Substitutivo do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) recebeu críticas a
diversos pontos, entre eles à obrigação de o usuário se identificar a
cada conexão à internet. Especialistas afirmam que há o perigo de se
instaurar um clima de insegurança e inversão de princípios do Estado de
Direito.
Heitor Augusto
No dia 14 de novembro, durante seminário na Comissão de Direitos
Humanos e Minorias (CDHM), o senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG)
comemorava: “Eu já estou feliz, pois um dos objetivos foi atingido: o
projeto está sendo discutido”. Ele se referia à polêmica criada em
torno do substitutivo que engloba os projetos de lei 76/2000, 137/2000
e 89/2003, todos sobre crimes e segurança na internet. Muitos artigos
geraram polêmica, acusados, principalmente, de ferir os preceitos de
liberdade — uma das premissas no desenvolvimento da internet — e de dar
margem a múltiplas interpretações, que se construiriam de acordo com o
interesse de cada ator em uma discussão.
A começar pela obrigação de cada internauta se identificar. No item III
do artigo 154-C, a identificação do usuário inclui “os dados de nome de
acesso, senha criteriosa, nome completo, filiação, endereço completo,
data de nascimento, número da carteira de identidade, que sejam
requeridos no momento do cadastramento de um novo usuário de dispostivo
de comunicação ou sistema informatizado”. Pode-se interpretar, por
exemplo, que a cada conexão — seja ela em um aeroporto ou lan house,
não necessariamente em um computador doméstico —, o internauta teria de
fornecer esses dados. E o provedor que permitisse o acesso sem a
identificação seria penalizado com detenção de um a dois anos, além de
multa.
Azeredo disse, na CDHM, que estaria disposto a retirar a obrigação de
identificação e aprovar os pontos consensuais. Entretanto, até então o
conteúdo está mantido. A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e
administradoras de cartões de crédito são a favor da identificação do
usuário, argumentando que reduziria as fraudes. Do outro lado da cerca,
estão a Associação Brasileira de Provedores de Internet (Abranet) e a
SaferNet — OnG que auxilia o combate a crimes cibernéticos contra os
direitos humanos —, que se opuseram à medida.
A Abranet argumenta que não tem estrutura para verificar a veracidade
das informações do usuário a cada conexão. E a SaferNet faz uma série
de críticas. Uma delas é a ineficácia do cadastro. “O crime cibernético
é essencialmente transnacional.”, argumenta Thiago Tavares, diretor da
OnG. Marcelo Bechara, consultor jurídico do Ministério das
Comunicações, segue a mesma linha. “Sabemos que o usuário de má fé vai
procurar provedores internacionais. Isso torna a norma inócua”,
declarou à CDHM.
Para Thiago, o artigo 154-A, que penaliza “acessar indevidamente, ou
sem autorização, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado”,
é equivocado. Há dois problemas: “Tudo é dispositivo de comunicação. Eu
pego o celular de outrem, faço uma ligação e pronto, já poderia ser
denunciado”. O segundo deslize seria em relação à instância competente:
“E quem define o que é ‘acesso indevido’? Seria equivalente a dar um
cheque em branco para a polícia ou para o Judiciário prenderem quem
quiserem”.
Outro ponto que, a priori, assusta desenvolvedores é o que
trata de “dano por difusão de vírus eletrônico”. Segundo o artigo
163-A, “criar, inserir ou difundir vírus em dispositivo de comunicação
ou sistema informatizado, com a finalidade de destruí-lo, inutilizá-lo
ou dificultar-lhe o funcionamento” acarreta prisão de um a três anos,
além de multa.
Sabe-se, porém, que os internautas já são identificados por meio do IP
(Internet Protocol, ou Protocolo de Internet), uma espécie de
“impressão digital” de cada computador. Os dados ficam resguardados e o
sigilo só é quebrado por solicitação da Justiça, para elucidar uma
investigação em curso.
O direito de se resguardar sob anonimato foi o maior prejudicado no
projeto. Para o pesquisador Sergio Amadeu, imperaria a sensação de
vigilância constante. “O projeto cria um medo exagerado, que não tem
correspondência na realidade. Faz que, mediante o medo, o cidadão abra
mão da segurança, abra mão da privacidade, do anonimato, em função da
sociedade do controle. Um mundo hobbesiano”, enfatiza, citando o
pensador Thomas Hobbes — este defendia que cada cidadão abdicasse
de sua individualidade em prol do Estado, que traria segurança a todos.
Interesse dos bancos
Outra crítica ao projeto é que teria sido criado para atender à demanda
de bancos. Isso porque as instituições financeiras seriam as principais
interessadas, por conta dos prejuízos com fraudes — na ordem de R$ 1
bilhão desde a implantação do e-banking,
afirma Renato Ópice Blum, consultor jurídico da Febraban. A assessoria
de imprensa da entidade foi contatada pela reportagem, mas não retornou
as mensagens.
Uma das saídas para as fraudes seria a assinatura digital — mecanismo
no qual cada usuário teria uma “assinatura” que o protegeria de
violações e, ao mesmo tempo, asseguraria a veracidade da identidade do
internauta (veja mais detalhes em “Criptografia assimétrica… você
ainda vai precisar dela.” ). Há oposições quanto à
certificação, principalmente por conta dos custos. “A população não tem
condição”, argumentou Bechara, do MiniCom.
Antônio Tavares, presidente da Abranet, diz que a certificação criaria
“duas internets”: a dos ricos e a dos pobres. “Queremos que a inclusão
digital se faça com certificação digital para todos. As grandes
certificadoras são empresas dos sistemas financeiros, principais
prejudicadas com as fraudes”. O presidente da SaferNet também sugere
que os bancos arquem com os custos. “Seria racional que os bancos
fizessem parceria com as certificadoras para oferecer aos clientes a
segurança, incluindo isso na cesta de serviços”. Thiago avalia que a
certificação digital tem de se popularizar espontaneamente, não por
imposição.
A essência do projeto desagradou, ainda, ativistas dos direitos
humanos, pois, segundo eles, o substitutivo discute apenas a proteção
do patrimônio, e não a proteção à pessoa. Cristina Albuquerque,
assessora especial da Área de Enfrentamento da Violência Sexual
Infantil, vinculada à Secretaria de Direitos Humanos (SEDH), apóia
iniciativas para o combate à pedofilia, mas considera que esse não é o
principal propósito do substitutivo. “Todos os procedimentos de
combates serão sempre apoiados, a princípio, desde que não prejudiquem
outros direitos humanos e garantias individuais. O projeto do Azeredo é
muito voltado para a questão patrimonial. Não enxergamos nele
explicitamente o combate aos crimes de direitos humanos”.
Segundo o banco de dados da SaferNet, no período de janeiro a setembro
deste ano, foram relatadas 163 mil denúncias de crimes de violações dos
direitos humanos na internet. Destas, 62 mil (ou 38%) estão
relacionadas à pornografia. Uma das iniciativas em construção no
governo federal é um plano nacional de combate à pedofilia. Dividido em
seis eixos (situação, prevenção, atendimento, mobilização, protagonismo
juvenil, repressão e responsabilização), é coordenado pela SEDH. A
legislação de combate aos crimes contra direitos humanos praticados na
internet é um dos temas em discussão.
“Precisa pôr na lei que fotos montadas e pornografia infatil simulada
(por meio de programas de computação gráfica) também são crimes.
Sugerimos uma emenda ao ECA, prevendo que as intermediadoras da compra
e venda de pornografia na internet, como operadoras de cartão de
crédito, também sejam responsabilizadas”, explica o presidente da
SaferNet.
multa de R$ 50 mil para cada ordem judicial de quebra de sigilo
desobedecida, o Ministério Público Federal levou um “drible” do
Tribunal Regional Federal no fim de novembro. O desembargador do TRF
Fábio Prieto entendeu que “não cabe ao juízo cível fixar prazo para o
cumprimento de ordem judicial” e derrubou a liminar que previa a multa.
O MPF argumenta que o mérito principal, estabelecer “a responsabilidade
civil e criminal da subsidiária brasileira de um grupo econômico
transnacional, em relação a um serviço prestado no Brasil, para
brasileiros”, não foi levado em conta por Prieto. O MPF diz que vai
recorrer. A espinha dorsal está no sigilo dos dados: o Google diz que a
filial brasileira não tem acesso a eles (que estariam hospedados nos
Estados Unidos), enquanto o MPF defende a liberação das informações,
pois o serviço é prestado no Brasil.
http://safernet.org.br/twiki/bin/view/SaferNet/CrimesOrkut – Cronologia do caso. É necessário um cadastro rápido no TWiki (que será indicado pelo link)
PF adota programa da Microsoft
A Polícia Federal recebeu doação de uma versão Cets (Child Exploitation Tracking System,
ou Sistema de Rastreamento de Exploração Infantil), programa
proprietário para auxiliar o combate à pedofilia. A ferramenta rastreia
sites suspeitos e permite o intercâmbio de informações entre diferentes países. A PF está recebendo treinamento.
Além do Cets, a PF usa outra ferramenta. O Orkut criou um mecanismo no
qual a polícia navega pelas comunidades como “usuária especial” e tem
acesso a dados dos internautas. Caso seja detectada alguma comunidade
suspeita, a PF alerta o Google que, por sua vez, retira a página do ar.