O Brasil colonial e digital
Programa brasileiro em software livre constrói mapas do país nos séculos 16 a 18.
Lúcia Berbert
ARede nº72 agosto de 2011 – O ensino e a pesquisa da história do Brasil colonial agora estão mais interessantes. Em agosto, começou a funcionar uma ferramenta digital que propicia a visualização de pontos geográficos do país, entre os séculos 16 e 18. Chamado de Atlas Digital da América Lusa, o sistema está sendo desenvolvido pelo Laboratório de Experimentação em História Social (LEHS), ligado à Universidade de Brasília (UnB), com a colaboração de outras universidades federais, como as do Rio Grande do Norte, do Rio de Janeiro e a do Paraná.
O atlas funciona como um Google Maps do país, segundo o idealizador e coordenador do projeto, Tiago Gil, professor de História do Brasil Colonial. Só que exibe registros das localidades da forma como eram em um tempo passado. O sistema mostra a localização de cidades, ruas, fazendas, estradas que existiam no Brasil pós-descobrimento. Os dados são representados por pontos, linhas e polígonos, uma vez que imagens da época não têm como ser recuperadas. “É um trabalho enorme, infindável, e a sensação é de que não vamos concluí-lo nunca. Vamos lançar versões atualizando sempre, mas, acabar, acho que é impossível”, avalia Gil.
Além das informações de unidades urbanas e populacionais do período, o Atlas Digital incorpora textos na Biblioteca de Referências, com verbetes para diversos aspectos da vida social naquela conjuntura histórica, com temas sobre vilas, arquitetura, economia, política, entre outros.
O desenvolvimento da ferramenta usa o software I3GEO, criado pelo geógrafo Edmar Moretti, para o Ministério do Meio Ambiente, em código aberto. Segundo Gil, o programa foi desenvolvido com o objetivo principal de mapear áreas devastadas. Porém, devido à imensa versatilidade do sistema, é possível utilizá-lo em outros aplicativos.
Uma das vantagens do I3GEO, salienta Gil, é a possibilidade de inserção dos dados diretamente na internet, o que favorece o caráter colaborativo da ferramenta, produzida ao estilo da web 2.0, de troca livre de informações. “A ideia é que diversos pesquisadores possam enviar informações de seus estudos e, ao mesmo tempo, usufruir deste grande banco de dados coletivo revisado, organizado e certificado, assim como da cartografia produzida”, salienta o coordenador do projeto.
Tiago Gil avalia que o Atlas vai contribuir não apenas para ajudar na compreensão das épocas abordadas, mas também para estimular os estudos. Algumas informações que nunca foram levadas em conta e que poderiam ser mais bem trabalhadas no ensino da história brasileira, de acordo com o professor, estarão presentes no atlas. Como exemplo, ele cita a vocação do Brasil colonial para a produção de commodities apenas com a finalidade de exportar a Portugal e de importar de lá manufaturas, como é comum se ver nos livros de história. “No entanto, se a gente for ver, algumas regiões do país naquela época tinham características diferentes, com produção de alimentos para o mercado interno e não somente para exportação. Esse fato já é aceito pela academia, porém o atlas vai mostrar melhor esse processo”, disse.
A ideia para criação dessa ferramenta surgiu de uma demanda da comunidade de professores que pesquisa a história do Brasil. O próprio Gil conta que, quando fez seu doutorado em História Social, sentiu falta de um recurso desse tipo. Depois de concluir o doutorado e de assumir a cadeira de professor na UnB, resolveu criar um projeto.
Na versão 1.0, o Atlas Digital da América Lusa exibe as estruturas urbanas por meio de polígonos, linhas e pontos, ou seja, esquemas mostrando as ruas, vilas e cidades. Até o final do ano, deverá ser lançada a versão 2.0, que vai exibir a localização dos grupos indígenas e as sesmarias. A partir de 2012, serão incluídas informações sobre economia, governo, religião, entre outras. “Cada uma dessas etapas envolve um trabalho incomensurável”, destaca Gil.
Recursos
Os documentos que estão sendo usados para construção do atlas são solicitados de arquivos e bibliotecas, mas também muito material já está disponível na internet, em sites do mundo inteiro. “São arquivos da Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional, da biblioteca de Lisboa, arquivos do Exército, que também são muito bons”, informa Gil.
A principal fonte de recursos financeiros do projeto é o governo federal, particularmente dos programas de produção científica, e, mais especificamente, o Programa Reuni, do Ministério da Educação, de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, que tem como principal objetivo ampliar o acesso e a permanência na educação superior. Esse programa financia a maior parte da remuneração dos 12 bolsistas do projeto em Brasília e a aquisição de computadores. O Programa Reuni também paga as bolsas dos colaboradores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que estão fazendo o levantamento das sesmarias. “Eles mapearam milhares de propriedades e nos mandaram os dados para que a gente possa localizá-las no mapa”, destaca Gil.
Onde achar
O Atlas Digital da América Lusa pode ser visualizado no endereço http://atlas.cliomatica.com. Gil explica que o nome do provedor é uma referência à musa da história Clio, acompanhada de ‘mática’, combinação dos sufixos “ica”, que é um formador de substantivos usados em artes, ciência, técnica e outros, e “iké”, usado com a palavra “tekné” para designar atividade, arte, mas que está sendo usado com o sentido de automatizada. “É um portal para Tecnologia da Informação na área de história”, resume.
http://atlas.cliomatica.com {jcomments on}