Conexão Social – Computador para Todos amplia base de usuários

O programa, criado para incentivar a compra de micros nas classes C e D, aqueceu o mercado, fez recuar o contrabando e chegou a centenas de milhares de consumidores. Agora, o MCT prepara portaria para vetar o dual boot.


O programa, criado para
incentivar a compra de micros nas classes C e D, aqueceu o mercado, fez
recuar o contrabando e chegou a centenas de milhares de consumidores.
Agora, o MCT prepara portaria para vetar o dual boot.
   Leandro Quintanilha


Grandes fabricantes estão
ampliando sua capacidade
produtiva

A idéia era oferecer incentivos fiscais à indústria e crédito
subsidiado ao varejo e ao consumidor para estimular a venda financiada
de computadores populares. Uma ação de inclusão digital articulada a
uma política industrial. Tudo indica que deu certo. No balanço do
primeiro semestre do programa Computador para Todos, embora muitos
fabricantes não divulguem números, sabe-se que cerca de 110 mil
unidades foram financiadas pelos bancos públicos e estima-se que 400
mil tenham sido vendidas com o selo do programa, com base nos números
repassados pelos fornecedores de software, que incluem máquinas
financiadas pelos próprios varejistas. E, nessa conta, não entram as
vendas de equipamentos que, mesmo sem crédito subsidiado e fora da
configuração obrigatória do programa, encostaram na sua faixa de preço
– R$ 1,2 mil, em média. Se forem considerados todos os micros
beneficiados pela política industrial (a MP do Bem), o total de vendas
pode chegar perto de 800 mil, até dezembro.

Não há, portanto, dados oficiais. Os empréstimos oferecidos pelos
bancos públicos diretamente ao cidadão não servem para o cálculo, já
que a maioria dos consumidores tem preferido os financiamentos
concedidos pelo próprio lojista. As linhas do Banco do Brasil e da
Caixa Econômica Federal, criadas para esse fim, liberaram apenas R$ 7,5
milhões. O BNDES, por sua vez, registra contratações de R$ 106 milhões,
em financiamentos subsidiados para varejistas, o que equivaleria a mais
de 100 mil máquinas.

Um sinal de impacto do programa, que chamou a atenção de analistas, foi
o fato de o mercado legal de microcomputadores ter superado as
operações sem nota fiscal pela primeira vez no país em abril. Segundo
Ivair Rodrigues, diretor da ITData Consultoria, o mercado cinza (que
reúne contrabando e pirataria) respondeu por aproximadamente 49% das
vendas de micros no país; o legal, 51%.  Os números se repetiram
em maio, última aferição já concluída. O recuo da informalidade foi
confirmado, recentemente, também pela IDC Brasil, que registrou
participação de 57% do mercado cinza, no total de vendas no primeiro
trimestre deste ano – contra 74% no fim de 2004.

Os números do segundo trimestre, calculados pela IDC, ainda não haviam
sido consolidados até o fechamento desta edição, mas o analista de
mercado da empresa de pesquisa, Reinaldo Sakis, acredita serem boas as
chances de o mercado legal ter superado o cinza também na sua aferição.

Caçada aos números


A Positivo Informática confirma
ter vendido, sozinha, 80 mil
computadores do programa.

O programa Computador para Todos entrou em vigor com a publicação de
uma Medida Provisória em junho de 2005, a chamada “MP do Bem”. Deu-se
ao varejo isenção de PIS/Pasep e de Cofins na venda de computadores de
até R$ 2,5 mil. E também instituiu-se a possibilidade de parcelamento
de micros de R$ 1,4 mil ou menos, em 24 parcelas mensais (de no máximo
R$ 70,00, com juros de até 2,99% ao mês), dentro da configuração
estipulada pelo governo (veja o quadro) – os modelos do Computador para
Todos. “O objetivo é atingir famílias das classes C e D”, afirma o
assessor especial da Presidência da República, Cezar Alvarez,
coordenador do programa.

Entre as 46 indústrias participantes, a Positivo, homologada pelo
Ministério da Ciência e Tecnologia em outubro de 2005, vendeu 80 mil
máquinas com o selo; a Digibrás (fevereiro deste ano), 42 mil; a
Novadata (dezembro), 40 mil; a Itautec (dezembro), 6 mil; a HP
(fevereiro), “x”; e a Semp Toshiba (novembro), “y”, entre outras
omissões.

O assessor de diretoria do Serpro, Luiz Cláudio Mesquita, estima,
informalmente, em 400 mil o número computadores vendidos dentro das
regras do programa, com base nos números dos fornecedores de
distribuições Linux instaladas nas máquinas. “A expectativa é chegar a
1 milhão, até o fim de 2006.” As distribuições Insigne e Fenix, de
maior presença no programa, confirmam ter efetivado 180 mil e 50 mil
cópias, respectivamente, desde o final do ano passado.

Para avaliar o impacto do programa, o governo federal solicitou um
contagem à Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica
(Abinee), mas a instituição, até meados de junho, ainda não havia
encontrado uma metodologia para a empreitada, como afirma Antonio Hugo
Valério, diretor da área de informática da associação. “É um cálculo
complexo, e a Abinee não pretende fazer um levantamento leviano.” Esse
número também é uma aspiração da IDC Brasil. “O mais difícil é obter os
números das empresas multinacionais – nesses casos, é necessário
autorização das matrizes no exterior”, explica Reinaldo. Para ele, o
governo deveria ter exigido, na legislação, um retorno formal dos
fabricantes.


O mercado de informática nacional
vem crescendo sobre um tripé:
isenção tributária, financiamento
subsidiado e dólar baixo

Mesmo sem números exatos, a relação do programa com o crescimento da
indústria nacional de informática é notória. Analistas apontam, além da
expansão do mercado legal, queda nos preços e aquecimento nas vendas,
mesmo de modelos que não se enquadram nas regras do Computador para
Todos.

Segundo a IDC, a venda de computadores no Brasil deve chegar a 6,5
milhões de unidades até dezembro, um aumento de 18% em relação aos 5,5
milhões comercializados em 2005. O fôlego da indústria em 2006 seria
sustentado por um tripé: dólar baixo, incentivos fiscais e
financiamento para os micros de até R$ 1,4 mil. “No primeiro trimestre,
a moeda norte-americana já havia acumulado queda de 35%”, diz Reinaldo.
“E muitos itens são importados na fabricação de computadores.”

Representantes dos fabricantes ressaltam a isenção fiscal garantida
pela MP do Bem para máquinas de até R$ 2,5 mil. Como o custo final dos
computadores caiu cerca de 9,25%, “os preços do mercado legal se
aproximaram aos cobrados pelo mercado cinza”, afirma o diretor geral da
Positivo, Hélio Rotenberg. Assim, o consumidor tende a optar pela
legalidade, que lhe oferece certificado de garantia. “Com a isenção
tributária, o governo mirou no que viu e atingiu também o que não viu”,
elogia o diretor-executivo da Itautec, Flávio Philbert. Ele se refere
ao aquecimento do comércio, ao aumento de empregos na indústria e à
diminuição do contrabando. Ganhos extras, acredita, para uma medida que
priorizava a inclusão digital.

Muitos dos fabricantes estão expandindo sua capacidade produtiva. A
Positivo investiu R$ 30 milhões na ampliação de sua fábrica em Curitiba
(PR); a Epcom inaugurou nova fábrica em Campanha (MG), e elevou sua
capacidade de 10 mil para 40 mil máquinas por mês; e o Grupo CCE está
ampliando a fábrica de Manaus, onde investiu R$ 60 milhões.

Explosões no varejo


O consumidor tem preferido financiar
as máquinas direto no varejo

 O varejo, por sua vez, comemora o que o gerente comercial da rede
Magazine Luiza, Marcelo Neves, chama de “explosão de vendas”. Primeira
rede a ser homologada, já financiou 80 mil computadores do programa
(até R$ 1,4 mil cada), e pretende chegar a 200 mil até dezembro. “As
vendas vão aumentar, já que o interesse por televisores deve voltar ao
normal depois da Copa.” A rede de supermercados Extra, do Grupo Pão de
Açúcar, declara ter recebido R$ 8 milhões do BNDES para comercialização
de máquinas do programa Computador para Todos, e informa que elas já
representam 60% das vendas de informática. Uma explicação seria a queda
de 29% nos preços dos equipamentos dessa linha.

Segundo o administrador do departamento de financiamento de máquinas e
equipamentos do BNDES, Eduardo Ichikava, a instituição já emprestou ao
varejo R$ 30 milhões de forma direta e outros R$ 76 milhões por meio de
agentes financeiros. Um total de 18 operações, relacionadas à venda
estimada de cerca de 100 mil computadores. Os maiores tomadores foram,
não necessariamente nesta ordem, Magazine Luiza, Americanas, Companhia
Brasileira de Distribuição (Pão de Açúcar/Extra), Globex (Ponto Frio),
Condor. A soma, de R$ 106 milhões, corresponde a 35,9% dos R$ 300
milhões disponíveis do lançamento do programa até o fim de 2006.

Banco do Brasil e CEF concederam R$ 3,5 milhões e R$ 4 milhões,
respectivamente, em cartas de crédito ao consumidor. Isso equivale a
cerca de 10% do previsto. “O varejo financiou muito mais: cerca de R$
250 milhões. É uma questão cultural”, analisa Cezar Alvarez. “É muito
mais fácil entrar numa loja e fazer o financiamento lá mesmo. O varejo
é o maior emprestador que existe.” Para o executivo de empréstimos e
financiamentos do BB, Denilson Molina, a baixa adesão não surpreende.
“O cidadão precisa ir ao banco, apresentar documentação, aguardar dois
dias úteis.” Para facilitar o processo, o banco tem feito convênios com
o varejo – 850 lojas até agora.

Encalhe maior que o das cartas de crédito é o da conexão à internet.
Era PC Conectado o nome original do programa Computador para Todos. Um
dos motivos da mudança teria sido o fato de a sigla PC vir do inglês personal computer
(computador pessoal), terminologia inadequada para um programa popular.
O segundo motivo, enfim, foi a dificuldade de se garantir a conexão à
internet.

O governo havia acordado com as companhias telefônicas a oferta 
de 15 horas de conexão discada à web por R$ 7,50 ao mês. Mas, segundo
Cezar Alvarez, o serviço não teria amparo legal. “De acordo com a Lei
Geral das Telecomunicações, só pode pagar menos quem consome mais. Não
quem tem menor renda.” Para permitir tratamento diferenciado aos
consumidores de baixa renda, ou seja, para desobedecer à regra da
isonomia prevista na lei, seria preciso um decreto presidencial. Que
não veio.

Não se confunda

Nem todos os computadores passíveis de isenção tributária podem ser
financiados com os subsídios do programa Computador para Todos. Veja o
que determina a legislação:

• Isenção tributária: concedida ao varejo e relacionada aos PIS/PASEP e a Confins, na venda de computadores de até R$ 2,5 mil.

• Financiamento: de até R$ 1,2 mil, apenas para micros de R$ 1,4 mil ou

menos, que podem ser parcelados em 24 parcelas mensais (de no máximo R$
70,00, com juros de até 2,99% ao mês). No mercado, os preços variam de
R$ 1.075,00 a R$ 1.399,00. O financiamento pode ser contratado pelo
varejo, via BNDES, ou diretamente pelo consumidor no Banco do Brasil e
na CEF. Muitos varejistas têm optado por meios próprios de
financiamento.

• Configuração para o parcelamento: processador de 1,5 GHz, disco de 40 Gb, memória de 128 Mb, monitor de 15 polegadas, CD-ROM, modem de 56 kb, placas de vídeo, áudio e rede, e porta USB, além 26 aplicativos em software livre. Alguns fabricantes oferecem 256 Mb de memória e monitor de 17 polegadas.


Dual boot, duas versões.

Em junho, as lojas do Magazine Luiza começaram a vender máquinas da
marca Epcom, com selo do programa Computador para Todos, com Linux e
Windows instalados. A possibilidade é tecnicamente viável, por meio do dual boot,
tecnologia que permite ao usuário escolher com qual ambiente quer
trabalhar. De acordo com a rede varejista e o fabricante, o Ministério
da Ciência e da Tecnologia, responsável pela homologação dos
equipamentos, foi consultado e emitiu parecer positivo.

Procurado por ARede, o MCT informou, no entanto, que só protocolou uma consulta feita pela Positivo Informática sobre dual boot.
E a resposta teria sido a seguinte: “De acordo com a portaria 624, a
incorporação de funcionalidades adicionais não infringe o regulamento
do projeto; no entanto, está sendo avaliado se a introdução de dual boot
fere os requisitos mínimos no que se refere à demanda de código aberto
para os programas de computador.” A interpretação da regra a favor do
produto da Microsoft gerou críticas dos coordenadores do programa, que
o idealizaram considerando o Linux como opção exclusiva, tida como mais
coerente com o caráter de política pública e com a meta de inclusão
digital da iniciativa. Por isso, o MCT preparava uma circular, no
início do mês, informando aos fabricantes homologados que não vai
aceitar o dual boot.

Para a gerente comercial da Epcom, Silvana Rossini, o dual boot
seria legal, porque as regras indicam “configuração mínima”, que não
quer dizer configuração exclusiva. “Além disso, temos uma autorização
por escrito emitida pelo MCT.” Cezar Alvarez, assessor da Presidência,
cita o anexo II da portaria MCT 624 (4 de outubro de 2005), item a-8,
para contestar a legalidade do dual boot. Mas o trecho citado (“software
livre de código aberto com permissão de uso, estudo, alteração, e
execução e distribuição”) consta da especificações das “características
mínimas” de software.

O assessor de diretoria do Serpro, Luiz Cláudio Mesquita, afirma que as
redes varejistas que venderem computadores do programa com software
proprietário podem ter seu financiamento cancelado. “Código-fonte
aberto é uma premissa do programa.” O gerente de operações indiretas do
BNDES, Paulo Sodré, informa que nenhuma rede varejista beneficiada com
financiamento citou o dual boot nos documentos obrigatórios de
caracterização dos equipamentos, e que só vai se posicionar sobre a sua
possibilidade quando isso ocorrer. O Magazine Luiza consta na lista de
beneficiários do BNDES.


Crise de identidade


Por causa da legislação eleitoral, o MCT publicou no Diário Oficial (3
de julho) uma portaria que suspende a utilização da logomarca de
identificação dos equipamentos fabricados de acordo com as normas do
programa Computador para Todos.

O texto informa que estão vetadas “a veiculação, exibição, exposição ou
distribuição” de produtos com a marca até 29 de outubro ou até a
nomeação dos eleitos em primeiro turno para os cargos de presidente e
vice-presidente da República. No caso dos equipamentos já produzidos ou
expostos à venda, a logomarca e o slogan
do governo federal (“Brasil, um país de todos”) deverão ser cobertos
com “uma etiqueta opaca” ou com a aplicação da nova marca do governo
federal, mais neutra (veja a reprodução acima), que, segundo a
Subsecretaria de Comunicação Institucional da Presidência da República,
ainda precisa de autorização do Tribunal Superior Eleitoral. Se for
feita a opção pela etiqueta opaca, os computadores do programa podem
ficar sem identificação. A portaria do MCT não discorre sobre o selo
que aparece na tela quando o sistema é ligado nem o do encarte de
apresentação do programa. O ministério informa que ainda estuda os
procedimentos a serem tomados em relação à omissão.


www.in.gov.br
– Imprensa Oficial. Procure pelo Diário Oficial da União, de 3 de julho de 2006, e leia a portaria 408.