplados nos medidores – conhecidos como relógios – do prédio.
Possíveis interferências podem ser filtradas por equipamentos PLC. “As redes elétricas são suscetíveis a ruídos. O interruptor de uma lâmpada, por exemplo, pode gerar ruídos nos sistemas. Ou, quando estamos assistindo à TV e alguém liga um eletrodoméstico na mesma rede, a imagem pode ficar distorcida. Para garantir a qualidade dos sinais, o PLC utiliza filtros”, explica o professor João Carlos Lopes Fernandes, que coordena o curso de Análise de Sistemas e Tecnologia da Informação Fatec São Caetano do Sul.
www.aneel.gov.br
www.aptel.com.br
www.cpqd.com.br
www.procempa.com.br