Conexåo Social

Sociedade mobilizada pela transparência

Consocial reunirá governo e entidades civis para discutir políticas de acesso à informação pública   

Cora Dias

ARede nº67 – Março de 2011

A 1ª Conferência Nacional sobre Transparência e Participação Social (Consocial), a ser realizada pela Controladoria Geral da União (CGU), entre os dias 13 e 15 de outubro, já começa a mobilizar a sociedade. Lançada oficialmente em fevereiro, a comissão organizadora está às voltas com os preparativos para as conferências municipais e estaduais, que devem acontecer em maio e julho, respectivamente. Fazem parte da comissão 13 representantes do poder público e 24 da sociedade civil, que têm o desafio de preparar o terreno para a discussão de um dos mais importantes temas contemporâneos: as políticas de transparência pública e a participação da sociedade nesse processo.

“A Conferência vai avaliar de que forma os governos podem e devem dar transparência e acesso à informação pública e como a sociedade vai assumir o papel de acompanhamento da gestão pública”, afirma Vânia Vieira, diretora de prevenção à corrupção da CGU. Em sua opinião, os mecanismos formais de controle, gerenciados por órgãos especializados, não são suficientes para supervisionar de perto as ações em todos os âmbitos do governo: municipal, estadual, distrital e federal.

Para cumprir esse papel, a sociedade civil deve estar preparada e ter a capacidade de expressar os mais diferentes pontos de vista. Fortalecendo essa diversidade, a comissão organizadora da conferência é formada por setores distintos e representativos de diversas áreas. São associações, organizações não governamentais, confederações e institutos, que levarão ao debate diferentes temas e questões.

O Observatório Social do Brasil (OSB), de Maringá (PR), por exemplo, trabalha no monitoramento das licitações municipais, com o objetivo de aplicar a Lei corretamente e apontar a melhor opção de compra para a prefeitura. Para Roni Enara, diretora executiva do OSB, que congrega 57 cidades de 13 estados, os pontos focais da Consocial serão “os mecanismos de ampliação do controle social e fortalecimento das organizações que o fazem, bem como a criação de um grande sistema de comunicação e parceria entre as organizações e os órgãos controladores oficiais”.

Em outra área de atuação está a Transparência Hacker, comunidade que articula ideias e projetos que utilizam a tecnologia para fins de interesse da sociedade. A entidade promoverá caravanas itinerantes, chamadas de Caravanas Hacker, que vão acompanhar as conferências regionais para disseminar cultura de dados abertos, cultura hacker e ideais libertários. Liane Lira conta que o principal objetivo da Transparência é garantir que o tema dos dados governamentais abertos tenha destaque na Conferência. “O próprio portal de transparência da CGU, que sempre foi referência mundial, não segue os princípios dos dados abertos”, critica. Conheça os princípios no texto ao lado.

A questão dos dados abertos também aparece como tema fundamental para o W3C Escritório Brasil, consórcio que desenvolve padrões para a web no mundo todo. De acordo com Vagner Diniz, gerente do escritório brasileiro, os sites governamentais não atendem aos padrões propostos pelo W3C. Esses padrões, como a adoção de dados abertos, por exemplo, preservam a interoperabilidade da rede. “Tais mecanismos não garantem a transparência, mas, quando utilizados, enriquecem o processo de acesso à informação pública”, explica Diniz. Pesquisa recente divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil mostra que ainda é preciso avançar muito na transparência de portais públicos. A análise foi feita em 18.796 endereços sob o domínio org.br e, entre outros resultados, constata que 98% das 6,3 milhões de páginas coletadas em HTML não apresentam nenhuma aderência aos padrões de acessibilidade da W3C.

Apesar de evidências pouco animadoras, Diniz afirma que o governo brasileiro está agindo para mudar essa realidade. “Existe um movimento grande para enriquecer a transparência. A criação do Modelo de Acessibilidade do Governo Eletrônico (e-MAG) e o Programa de Governo Eletrônico Brasileiro (e-Ping) são exemplos disso. Para Diniz, um bom modelo de site governamental com interoperabilidade é o Portal Brasileiro de Dados Geoespaciais, coordenado pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE).

O governo brasileiro também avançou na abertura de gastos públicos. Hoje, todos os ministérios detalham seus gastos publicamente e já existem metas para que estados e municípios também abram suas contas. No entanto, para representantes da sociedade civil, a transparência vai além de controle social orçamentário: “O acesso à informação não está restrito à questão orçamentária”, repetem, Liane, da Transparência e Arthur Massuda, da Artigo 19.

De acordo com Massuda, a principal reivindicação da Artigo 19, ONG internacional de direitos humanos, na Consocial, será a aprovação do PLC 41/2010, projeto de lei que tramita no Congresso há mais de um ano e que regulamenta o direito constitucional de acesso à informação pública (art. 5º, XXXIII). Para ele, as maiores críticas com relação ao acesso à informação no Brasil seriam suprimidas com a aprovação e a regulamentação da lei. “O direito à informação é o que propicia a participação. Hoje, não existem procedimentos específicos para o acesso a documentos e dados públicos. Não existe nenhuma maneira institucionalizada para um cidadão contribuir na elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas”, argumenta. As reivindicações e propostas são muitas, mas o objetivo, um só: transformar toda discussão em uma política pública.

Os oito princípios dos Dados Abertos Governamentais

Completos: Todos os dados públicos estão disponíveis. Dado público é o dado que não está sujeito a limitações válidas de privacidade, segurança ou controle de acesso.

Primários: Os dados são apresentados tais como os coletados na fonte, com o maior nível de granularidade e sem agregação ou modificação.

Atuais: Os dados são colocados à disposição tão rapidamente quanto necessário à preservação do seu valor.

Acessíveis: Os dados são colocados à disposição para o maior alcance possível de usuários e para o maior conjunto possível de finalidades.

Compreensíveis por máquinas: Os dados são razoavelmente estruturados de modo a possibilitar processamento automatizado.

Não discriminatórios: Os dados são disponíveis para todos, sem exigência de requerimento ou cadastro.

Não proprietários: Os dados são disponíveis em formato sobre o qual nenhuma entidade detenha controle exclusivo.

Livres de licenças: Os dados não estão sujeitos a nenhuma restrição de direito autoral, patente, propriedade intelectual ou segredo industrial. Restrições sensatas relacionadas à privacidade, segurança e privilégios de acesso devem ser permitidas.

Fonte: Dataprev