Conexao Social

Um passo para recomeçar

Projeto de inclusão digital resgata a cidadania de jovens em conflito com a lei e aponta novos caminhos     

Bárbara Ablas


ARede nº66 – janeiro/fevereiro de 2011

“Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem educação, tampouco, a sociedade muda”. A frase do educador popular Paulo Freire, falecido em 1997, não perdeu a atualidade. Principalmente quando se fala de iniciativas de inclusão. Um exemplo é o projeto Liberdade Digital, que, por meio de cursos de informática e internet, contribui para a reinserção social de jovens do Rio de Janeiro em cumprimento de medidas socioeducativas.  

Iniciado em 2001, o Liberdade Digital atende adolescentes de 12 a 18 anos sob regime de internação, semi-liberdade e liberdade assistida, em instituições do Departamento Geral de Ações Sócio Educativas (Degase), vinculado à Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. O projeto – uma parceria entre o Degase, o Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio de Janeiro (Proderj) e a ONG Rio Solidária – oferece acesso à internet e oficinas profissionalizantes de informática básica e avançada, montagem e manutenção de microcomputadores e de reciclagem de cartuchos de impressoras. 

Os cursos são ministrados em três unidades do Degase: o Centro de Atendimento Integrado da Baixada, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense; o Educandário Santo Expedito, no bairro de Bangu  (unidades de internação para adolescentes do sexo masculino), e o Centro de Capacitação Profissional (Cecap), que trabalha com jovens em liberdade assistida na Ilha do Governador. O projeto atende ainda meninas do Educandário Santos Dumont, também na Ilha, que assistem aulas no Cecap. 

O Liberdade Digital tem como objetivo resgatar a cidadania e a autoestima dos jovens para que eles possam refazer seus projetos de vida e superar os motivos que os levaram a cometer infrações. Para isso, as aulas vão além da educação voltada à informática. Fazem parte do programa conteúdos que levam o jovem a refletir sobre a realidade na qual ele vive e sobre seus direitos e deveres na sociedade. Durante os cursos, são abordados temas como cidadania, drogas, ética, higiene e sexualidade. Além disso, são ministradas oficinas de Apoio à Inclusão, destinadas a adolescentes com dificuldade de leitura e escrita. 

As oficinas duram de um a dois meses, cada uma com dez vagas. Os adolescentes que participam das oficinas são selecionados pelos pedagogos das unidades. E as aulas são planejadas de acordo com o grau de instrução e a idade dos adolescentes. Para fazer a oficina de montagem e manutenção de microcomputadores, o aluno precisa ter concluído o curso de informática avançada. Nos cursos, a média é de oito de inscritos. Em cada unidade onde acontece o projeto foram instalados laboratórios equipados com computadores e conexão à internet. E os alunos são acompanhados de perto por estagiários de informática e de pedagogia.

Inclusão e prevenção
“A ideia não foi colocar os jovens em uma lan house, mas em cursos que abrissem caminhos para o mercado de trabalho. Isso acontece, principalmente, porque eles recebem certificados de conclusão dos cursos dados pelo Proderj”, enfatiza Paulo Coelho, presidente do Proderj. Até 2010, mais de 4 mil alunos foram capacitados pelo Liberdade Digital. “Vamos formar ainda mais jovens para que, por meio da  informática, eles encontrem novos rumos e oportunidades de trabalho”, acrescenta Coelho.

Em alguns casos, basta um incentivo para mudar de direção.  Flávio*, de 28 anos, participou do projeto aos 18, quando cumpria medida socioeducativa em liberdade assistida. Ele conta que na época tinha interrompido os estudos e não tinha planos para o futuro. O projeto ampliou suas perspectivas de vida. De lá pra cá, ele fez um curso supletivo, conseguiu emprego e até formou uma família: “Sou grato pelo incentivo de voltar a estudar e pela disciplina que aprendi a ter. Perdi muito tempo na vida, mas depois que amadureci abracei todas as oportunidades que me deram”. Flávio já trabalhou
no Fórum do Rio de Janeiro é hoje é funcionário público.

Em 2006, o Liberdade Digital passou a envolver a comunidade, oferecendo, no Cecap, oficinas de informática para as famílias dos adolescentes, para os funcionários do Degase e para alunos de duas escolas públicas na Ilha do Governador. Rosane Braga, diretora do Cecap, ressalta que é feito um trabalho preventivo com a comunidade que frequenta as aulas, sejam as famílias, os funcionários ou os estudantes. Ela explica que nessas  oficinas também são tratados temas transversais, como eleições e o papel do cidadão. “A educação é fundamental para a construção da cidadania. Quando você dá a um jovem oriundo de uma classe sem privilégios o acesso ao conhecimento, por exemplo, ele tem a chance de buscar seus sonhos”, comenta.

É o caso de Maxell*, 14 anos, que está no 9º ano do Ensino Fundamental. Quando soube que abriram vagas para oficinas de informática no Cecap, ele correu para se inscrever. Fez o curso de montagem e manutenção de computadores e começou a consertar computadores dos vizinhos. O estudante usa o dinheiro que ganha com os consertos para comprar roupas. “Mas o meu objetivo é ter uma loja”, planeja.   

*Os sobrenomes não foram divulgados a pedido do Degase”