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conexão social – A internet está pra peixe

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A internet está pra peixe

Projeto Pescadores Online leva banda larga ao norte da Paraíba e ensina trabalhadores
a navegar nas ondas digitais
Rafael Bravo Bucco

ARede nº 89 – março de 2013

Até pouco tempo atrás não havia qualquer conexão digital com o mundo exterior em Barra do Mamanguape. A região, no norte da Paraíba e a cerca de uma hora e meia de João Pessoa, é habitada por famílias de pescadores artesanais que, quando não buscam sustento na foz do rio ou no mar, produzem artesanato ou conduzem turistas pelas belezas da reserva. Em 2011, a internet chegou. Os pescadores, que nunca tinham visto um computador, logo se apropriaram da tecnologia. Culpa da linguista Thais Garcia. Mestre pela Universidade Federal da Paraíba, ela aportou em Mamanguape para finalizar seu mestrado, um projeto dividido em duas etapas. Na primeira, veria que relação as pessoas sem acesso à informática tinham com a escrita e a leitura. Na segunda, a partir da chegada de uma conexão à rede, estudaria o impacto da tecnologia no ler e no escrever.

conexao social a internet esta pra peixe440x05Para pôr em prática sua proposta, Thais se mudou para a vila de pescadores, obteve financiamento do Ministério da Educação (MEC) aos cinco bolsistas que a acompanhariam durante a pesquisa, conseguiu apoio do Centro Universitário de João Pessoa, que doou quatro computadores, e da Associação Nacional pela Inclusão Digital (Anid), que criou a infraestrutura de rede e fornece um link de 30 Mbps. “A comunidade era bem isolada, e a possibilidade de acesso à rede era zero”, lembra a pesquisadora.

Quando a antena foi instalada, em junho de 2011, o telecentro começou a funcionar com os computadores doados, todos com sistema operacional Ubuntu. “O software livre é usado por suas características democráticas”, diz Thais. Além dos micros, o telecentro tem um projetor para exibição de apresentações ou vídeos.

A primeira ação foi o letramento digital de 58 alunos, que tiveram aulas de informática básica. Também foi ministrado um curso de capacitação e formação de monitores para sete pessoas da comunidade. Logo de cara, os computadores doados deram problema e foram quebrando. Sobrou apenas um para contar a história. Mesmo com a máquina solitária, 300 pessoas se revezavam, todo mês, durante um ano, para navegar na internet e participar dos cursos de informática.

Para estimular o uso da internet, Thais trabalhou com as famílias na criação de um blog. Assim surgiu o Pescadores Online, no qual são publicadas fotos dos artesanatos produzidos na região, cometários sobre a pescaria e denúncias sobre descarte inadequado de lixo ou mortandade de animais, entre outros assuntos de interesse dos moradores.

A pesquisadora constata enormes transformações, entre 2011 e hoje. Antes da chegada da internet, os habitantes tinham pouco ou nenhum contato com a língua escrita. A chegada da internet ampliou esse contato, e agora muitos fazem planilhas, editam documentos de texto, leem sites de notícia e escrevem no blog e nas redes sociais.

“Você vai encontrar erros de português segundo a norma culta no blog, mas o objetivo é que eles se expressem. A melhora linguística deve acontecer no longo prazo”, diz. A vila tem cerca de 250 habitantes, 68 famílias, todas dentro do raio do sinal de Wi-Fi gratuito, fornecido pela Anid. Em algumas casas, a internet chega por fibra óptica.

A história de Wellington Freire, 25, pescador e guia turístico, ilustra a mudança na realidade local. Ele nunca tinha visto um micro até a chegada de Thais. Se interessou pelo projeto e participou ativamente dos cursos de informática e de formação de monitores, até se tornar um dos voluntários a tocar o telecentro. “Eu tinha um grande nervoso quando comecei a usar o computador, ficava com medo. Chamava a Thais sempre que abria alguma coisa, para ver se era normal. Depois, virei monitor: eu que dava aula de computação básica”, lembra. Hoje, o pescador e guia também ganha dinheiro fazendo manutenção das máquinas dos vizinhos e planeja abrir um negócio de reparos de PCs. “Comprei meu computador assim que virei monitor. Recentemente comprei um tablet”, diz.

Em meados de 2012, o projeto foi interrompido. Funcionando provisoriamente em uma casa usada pela comunidade para produção de artesanato, tinha prazo de um ano para permanecer nas instalações. Depois, deveria ser transferido a um prédio próprio. Mas faltava dinheiro. A construção foi adiada várias vezes, até que Garcia voltou à Anid para pedir ajuda. A ONG, então, comprou e doou o terreno, material de construção, cinco computadores novos e uma impressora – que vão ocupar o futuro telecentro quando a obra for concluída, em abril.

“A construção está sendo feita em mutirão, aos finais de semana, pela comunidade”, explica Percival Henriques, presidente da Anid e conselheiro do Comitê Gestor da Internet (CGI.br). Ele espera que o espaço de letramento digital tenha muito mais equipamentos, com ajuda do poder público. “Vamos buscar uma parceria com o Ministério das Comunicações”, afirma.

conexao social a internet esta pra peixe440x02A pesquisadora explica que os resultados rápidos foram obtidos, em parte, graças à proposta de conduzir o letramento com base nos assuntos de interesse dos habitantes da vila. Os alunos deviam buscar na internet informações sobre os temas, aprofundando leitura e escrita. “Realizamos oficinas de compostagem, biofertilizantes, plantas medicinais, educação ambiental, origami, fuxico, mosaico em cascas de ovos, geotinta, entre outras”, conta.

Sua pesquisa de mestrado foi aprovada com louvor. Ela ainda mora em Barra do Mamanguape, onde planeja ampliar o trabalho: “Queremos estender o projeto para comunidades indígenas e assentamentos rurais, além de alavancar o existente, através do empoderamento feminino e economia solidária, gerenciamento de resíduos, resgate da cultura local, cinema na comunidade, curso de inglês”. 

http://pescadores-online.blogspot.com.br
www.anid.com.br

Barra do Rio Mamanguape
conexao social a internet esta pra peixe440x04Área de proteção ambiental com mais de 14,6 mil hectares, abriga cerca de cinco mil famílias, divididas em 18 povoados. Além da vila de pescadores, tem aldeias da etnia Potiguara. A área é formada por vários biomas, com remanescente da Mata Atlântica. Tem, também, a maior área de manguezal da Paraíba, e em suas águas o peixe-boi-marinho come e se reproduz.

Redes que vão longe
A Associação Nacional pela Inclusão Digital (Anid) tem uma abordagem própria do conceito de inclusão digital. Trabalha para levar conexão a locais onde não existe interesse de exploração comercial por parte das empresas de telecomunicações. A ONG cria redes, estabelece links, instala antenas e pontos de operação de telecomunicações (Pops ou Nods) em lugares remotos.

Em cidades onde a exploração comercial é viável, a Anid vende o serviço de montagem de infraestrutura de rede a provedores regionais de acesso. Vende também serviços de capacitação e treinamento em TI. Com o dinheiro, financia a instalação gratuita de equipamentos em comunidades carentes, como a vila de pescadores de Barra do Mamanguape, onde o investimento foi de aproximadamente R$ 150 mil.

Cinco anos atrás, quando surgiu, a Anid tinha 20 fundadores. Hoje, são 600 associados, 80 funcionários, e uma lista de projetos que vai da instalação de Wi-Fi gratuito em pátios de escolas públicas à instalação de internet sem fio em assentamentos rurais. “O objetivo é fomentar a democratização das comunicações, seja levando rede aonde não tem, construindo torres ou formando pessoas para trabalhar na área”, resume o presidente Percival Henriques.