Conexão Social

Contas abertas! Agora, é hora de fiscalizar.

Índice avalia qualidade, atualidade e facilidade de uso das informações públicas.  

Patrícia Cornils

ARede nº63 Outubro de 2010 – Aos poucos, a sociedade civil ganha recursos e desenvolve a cultura cidadã necessária para acompanhar – de perto – as contas públicas, nas diferentes instâncias de governo. Em maio, entrou em vigor a Lei 131/2009, também chamada de Lei da Transparência, uma lei complementar à Lei de Responsabilidade Fiscal que obriga todos os órgãos públicos a divulgar suas contas, em detalhes, na internet. Por enquanto, a lei vigora para os estados, o Distrito Federal e as cidades com mais de 100 mil habitantes. Também este ano, a Associação Contas Abertas divulgou o Índice da Transparência, um ranking que avalia a qualidade, a atualidade e a facilidade de uso das informações que estão nos portais de governos de estado e da União.

A transparência, no entanto, também já chegou a algumas pequenas prefeituras, de cidades com menos de 50 mil habitantes, que pela lei serão obrigadas a publicar suas contas só a partir de 2013. Com cerca de 13 mil habitantes, Garuva (SC), dá o exemplo. Dias após a entrada em vigor da Lei 131/2009, o Portal de Transparência da cidade (www.garuva.sc.gov.br) foi ao ar, com ferramentas que permitem pesquisar as notas de empenho emitidas pela prefeitura desde janeiro. O munícipe pode constatar, entre outros dados, que as maiores despesas de Garuva, este ano, serão a aquisição de uma máquina motoniveladora, por R$ 525 mil, dentro do programa Provias; e a criação de uma unidade de saúde com atendimento 24 horas, com uma despesa anual de R$ 426 mil. Na tela, os fornecedores, os números dos processos, as prioridades, de fato, da prefeitura.

A Secretaria de Administração, Planejamento e Finanças de Garuva contratou um sistema da Informática Pública Municipal (IPM), que já fornece os softwares de gestão e administração, para publicar as contas. Os dados são atualizados em tempo real. “Nossos sistemas e contas estão em dia, foi somente colocar no ar”, afirma Jakson Hattenhauer, responsável pelo setor de contabilidade da prefeitura. Demorou uma hora e meia para implantar o sistema de publicação, e o custo corresponde a menos de 10% do gasto mensal com sistemas de tecnologia da informação. “Mesmo o gestor consegue enxergar melhor as despesas, por meio do portal, porque pode acessar gráficos sem precisar usar os códigos necessários para lançar as despesas”, explica ele.

DADOS INTELIGÍVEIS
A existência de portais, no entanto, não significa que o controle social das contas públicas esteja garantido. O espírito da Lei da Transparência não se limita à exigência de publicação de todas as notas de empenho. A ideia é garantir que qualquer cidadão compreenda essas informações. Ao determinar a atualização on-line, por exemplo, a lei pretende fazer com que os dados saiam diretamente dos sistemas de administração dos governos para a tela dos cidadãos, sem filtros.

Embora inspirado na lei, o Índice de Transparência é mais detalhado e distinto. Na composição da nota final, por exemplo, o quesito das atualizações diárias tem peso menor do que a existência de meios para as pessoas contactarem o ente público responsável e tirar dúvidas (ouvidorias, serviços de Fale Conosco, e-mails).

“Se a Transparência Pública fosse uma aluna que frequenta a escola, teria nota vermelha. Não seria aprovada”. A frase é de Gil Castello Branco, secretário geral da Associação Contas Abertas. Ele se refere à nota média dos portais de transparência dos estados e da União, de acordo com o Índice de Transparência. Considerando-se a nota máxima possível de 10, de acordo com o critério desenvolvido por um comitê de especialistas, a média nacional foi de 4,98. Essa média esconde uma variação grande entre a maior nota recebida, de 7,56, do Portal da Transparência do governo federal, e a mais baixa, de 3,04, do portal do estado do Piauí.

O mau desempenho, no entanto, não é motivo de pessimismo, pondera Castello Branco. “Ainda há muito o que melhorar, mas mudar uma cultura de dados sigilosos demora”, diz ele. “O trabalho apenas começou. O importante é saber quanto a nota média dos portais vai subir na próxima avaliação”, ressalta.
GRANDE REPERCUSSÃO
A repercussão do ranking, que pode ser consultado no Portal Contas Abertas, foi grande. Os dois governadores dos estados melhores pontuados, São Paulo (nota  6,96) e Pernambuco (6,91) compareceram à cerimônia de divulgação. O portal que obteve a melhor pontuação foi o Transparência Brasil (7,96), mantido pela Controladoria Geral da União (CGU). Ainda assim, a representante da CGU reclamou. “Tivemos notas baixas no quesito usabilidade porque nosso principal critério é permitir a compreensão do conteúdo por pessoas que não são técnicas”, explicou Vânia Lúcia Ribeiro Vieira, diretora de Prevenção da Corrupção da CGU. O portal recebeu nota 5 em usabilidade principalmente porque não permite downloads de informações e consultas em vários formatos – algo complicado de implementar, dada a quantidade de informações com que o Transparência Brasil trabalha, de acordo com Vânia. No portal, criado em 2004, há cerca de 980 milhões de registros, envolvendo mais de R$ 7 trilhões de despesas do governo federal.

Também o representante do Rio de Janeiro, que ficou em 13º lugar no ranking nacional, não gostou da nota recebida (5,09). “Desde 2007 colocamos todos os nossos dados, mas espalhados em vários endereços”, explica George Santoro, subsecretário de Fazenda de Política Fiscal. “A agência de rating Standard & Poor’s se baseou nesses dados para conceder, em março, Grau de Investimento ao governo do estado”, afirma ele. O grau de investimento é uma maneira de as agências de avaliação medirem a capacidade de empresas e governos tomarem empréstimos e pagarem suas contas, e é baseado nos números desses governos e empresas.

O debate sobre transparência, como bem mostra o caso do Piauí, esquenta nos períodos eleitorais. A intenção da Contas Abertas, no entanto, é reduzir ao mínimo possível a politização partidária do Índice de Transparência. Assim, a nova rodada de avaliação dos portais estaduais e da União deve ser publicada depois de outubro. Além disso, a organização precisa de recursos para cumprir o objetivo de publicar rankings das capitais e de municípios com mais de 100 mil habitantes. Hoje, sete profissionais trabalham na apuração dos dados, mas a Contas Abertas não recebeu nenhum apoio financeiro para isso. Como a organização não pode, por estatuto, receber verbas públicas, caberá à iniciativa privada e outras entidades da sociedade civil apoiar, se considerarem importante, a continuidade do trabalho.

COMPOSIÇÃO DO ÍNDICE
O Índice de Transparência tem como base 15 parâmetros e 110 itens, divididos em três categorias: conteudo, série histórica e atualização, e usabilidade. O quesito em que os portais obtiveram menos pontos foi o de usabilidade, que trata da maneira com que os dados publicados possibilitam ou não a comparação entre vários períodos, o download das informações e a existência de canais (telefones, e-mails) para tirar as dúvidas dos usuários. A média nacional foi de 4,60. Esse critério teve um peso de 33% na composição do ranking e foi o que levou o portal de Pernambuco ao segundo lugar. A nota de Pernambuco em usabilidade foi 7,22 – a maior entre todos os portais.

O estado de São Paulo ficou em primeiro, entre os estados. Em conteúdo, quesito que tem peso de 60% na composição do ranking, teve nota de 7,3, a maior entre os estados (média 4,62) e menor apenas que a nota do Executivo Federal (8,67). O quesito conteúdo avalia, na prática, a quantidade de dados colocada à disposição do público e se são divulgadas informações sobre todas as fases da execução do orçamento (editais de licitação, convênios, empenhos, liquidação e pagamentos).

O terceiro quesito, que é o de velocidade de atualização das informações e da publicação de séries históricas com pelo menos cinco anos, tem peso de 7%. Para Ciro Biderman, professor de administração pública do Centro para o Estudo da Política e Economia do Setor Público (Cepesp-FGV), o importante do Índice da Transparência é a criação de um padrão para comparar os portais. A Lei 131/2009, como toda lei, não é específica, explica ele: “O padrão que a sociedade civil apresentou, por meio da Contas Abertas, garante que todas as contas relevantes estejam na internet, com usabilidade”. E se isso for aceito, e cobrado, pela população, será mais um passo na direção de ampliar o controle social das contas públicas, raciocina Biderman.

DO LEITE AO METRO DE ASFALTO
O processo, no entanto, é lento. Entre as regras editadas em 2001 pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), baseadas em uma lei de 1966, e que criaram classificações para a publicação das contas, mas sem detalhamento (veja em www.tesouro.fazenda.gov.br/estatistica/est_estados.asp) e a Lei 131/2009, foi um longo tempo. No site da STN há gastos discriminados por áreas de governo (educação, saúde, segurança, trabalho etc).  Mas a Lei da Transparência obriga a publicação de “todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado”. Em outras palavras, os portais têm de ir até a letra miúda das despesas. Publicar notas de empenho detalhadas, a partir das quais os cidadãos possam verificar quanto se pagou por um litro de leite da merenda escolar, pela construção de uma sala de aula, pela colocação de um metro de asfalto.

O autor do projeto da Lei da Transparência, o ex-governador João Capiberibe escreveu o texto legal pensando exatamente dessa forma: “Tem que estar lá o beneficiário do pagamento, ou seja, o nome da pessoa física ou jurídica que recebeu o recurso. Tem que estar a informação do bem ou serviço adquirido – a quantidade, o valor unitário, o valor global da compra e a descrição detalhada do produto adquirido”. Capiberibe acredita que o Portal da Transparência é um ótimo exemplo, porque “realmente detalha as informações”. E a lei exige esse nível de detalhamento porque foi feita para o cidadão, não para as instituições públicas. “O cidadão não entende de milhões mas entende o preço do açúcar, do arroz, do feijão, do material escolar”.

Capiberibe sabe disso por experiência própria. Em 2001, quando governou o estado do Amapá, criou um portal em que eram publicados, on-line, dados extraídos diretamente do sistema de gestão do governo. Sem internet rápida, sem complicações tecnológicas. O cidadão enxergava, na tela, o que o governador via. “Nosso Sistema Integrado de Gestão Orçamentária e Financeira era automatizado e realmente integrado. Foi só colocar no ar”, conta ele.

REDES DE CIDADANIA
Capiberibe lamenta que um dos dispositivos da sua proposta de lei tenha sido suaviado. O texto inicial determinava a “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público”. Mas o decreto 7185/2010 interpretou “tempo real” como “24 horas da realização da despesa”. Ainda assim, há portais que não cumprem a lei. O de Pernambuco, segundo lugar no ranking do Índice de Transparência, atualiza os dados semanalmente, em vez de a cada 24 horas. A Controladoria Geral do Estado acredita que, com a visibilidade que a boa colocação lhe deu, vai contar com o apoio do governador para receber os dados da Secretaria da Fazenda nesse prazo – e cumprir a lei até a próxima rodada do ranking.

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