terceiro setor acessibilidade no ar locutores muito especiais 02

Acessibilidade – No ar, locutores muito especiais

terceiro setor acessibilidade no ar locutores muito especiais 02

No ar, locutores muito especiais

Iniciativa usa o rádio para Melhorar a autoestima dos cegos, promover a inclusão social e a cidadania. 
Tatiana Merlino

 

ARede nº 86 – novembro de 2012

 

PAULÍLIO SANTANA DANIEL tem 46 anos e desde cedo alimenta um sonho: ser radialista. Cego –perdeu a visão na infância, brincando com fogos de artifício em Pimenteiras (PI), sua cidade natal – sempre teve no rádio um companheiro. Este ano, Daniel conseguiu realizar o desejo com ajuda do projeto Um Olhar para a Cidadania. “A iniciativa tem como objetivo promover a inclusão social, o aumento da acessibilidade e a capacitação profissional de pessoas com deficiência visual, por meio do uso do rádio associado a outras mídias, tendo a internet como plataforma”, explica Jessé Barbosa, idealizador do projeto implementado em Teresina, Piauí, pelo Instituto Comradio do Brasil.

Durante um ano, os participantes frequentam um curso profissionalizante. Os aprovados, como Paulílio, recebem diploma de radialista e podem se habilitar na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, obtendo o devido registro profissional, que tem validade em todo o país.

Entre as conquistas da iniciativa, estão o resgate da cidadania e o aumento da autoestima dos participantes. “Além da dicção, eles melhoram o texto, a capacidade de falar em público. A vida deles mudou”, garante Barbosa. Um dos resultados do projeto, cuja primeira etapa ocorreu entre maio de 2011 e junho de 2012, é a apresentação do programa Nova Visão, no formato de revista radiofônica e rádio-debate, na rádio Pioneira de Teresina AM, uma das principais emissoras do Piauí, com 50 anos de existência. No programa, de uma hora de duração, eles debatem temas relacionados à cidadania das pessoas com deficiência e ressaltam suas conquistas. “Também recebem convidados e ampliam o debate sobre direitos, como o direito ao passe-livre no transporte público”, afirma Barbosa.

O projeto lançou também uma radioweb, com programação 24 horas. A transmissão é feita de um estúdio adaptado na sede da Associação dos Cegos do Piauí. Foi criado ainda um talk-show sobre mobilidade urbana, preparado e apresentado pelos participantes, entre eles, Paulílio. O resultado foi transformado em um documento com propostas para uma mobilidade urbana mais inclusiva e sustentável, entregue aos candidatos a prefeito de Teresina neste ano eleitoral.

Um canal de podcast no site www.ouvircomradio.com.br faz a distribuição de todo o conteú-
do de áudio produzido pelos integrantes do projeto para os programas de rádio, campanhas, entrevistas e especiais.

terceiro setor acessibilidade no ar locutores muito especiais 01“Foi um aprendizado magnífico. O curso me ensinou a me relacionar melhor. E passamos a entender o que é cidadania. Aprendemos e informamos o que é necessário para ajudar pessoas com deficiência visual”, diz Paulílio. Dentro do projeto, acontecem eventos como a campanha Todo Dia é Dia de Olhar para a Cidadania, idealizada para estimular a reflexão sobre os direitos de quem tem alguma deficiência. A campanha é composta de spots radiofônicos gravados por artistas do estado e rádio-clips produzidos e gravados por eles mesmos e transmitidos ao vivo por streaming de vídeo, por twitcam e por radioweb.

“O meio rádio foi o escolhido por ser o mais adaptável ao público destinatário do projeto”, destaca Barbosa. Ele explica que o modelo de gestão foi desenvolvido juntamente com os atendidos. “Boa parte do que foi desenvolvido foi proposto pelos participantes. A primeira capacitação foi dada por eles, que deram dicas de como querem ser tratados”, relata o organizador do projeto.
De acordo com Dállete Miracles, fonoaudióloga do projeto, os beneficiados “aprenderam a se ouvir e cada um se desenvolveu em uma área: um com mais desembaraço para entrevistar, outro com voz muito boa para ser locutor. Mas o principal resultado é, sobretudo, a tomada de consciência de que não estão impedidos de ter educação vocal e se expressar bem”.

Altos índices
Segundo o Censo de 2010, da população nacional de 45,6 milhões de brasileiros que têm alguma deficiência, 18,8% têm deficiência visual, a de maior incidência entre todas. O Nordeste apresentou os maiores percentuais para todas as deficiências (26,6%). E o Piauí é um dos estados brasileiros com o maior índice de deficiência visual aguda: 22,76% da população.

As atividades do Um Olhar para a Cidadania têm duração de um ano, com uma carga horária de quatro horas de aula por dia, durante quatro dias por semana, em um total de 672 horas. Toda a produção de conteúdo é local, colaborativa, e recebe contribuições de diversas instituições da sociedade civil.

O projeto é resultado da parceria do Instituto Comradio do Brasil com a Secretaria Estadual para Inclusão da Pessoa com Deficiência, Fundação Dom Avelar, Faculdade Santo Agostinho e Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência. É apoiado técnica e financeiramente pelo programa Oi Novos Brasis, do Oi Futuro, instituto de responsabilidade social da Oi.  

www.comradio.com.br/cidadania