Conexão Social – Como levar conexão veloz a todo o país

Há consenso de que o país precisa de uma política de banda larga. Mas as posições sobre como fazer isso e de que forma usar os recursos do Fust são divergentes. A boa notícia: a Anatel encontrou um caminho legal para que as prefeituras possam usar freqüência desregulamentada para oferecer acesso à internet aos cidadãos. Mas o serviço tem de ser gratuito.


Há consenso de que o país
precisa de uma política de banda larga. Mas as posições sobre como
fazer isso e de que forma usar os recursos do Fust são divergentes. A
boa notícia: a Anatel encontrou um caminho legal para que as
prefeituras possam usar freqüência desregulamentada para oferecer
acesso à internet aos cidadãos. Mas o serviço tem de ser gratuito.
   Miriam Aquino


Se já há um consenso nas diferentes instâncias do governo — Executivo,
Legislativo e agência reguladora — de que o Brasil precisa de um
projeto ambicioso de massificação da banda larga, ainda não se sabe
qual o melhor caminho para a implementação desse programa. Essa é a
constatação a que se chega, depois de um dia inteiro de debate,
promovido, em novembro, pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara
dos Deputados.

Embora os diferentes interlocutores defendam a universalização do
acesso à internet em alta velocidade, diversas são as análises dos
problemas que precisam ser resolvidos e, conseqüentemente, também as
propostas de solução são as mais distintas possíveis. O que remete à
constatação de que o governo Lula, em seu novo mandato, terá que não só
incluir a massificação da banda larga entre suas prioridades, como
indicar um coordenador, suficientemente representativo, para formular
uma política que consiga aglutinar os diferentes agentes.

Para o secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério
do Planejamento, Rogério Santanna, a disponibilidade de infra-estrutura
é a chave para que o governo consiga implementar o plano de
universalização que pretende oferecer acesso em banda larga a todos os
municípios brasileiros; todos os órgãos de segurança pública; todos os
hospitais e postos de saúde; todas as escolas, universidades e
bibliotecas públicas; e todos os prédios públicos federais. “Essa é uma
infra-estrutura de caráter estratégico”, afirma.

Para Santanna, o país está muito atrasado nessa questão. Ele mostra
que, enquanto o país possui 14 usuários de internet por cada cem
habitantes, a densidade da banda larga, também por cem habitantes, é de
6,7.  Em junho deste ano, o Brasil contava com 4,743 milhões de
acesso banda larga, dos quais 86,3% eram clientes residenciais. Mas a
sua distribuição é bastante desigual pelo território brasileiro.
“Existem apenas 240 cidades brasileiras com oferta de banda larga, que
representam 84% dos negócios do país. Se continuarmos com esse modelo,
estaremos condenando mais de 5 mil municípios brasileiros à desconexão
eterna”, vaticina.

Mesmo entre aqueles que já possuem a conexão, a distribuição também é
desigual. São Paulo concentra 40,9% dos acessos, seguido pela região
Sul, com 20,8%; Sudeste (exceto São Paulo), com 18%; Centro-Oeste, com
9,7%; Nordeste, com 7,3%; e a região Norte, com 3,4%.

Para o secretário, além da falta de infra-estrutura, o preço cobrado
pelas prestadoras brasileiras também é muito alto. Segundo levantamento
do Ministério do Planejamento, apesar de ter aumentado a competição
nesse segmento, com a presença mais agressiva da tecnologia de cable
modem (acesso banda larga oferecido pelas operadoras de TV a cabo, que
compete com o ADSL das concessionárias de telecom), o preço da banda
larga chegou a aumentar este ano. Para as três faixas de velocidades
onde se concentra o maior número de clientes brasileiros (128k a 256k;
256k a 512k; e 512k a 1M), o preço pago pelo consumidor brasileiro, no
primeiro trimestre de 2006, aumentou entre 7% a 15%, em relação ao ano
passado. Somente nas velocidades acima de 1Mb é que se verificou queda
de preços. Em média, uma conexão de 256k a 512k (usada por 51% dos
clientes brasileiros) custava, no ano passado, R$ 55,00 por mês e, em
março deste ano, valia R$ 65,00.

Para mudar esse cenário, a proposta de Santanna é que o Estado assuma o
papel de condutor dessa política, seja resgatando a sub-utilizada
grande rede de fibra ótica hoje existente no país, seja destinando
faixas de freqüências gratuitas para a implantação de soluções de banda
larga sem fio (com tecnologias como Wi-Fi e WiMAX) aos municípios,
estados e órgãos federais. “Teremos que usar todas as alternativas”,
afirma ele.

Já para a Anatel, defende o seu presidente, Plínio de Aguiar Jr., a
melhor solução seria transformar a banda larga em um novo serviço
público de telecomunicações. Atualmente, somente a telefonia fixa é
classificada como serviço público, e Aguiar entende que, se a banda
larga também for enquadrada como tal, o governo poderá imputar metas de
universalização a essas novas concessionárias, ampliando, assim, a área
de cobertura. “O mercado sozinho não consegue atender às prioridades
nacionais”, pondera.

O Ministério das Comunicações, por sua vez, entende que só se
conseguirá ampliar a oferta de banda larga a preços menores, se for
construída a rede de transmissão capaz de transportar dados em alta
velocidade. Conhecida como backhaul, essa infra-estrutura é escassa no
país. “A universalização da telefonia foi feita em banda estreita. E,
hoje, existem apenas 700 municípios com rede capaz de suportar a banda
larga”, afirma o diretor de indústria, ciência e tecnologia do Minicom,
Igor Villas Boas de Freitas.

Fust

Qualquer que seja a modelagem proposta, ninguém acha que dá para abrir
mão do uso dos recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços
de Telecomunicações), que arrecada cerca de R$ 600 milhões por ano, já
acumulou mais de R$ 6 bilhões, mas nunca foi usado. O problema,
contudo, é como usar esse dinheiro nesse programa, já que as
interpretações da lei que o criou são as mais díspares possíveis.
Também aí as propostas são mais divergentes. Para a Anatel, a criação
do serviço público resolveria o problema, sem precisar de mudanças na
lei. “Dessa maneira, a banda larga poderia ser instalada nas escolas,
os computadores comprados, e o Fust pagaria tudo”, defende o
conselheiro da Anatel, Pedro Jaime Ziller de Araújo.

Já o Ministério das Comunicações tem outra interpretação. Para que o
dinheiro possa ser aplicado, sem que a lei do Fust seja alterada,
explica Marcelo Bechara, consultor jurídico, basta que ela receba nova
regulamentação. De tal forma que se diferenciem os serviços universais
obrigatórios (prestados pelas concessionárias) dos serviços passíveis
de universalização (a banda larga, que poderia ser explorada sob o
regime privado). Com essa proposta, acredita o ministério, estaria
aberta a possibilidade para muitos pequenos provedores oferecerem o
acesso internet em banda larga com os recursos do Fust. Para o
ministério, se for criada a concessão pública, somente as grandes
operadoras terão condições de disputar as licitações. 

De outro lado, amplia-se a pressão dos municípios. A partir das
experiências bem-sucedidas de Piraí, no interior do Rio de Janeiro, ou
Sud Menucci, no interior de São Paulo, cresce o movimento de prefeitos
que querem freqüências gratuitas para poderem criar seus projetos de
cidades digitais. Depois de muitas dificuldades — Sud Menucci chegou a
ser “visitada” por fiscais da Anatel —, a agência, finalmente, parece
ter encontrado uma alternativa para regularizar a atuação dessas
prefeituras, que hoje não poderiam prover o acesso à banda larga por
não terem licença de serviço de telecomunicações, obrigatória para
todos. 

A agência pensa em conceder uma licença de Serviço Limitado Privado
para as administrações municipais, que só poderão oferecer o serviço à
população se ele for gratuito, já que a Lei Geral de Telecomunicações e
a Constituição federal proíbem que os entes do Estado tenham ganhos
econômicos com atividades que não sejam de “relevante interesse
coletivo”. Ou seja, explica Ziller, para que as administrações possam
prestar o serviço de telecomunicações sem ser de graça, teria que haver
uma lei regulamentando que banda larga é de relevante interesse para o
país.

E não é por menos que a deputada Luiz Erundina (PSB/SP) decidiu
apresentar um novo projeto de lei aos inúmeros que tramitam na Câmara
dos Deputados sobre o Fust, autorizando que os recursos sejam
repassados para as administrações públicas, para que elas, com
autonomia, implantem os seus projetos de inclusão digital. Mas, entre
as muitas mudanças que a deputada sugere na lei do Fust, pelo menos uma
poderá trazer mais problemas: ela  propõe que o dinheiro seja
gasto conforme a lei 8.666, a lei que trata das compras públicas, que
havia sido revogada para o setor de telecom.

Municípios

Se a oferta de serviços pelas administrações públicas ganha simpatia em
diferentes esferas do governo, essa proposta não é, no entanto, vista
com bons olhos pelas empresas que querem competir com as
concessionárias de telecomunicações. Para Luiz Cuza, presidente da
Telcomp, entidade que representa as empresas que competem com as
concessionárias, essa proposta pode até ser bem-intencionada, mas ele
acredita que provocará ineficiência. “Entendo que essa re-estatização
seria uma passo atrás, pois esse setor precisa de investimentos de
longo prazo”, avalia.

O presidente da Abramulti ( Associação Brasileira das Operadoras de
Serviço de Comunicação Multimídia), Manoel Santa Sobrinho, bate na
mesma tecla. Para ele, a atuação da iniciativa privada “sempre é mais
recomendável.” E, no seu entender, se o compartilhamento da
infra-estrutura tornar-se obrigatório, as mais de 3 mil pequenas
empresas com licença de SCM poderão estar presentes nas pequenas
localidades brasileiras. “Para resolver o problema de falta de banda, o
melhor seria que fossem criados mais pontos de troca de tráfego
(PTTs),” defende.