Conexão social

Contas abertas: é preciso estimular o controle social.

As redes sociais e o envolvimento dos conselheiros municipais e estaduais foram apontados como os melhores caminhos para estimular a população a acompanhar a execução orçamentária pela internet

Lia Ribeiro Dias

ARede nº62 setembro de 2010 – Para implementar a Lei da Transparência (Lei Complementar 131/2009), que obriga os entes públicos a publicar na internet receitas e despesas, é fundamental estimular o controle social. “Não basta a informação estar pública e disponível na rede. Só isso não garante o combate aos desvios e à corrupção. O que pode levar a uma mudança é o controle social da execução orçamentária”. Essa posição foi defendida pelo ex-senador João Alberto Capiberibe, autor da lei, em debate sobre o tema durante o 8º Wireless Mundi, organizado pela Momento Editorial, em São Paulo. E ele acredita que uma boa ferramenta para estimular o controle social, especialmente a participação dos jovens, são as redes sociais.

A mobilização social também é uma preocupação da Controladoria Geral da União (CGU), responsável pelo Portal da Transparência. Izabela Correa, gerente de Promoção da Ética, Transparência e Integridade da CGU, disse que a instituição vem realizando reuniões com conselheiros (de educação, de saúde etc.) de municípios e estados, para estimulá-los a acompanhar as contas públicas por meio dos portais de transparência. No caso do Portal da Transparência da União, Izabela chama a atenção para o número de acessos pelo sistema push — são cidadãos cadastrados no Portal que solicitam receber informação automaticamente nos seus e-mails quando os temas de seus interesses têm alguma informação alterada na base de dados. “Já são 31 mil cadastrados, número que cresce a cada dia. Esse cidadão está acompanhando permanentemente a execução orçamentária”, disse a gerente, informando que o total de acessos mensais ao Portal da Transparência foi de 228 mil, em julho de 2010. O portal processa 54 mil documentos por dia, o que demanda quatro horas e meia de processamento diário.

Na avaliação de Capiberibe, talvez seja mais fácil mobilizar os cidadãos para acompanhar o desempenho orçamentário quando a Lei da Transparência tiver de ser cumprida pelas pequenas cidades. Hoje, a lei vigora para a União, estados e municípios acima de 100 mil habitantes. A partir de 27 de maio de 2011, passa a valer para as cidades entre 50 mil e 100 mil habitantes e, no ano seguinte, para as cidades com menos de 50 mil habitantes. “Nos municípios menores, os cidadãos estão mais perto do que acontece na cidade”, pondera.

Dados brutos
Mesmo sem estar ainda obrigadas, algumas cidades menores já estão cumprindo a Lei da Transparência. Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, que criou o Índice da Transparência, disse que está sendo procurado por cidades como Sentinela do Sul (RS) e Búzios (RJ), que querem ser avaliadas. Embora recente, o Índice da Transparência, que avalia portais da União e dos estados, já provocou resultados, segundo Castello Branco. Piauí e Bahia, dois estados que foram mal avaliados, também procuraram o Contas Abertas para discutir como melhorar seus portais. Antes, estados bem avaliados, como São Paulo e Rio de Janeiro, também tinham se reunido com a ONG para verificar os critérios adotados e discutir suas pontuações.

A apresentação dos dados brutos, em extensões abertas que possam ser baixadas integralmente, em downloads diretamente do servidor, é uma reinvindicação de pesquisadores que querem fazer cruzamento de informações. Ao responder a uma pergunta da platéia, Gil Castello Branco dizsse que esse critério está incorporado ao Índice da Transparência e foi um dos responsáveis pelo fato de o Portal da Transparência da CGU, que recebeu a melhor classificação, ter perdido pontos no item usabilidade.

Izabela, da Controladoria, admitiu que a instituição estuda a adoção de outras terminações que permitam o cruzamento da dados brutos, mas ainda não há definição de quando esse recurso será implementado. Um exemplo dessa limitação foi dada por Castello Branco, do Contas Abertas. Ele relatou que é possível saber, pelo Portal da Transparência, todos os nomes de todos os beneficiários do Bolsa Família. No entanto, não é possível fazer o download do cadastro integral. E é isso que os analistas de dados reivindicam. A primeira boa notícia nessa área poderá vir do estado de São Paulo. Gil informou que está em estudo a possibilidade de o portal do governo paulista permitir o download diretamente do servidor .

Problemas
De acordo com José Reynaldo Formigoni Filho, gerente do CpqD e também integrante do painel do 8 ] Wireless Mundi, disse que as prefeituras precisam começar a se preparar para cumprir, nos próximos dois anos, a Lei da Transparência. Ele avalia que essa não é uma tarefa fácil, pois muitas prefeituras não têm sistemas integrados, contam com bases de dados espalhadas, muitos sistemas nem têm mais suporte. “Além disso, a maioria dos sistemas de contabilidade de cidades pequenas roda só uma vez por mês e não está on-line”, afirmou.

Ao lado da questão tecnológica de integração de sistemas, Formigoni destacou a importância de os municípios organizarem seus processos para que possam colocar as informações exigidas pela Lei de Transparência na internet. E lembrou a importância de que as informações publicadas sejam claras e de fácil uso pelo cidadão. Em sua experiência de navegar por portais de prefeitura, entre as que já colocaram a informações no ar, o especialista verificou que não é fácil encontrar o que se procura. E às vezes nem mesmo é fácil entrar na página da Transparência.

Como desenvolveu um modelo de análise das chamadas cidades digitais, que estão integrando os órgãos municipais e oferecendo serviços de governo eletrônico ao cidadão, o CPqD alerta para a necessidade desses projetos já contemplarem a exigência da criação do Portal da Transparência. “Esse planejamento é necessário não só para que a lei seja cumprida, mas para que os dados apresentados sejam compreensíveis para a população”, comentou. Como exemplo, citou projetos desenvolvidos pelo CPqD na área da saúde, onde a facilidade de uso influencia muito nos resultados. “Temos de considerar que o nível de letramento da população ainda é baixo”. Usar a linguagem compreensível nos portais de transparência e uma navegação simplificada são, segundo Izabela, exigências básicas para que o controle social possa se desenvolver.

Despesas detalhadas
A Lei da Transparência representou um grande avanço na publicização das despesas dos entes federados. Mas é falha no que diz respeito à abertura das receitas. “Essa é uma deficiência que terá de ser corrigida”, comentou Capiberibe. De acordo com ele, o cidadão ainda não tem como acompanhar se o seu pagamento de IPTU entrou na conta da prefeitura. “Se há desvios e ralos na ponta da despesa, há também na ponta da arrecadação”, avalia o ex-senador, que apresentou um projeto para separar, na nota da compra de um produto qualquer, o valor do produto comprado do valor dos impostos incidentes, como ICMS, PIS e Cofins. “O cidadão precisa ter consciência dos impostos que paga e saber como são aplicados.”

Falta conectividade

A abrangência das redes das operadoras ainda é um problema para a conectividade dos serviços públicos que, muitas vezes, limita a prestação de serviços de governo pela falta da infraestrutura. Esse foi um dos pontos discutidos no painel sobre o relacionamento entre gestores públicos e operadoras, no 8º Wireless Mundi.

Um dos painelistas, Luis Gustavo Loyola dos Santos, diretor do Datasus (provedor de serviços no Ministério da Saúde), ao apontar a conectividade como um problema, deu como exemplo a rede Infosus (backbone nacional do Ministério da Saúde). A rede saiu de pouco mais 186 pontos Frame Relay para uma rede MPLS com 700 pontos, mas a necessidade cobertura na saúde está longe de ser atendida, informou. “Temos 60 mil estabelecimentos na saúde e apenas 700 pontos”, relatou.

Mesmo no estado de São Paulo, onde a conectividade já é praticamente uma questão resolvida, Douglas Viudez, diretor de produção e serviços da Prodesp (a empresa de TIC de São Paulo), reclamou da demora na ativação de links – “a gestão de processos é um mal crônico das operadoras” — e da garantia de velocidade mínima da banda larga oferecida. “O serviço contratado é de 1 Mbps, o provedor oferece 10%, ou seja, acaba ficando no mínimo, e se oferece acima, acha que está dando mais do que deveria”, afirmou.

Apesar dos problemas, houve um consenso de que a relação com as operadoras está avançando. Mas constatou-se que o serviço público ainda usa muito pouco a plataforma celular de SMS e mesmo de serviços de 3G, embora o celular já esteja praticamente nas mãos de 90% da população brasileira. O desenvolvimento de um piloto de um grande projeto de SMS foi sugerido por Loyola, do Datasus, que convocou a parceria das operadoras. Alexandre Mello, gerente geral de vendas corporativas para governo da Claro, disse aceitar o desafio.

O papel do celular na massificação de serviços de governo e mesmo na bancarização foi o tema da palestra de Paulo Fernandes, diretor da McKinsey, que apresentou um panorama do que vem sendo feito no mundo. Ele destacou ainda os investimentos em banda larga móvel e sua relação com o crescimento do PIB. E a experiência de uso da tecnologia 3G no apoio aos pescadores de Cabrália, no Sul da Bahia, foi apresentada por Francisco Giacomini Soares, diretor da Qualcomm (ver página 28).