Conexão Social

De grão em grão…

Plataformas colaborativas viabilizam a realização de projetos criativos, por meio de doações na internet.  

Patrícia Cornils

ARede nº69 Maio/2011 – No dia 3 de março de 2001, 140 pessoas se tornaram as primeiras a financiar a realização de um projeto criativo por meio de uma plataforma de crowdfunding – financiamento coletivo – no Brasil. O projeto foi o Rabiscaria, uma loja online que vende produtos (copos, adesivos, quadros, camisetas, sandálias) estampados por artistas plásticos, designers e ilustradores. A plataforma usada foi o Catarse, lançado em 17 de janeiro, primeiro site de 
crowdfunding de projetos criativos do Brasil.

Em somente três meses, o Catarse divulgou 30 projetos, 16 dos quais já chegaram ao final do prazo que estabeleceram para arrecadar os recursos mínimos necessários para serem realizados. Desses, dez (62,5%) conseguiram atingir suas metas. Até o final de abril, cerca de mil pessoas haviam contribuído com um total de R$ 110 mil para os projetos. Várias outras plataformas de financiamento coletivo foram lançadas recentemente: Incentivador, Ingressar, Produrama, Movere.me, Senso Incomum. Outras se preparam para ir ao ar: Benfeitoria, Embolacha, Selo Fan, Sibite e Ulule. Este será o ano em que o financiamento coletivo por meio da internet vai decolar no Brasil.

O Catarse, no entanto, é diferente das demais: adeptos do compartilhamento e da colaboração, os criadores do site decidiram, em março, abrir o código-fonte do site, licenciado em 
copyleft. Seu objetivo é estimular o financiamento coletivo e online de projetos. “Somos apaixonados por colaboração – mesmo! E isso não é só na hora de colaborar para apoiar os projetos e ajudá-los a acontecer”, diz o texto publicado no site, sobre as razões da liberação.

Em abril, o Catarse e o Multidão, site de financiamento coletivo do Rio de Janeiro, anunciaram a criação do Comum — um grupo sem fins lucrativos em que as duas equipes vão trabalhar em conjunto, reforçando os pontos fortes de cada um e estendendo seu alcance para outras redes. O Catarse vai contribuir, entre outras coisas, com o desenvolvimento e a manutenção da plataformas online.

O Multidão tem boa experiência em vídeo e contato com redes de produção cultural. A complementaridade existe, mas o que levou os grupos a trabalhar em conjunto foi a sintonia de ideias. “Queremos discutir o open source, o Creative Commons, o comum”, diz o vídeo de lançamento do grupo. “Todas as nossas contas serão abertas à consulta pública. Nossos excedentes serão revertidos para um ou mais fundos de produção cultural, artística, 
científica, jornalística ou qualquer outra produção que milhares de mentes engenhosas serão capazes de pensar ou produzir”.

No meio do Brasil
Em março, os criadores do Rabiscaria precisavam levantar R$ 20 mil para produzir suas primeiras peças e colocar a loja no ar. Fizeram uma apresentação de sua proposta e a colocaram no Catarse. Faltando cinco dias para expirar o prazo de arrecadação do projeto, o pessoal só havia captado 10% do que precisava, conta Diego Reenberg, um dos responsáveis pelo Catarse. “Nos últimos dias, depois de adicionar uma recompensa nova, a partir de uma parceria que eles fizeram com um pintor goiano, o projeto deu uma guinada surpreendente, levantando mais de R$ 20 mil na última semana”, informa.

O projeto recebeu apoios das cidades de Alto Paraíso de Goiás, Aparecida de Goiânia, Arujá, Belo Horizonte, Bom Jesus do Itabapoana, Brasília, Campinas, Cavalcante, Ceres, Florianópolis, Goiânia, Lima Duarte, Limeira, Macaé, Palmas, Paranavaí, Piracicaba, Porto Alegre, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, São Paulo, Taguatinga, Taiuva e Uberaba. “Não é legal ver que um projeto criado em Goiânia, no meio do Brasil, conseguiu ter um alcance tão grande assim, graças ao crowdfunding?”, comemoram os criadores do Rabiscaria, em seu blog. A loja ainda não está no ar, mas em breve será lançada.

O Catarse não foi o primeiro site de financiamento coletivo do Brasil. Desde 2009 existe, por exemplo, o Vakinha, um site gaúcho para vaquinhas online. A diferença fundamental é que o Vakinha abriga pedidos pessoais, solicitações de caridade. “Quero quitar meu saldo negativo de R$ 11 mil”, ou, “Queremos viajar para o Japão”, ou, “Quero comprar uma casa para minha mãe”. Já o Catarse foi criado para viabilizar projetos artísticos e criativos – as propostas divulgadas são para realizar filmes, reportagens, espetáculos, objetos, livros, muitas vezes ideias totalmente novas.

No Vakinha, as pessoas podem sacar o valor arrecadado, mesmo que não seja suficiente para realizar seu pedido. No Catarse, se ao final do prazo de arrecadação os recursos não alcançarem a meta mínima para realizar o projeto, o dinheiro é devolvido aos doadores. A exposição do projeto na rede tem outro efeito, que independe de conseguir dinheiro para se viabilizar. Revela a comunidade de apoiadores da ideia, de pessoas dispostas a apoiar sua realização.

O próprio Catarse nasceu para realizar algumas ideias. A primeira é que a ferramenta de financiamento coletivo possibilita a criadores encontrarem seu público, seus apoiadores, sem depender de intermediários. E, assim, viabilizar projetos que não passariam incólumes pelo crivo de empresas, gravadoras, editoras, produtoras. Todos eles, além das recompensas que oferecem aos apoiadores, dependendo do valor doado, resultam em uma produção. “Queremos revolucionar a forma como projetos criativos são financiados”, diz Diego, ao aproximar as pessoas, por meio da internet, para encontrar novos caminhos de realizar novidades. As ideias de comunidades virtuais, de conexão entre criadores e seu público, sem intermediários, e de colaboração, fundamentam o Catarse.

“Quem está na base da produção cultural, os ‘soldados’ de grandes empreendimentos, não consegue criar coisas mais autorais”, conta Rodrigo Machado Maia, um dos criadores do Multidão, site de crowdfunding que foi ao ar no dia 18 de abril. Com financiamentos colaborativos de pequenos projetos, essas pessoas podem trabalhar em suas próprias ideias. Assim, estimula-se a diversidade, explica Rodrigo. E uma multidão de pessoas diversas encontra um canal para agir em conjunto, para viabilizar coisas que não aconteceriam dentro de uma estrutura tradicional de trabalho. Espetáculos, filmes, discos, livros, ateliês, reportagens. Os organizadores do Catarse chamam isso de “projetos bacanas”. E são mesmo. Veja um exemplo: o Cidades para Pessoas.

Segmentos
Os sites de financiamento coletivo podem se dirigir a um segmento. No caso do Sibite, os artistas. O Selo Fan pretende ser um selo independente de música financiado coletivamente. O Portal do Voluntário, que existe desde 2000 e no qual há mais de 100 mil voluntários cadastrados, vai começar, em junho, a selecionar projetos para serem financiados por meio de crowdsourcing. A Senso Incomum, que entrou no ar no final de janeiro, vai contribuir para financiar projetos sociais. No final de abril, a Senso Incomum havia suspendido temporariamente a ativação de projetos na rede, para fazer alguns ajustes técnicos em sua plataforma, mas continuava recebendo projetos. Até então, tinha sete projetos ativos e um bem-sucedido.

Como define um de seus criadores, Edu Sangion, a Senso Incomum quer ser “um shopping de boas ações”. Em vez de repassar dinheiro, realiza as compras dos materiais necessários aos projetos e os entrega materiais. Neste curto período de experiência com os financiamentos coletivos, conta Sangion, uma das dificuldades não previstas é o trabalho para fazer com que os “donos” de projetos se planejem e se envolvam realmente com sua campanha de captação. “Grande parte do sucesso de uma campanha de crowdfunding está no esforço que o responsável pelo projeto empreende na divulgação”, explica ele.

Os organizadores do Catarse descobriram, também, que precisam assessorar as pessoas na elaboração e na apresentação de seus projetos. Com o Diário de Bordo Ilustrado, projeto da ilustradora Amanda Karoline (são desenhos dela que estão, em preto e branco, nesta página), aconteceu isso. Amanda tem 19 anos, nasceu em Natal e nunca havia saído de sua cidade, nem viajado sozinha. Quando procurou o Catarse, queria arrecadar fundos com a campanha “Me leva para o youPIX” – festival realizado em São Paulo, que reúne pessoas para debater e conhecer aspectos da cultura online.

Ao ver os desenhos de Amanda, o pessoal do Catarse propôs que ela mudasse seu projeto, para fazer um diário desenhado sobre sua viagem a São Paulo. Ilustrações da própria Amanda foram usadas no vídeo de apresentação do projeto, que foi apoiado por 56 pessoas e arrecadou R$ 2.340,00. Cerca de 40% desse valor foi doado nos últimos instantes, pela agência de publicidade Tboom. Amanda veio a São Paulo. “Aqui é TUDO vertical. Tem um shopping vertical. Uma faculdade vertical. Pra quem vem de uma cidade que tem espaço pra tudo, ver tantos prédios é um choque!”, escreve ela no diário online, que ainda tem mais fotografias que ilustrações. Antes mesmo de conhecer a cidade, ela havia mostrado, com seus desenhos, que faria uma bela viagem. E a vontade de participar dessa viagem levou as pessoas a apoiar seu projeto.

www.catarse.me
www.incentivador.com.br
www.ingressar.com.br
http://produrama.com.br
www.movere.me
http://multidao.art.br
http://benfeitoria.com
www.embolacha.com.br
www.selofan.com.br
www.sibite.com.br
www.ulule.com


Múltiplas, 
Múltiplos projetos.

Financiamento coletivo ou crowdfunding é a arrecadação de capital para iniciativas de interesse coletivo por meio da agregação de múltiplas fontes de financiamento, em geral pessoas físicas interessadas na iniciativa. O termo é muitas vezes usado para descrever especificamente ações na internet com o objetivo de arrecadar dinheiro para artistas, jornalismo cidadão, pequenos negócios e start-ups, campanhas políticas, iniciativas de software livre, filantropia e ajuda a regiões atingidas por desastres, entre outros.

O financiamento coletivo recebeu atenção renovada para outros fins com o advento da internet quando transações financeiras de longa distância e sistemas de micro pagamento se tornaram viáveis e de baixo custo, e a agregação de um número grande de pessoas físicas ao redor do mundo interessadas em um certo assunto se tornou factível.
Fonte: Wikipedia

Como funciona

> Envie seu projeto ao site. Todos fazem uma curadoria, ou seja, escolhem os projetos que têm a ver com seu perfil.
> Faça uma apresentação do projeto, com os custos estimados, e defina uma meta mínima de recursos necessários para a realização. Os sites ajudam nesse processo.
> Defina também um prazo para arrecadar esse valor mínimo.
> E recompensas (contrapartidas) para os patrocinadores, que variam de acordo com o valor doado.
> Avise seus amigos, espalhe a notícia sobre seu projeto por Orkut, Facebook, Twitter e torça para que eles também ajudem a divulgar.
> Encerrado o prazo, se os recursos não forem arrecadados, os valores são devolvidos a quem doou.
> Se a meta for atingida, você recebe o dinheiro, realiza seu projeto e entrega as recompensas aos doadores.
> Um percentual dos recursos arrecadados, se a meta for cumprida, fica com o site. No Catarse é de 5%. Na Senso Incomum, de 8%.


Veja também: Cidades para Pessoas, não para carros ou empresas imobiliárias.