Aqui, a inclusão começou pelo campo.
ARede nº 74, outubro de 2011 – Em um país onde ainda se discutem políticas para levar banda larga à zona rural – com 4 milhões de domicílios sem qualquer tipo de comunicação, de acordo com a última Pesquisa Nacional de Amostra em Domicílio (PNAD) – o município de Caxias do Sul (RS) adota uma estratégia diferenciada. Iniciou seu programa de inclusão digital pelas populações camponesas. Em 2007, instalou os primeiros Centros de Inclusão e Alfabetização Digital (CIADs) em seis distritos (Vila Oliva, Santa Lúcia, Vila Cristina, Vila Seca, Criúva e Fazenda Souza) da zona rural, onde vivem 3,7% da população de Caxias, que soma 436 mil habitantes. Além desses telecentros, existem mais oito CIADs em funcionamento na área urbana.
E, até o final do ano, a cidade ganhará mais vinte unidades do Telecentros.BR.
A opção por privilegiar a zona rural foi uma decisão política do prefeito José Ivo Sartori (PMDB-RS), atualmente no segundo mandato, mas se deve também à organização da sociedade civil. Caxias do Sul tem um forte ativismo social – nada menos que
240 associações de moradores atuam em
65 bairros, de forma organizada, por meio da União das Associações de Bairro. Trabalham em questões de interesse coletivo, como o orçamento participativo.
Os CIADs foram instalados com recursos de uma emenda parlamentar, do então deputado Sartori, que exerceu um mandato na Câmara de Deputados antes de ser eleito pela primeira vez para a prefeitura, em 2005. “O prefeito determinou que os laboratórios fossem instalados prioriamente na zona rural, devido ao difícil acesso das comunidades à internet, ao alto custo desse serviço e pela distância”, conta a coordenadora Tânia Beatriz Suzin, da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Emprego, gestora dos CIADs.
Além das seis unidades rurais, as outras oito da área urbana também foram implantadas com recursos da emenda, R$ 400 mil, mais cerca de R$ 100 mil de contrapartida da prefeitura. Todos os CIADs funcionam em sedes das associações de moradores ou de organizações sociais conveniadas. A prefeitura mantém a operação, contrata os monitores, paga a conexão à internet (por ADSL ou rádio) e se responsabiliza pela manutenção dos equipamentos. Cada unidade tem dez computadores em rede, um servidor, uma switch, impressora, equipamento multimídia e um computador adaptado para deficientes visuais. Os sistemas utilizados são livres (Linux-Susi, em rede; e o software Orca).
Os espaços funcionam como telecentros, com acesso livre à internet e curso de informática básica para quem queira: crianças, jovens ou idosos. Os monitores são selecionados entre candidatos da comunidade onde a unidade funciona. Trabalham 30 horas por semana e têm a ajuda de estagiários do Centro Integrado Escola-Empresa (CIE-E). Há também um coordenador em cada Centro, indicado pela comunidade. Em geral, ficam abertos manhã e tarde; alguns abrem aos sábados. Os CIADs atenderam 26.880 usuários no primeiro ano de funcionamento, número que saltou para 47 mil, em 2010. A expectativa para este ano é de chegar a 50 mil usuários.
Mensalmente são realizadas reuniões com os monitores e, trimestralmente, com os coordenadores. “Ainda não temos capacitações mais avançadas mas temos discutido formas de oferecer cursos profissionalizantes”, diz a coordenadora. “A comunidade aumentou o uso dos Centros. Quando tem uma consulta popular, alguns já optam pela votação online”, comenta. “Estamos pensando também em desenvolver um programa para traçar o perfil dos usuários, pois hoje os dados ainda são empíricos e precisamos de informações para avançar”, acrescenta Tânia.
Essas ações estão sendo discutidas no âmbito do Comitê de Inclusão Digital, criado há dois anos, por um decreto do prefeito. O comitê, que reúne nove secretarias municipais, é presidido pela Secretaria de Planejamento. “Estamos agora discutindo as experiências de todos e definindo uma política. A ideia é montar um núcleo para apoiar todos os telecentros”, informa Paulo Roberto Dahmer, secretário municipal de Planejamento. “Queremos avançar no uso da internet para pesquisas, contratar cursos profissionalizantes do Senac, e selar parcerias com universidades, buscando inovação”, acrescenta. O núcleo será responsável pelo suporte técnico e pedagógico de todas as unidades, incluindo os vinte Telecentros.BR que a cidade vai receber. Os equipamentos chegaram em setembro, quando estava em andamento o processo de seleção dos bolsistas. A previsão é de que comecem a funcionar ainda em novembro. Inicialmente, os monitores tiveram treinamento no Núcleo de Inclusão Digital, responsável também por capacitar professores para os laboratórios de informática educativa das 58 escolas da rede municipal de ensino; passaram ainda por cursos do Senac e também da Casa Brasil de Caxias (ver abaixo).
Além dos CIADs, a prefeitura de Caxias do Sul promove ações de inclusão digital em
outros espaços, como os laboratórios das escolas da rede municipal e o Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal.
Os demais laboratórios abertos à comunidade são os da Fundação de Assistência Social e os das secretarias municipais de Cultura; Segurança Pública e Proteção Social; Trânsito, Transportes e Mobilidade.
No Casa Brasil, gestantes fazem book.
Caxias do Sul também foi contemplada com dois projetos Casa Brasil, do governo federal. Ambos foram instalados em 2007. O que estava vinculado a uma organização não-governamental encerrou as atividades depois de dois anos, quando acabou o contrato de manutenção com o governo. A outra unidade, inaugurada no Centro de Formação para a Cidadania, na periferia de Caxias, está em pleno funcionamento.
Com gestão da Fundação de Assistência Social, o Casa Brasil Região Oeste fica no bairro Reolon, próximo a um conjunto de casas populares da prefeitura e de uma escola municipal. O trabalho dessa unidade vai além das oficinas de inclusão digital. Uma das salas da Casa foi reservada para o projeto Book da Gestante. “Esse projeto foi desenvolvido para oferecer às gestantes da região momentos de recordação da sua gestação, ao mesmo tempo em que incentiva as futuras mães a fazer o pré-natal”, conta Cristiane Ferreira, coordenadora da Casa Brasil Região Oeste. Para se candidatar, a gestante precisa estar com os exames do pré-natal em dia. Segundo Cristiane, o índice de pré-natal era muito baixo na comunidade e melhorou, a partir do projeto. Desde a criação do projeto, no ano passado, foram feitos 20 books.
Nas demais salas, o Casa Brasil oferece cursos de montagem e manutenção de computadores, oficinas de informática, além do projeto Casa Brasil Alfabetiza para jovens e adultos, em parceria com o programa Brasil Alfabetizado. Nos cursos de multimídia, há oficinas de Gimp, que ensinam a manipular imagens digitais por meio de aulas de vídeo, práticas e apostilas; a Cabine Acústica, espaço para melhorar a qualidade da gravação de áudio e para a edição de documentários; gravação de CDs Demo pelos usuários da comunidade; e uma sala de cinema, que realiza mensalmente a Sessão Pipoca. São feitos também cartões de serviço para os profissionais autônomos.
“Temos ainda o projeto de Educação em Saúde e o Autoestima da mulher”, informa Cristiane. Realizado em parceria com a Unidade Básica de Saúde local, o curso dá orientações nas áreas de saúde e dependência química. O Casa Brasil de Caxias tem, ainda, oficinas de jogos educativos, a sala de leitura, com 2,3 mil títulos, o projeto Contações de História, com atividades como criação de fantoches, produção textual, usando gêneros como poemas, prosas e contos; e incentivo à literatura brasileira. Outra iniciativa é o reforço escolar, por meio de atividades que buscam estimular a curiosidade e o prazer em aprender, dando novos significados a velhos conteúdos.
Além de oficinas e projetos, o programa cede o espaço para as pessoas da comunidade acessarem a internet e a sala de leitura. O Casa Brasil recebe crianças, jovens e idosos. Em média, faz 1.600 atendimentos mensais (1.100 no telecentro e os demais nas oficinas). Desde a inauguração, em janeiro de 2007, até dezembro de 2010, contabiliza 68.884 mil atendimentos. De janeiro a agosto deste ano, somava 12 mil atendimentos.
A equipe de trabalho é composta por nove pessoas, incluindo recepcionista, monitor e os responsáveis pelas oficinas. Todos são selecionados entre a comunidade, inclusive a coordenadora. Precisam estar estudando e têm contrato de dois anos. Findo o contrato, em geral, arrumam emprego com facilidade. “O projeto já é bem conhecido na cidade e fica fácil conseguir uma colocação depois dessa experiência”, diz Cristiane. Foi criado, no Casa Brasil, um banco de currículos, a partir do qual os profissionais são encaminhados para o mercado de trabalho. “No ano passado, das 38 pessoas para as quais fizemos currículo e encaminhamos para as agências de emprego, mais de 20 foram contratados”, relata.
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