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Diálogo com a sociedade
Governo do Rio Grande do Sul cria gabinete digital para tornar a gestão pública mais democrática
Patrícia Cornils
ARede nº71 julho de 2011 – O Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro invadiu, no dia 4 de junho, o Quartel Central do Corpo de Bombeiros do estado. O quartel havia sido ocupado por bombeiros que se manifestavam por melhores salários e condições de trabalho. Resultado da operação: 439 bombeiros presos. E, em resposta, o enorme apoio popular às reivindicações da categoria, que nem vale-transporte recebe, no Rio de Janeiro. Enquanto isso, no Rio Grande do Sul, a Associação dos Bombeiros do Estado (Abergs) encontrava, no Gabinete Digital – site de relacionamento do governador com a população gaúcha –, um caminho para colocar suas reivindicações na agenda. E as portas estavam abertas para a negociação.
“Mobilizados por 23 dias, bombeiros do estado conseguiram fazer chegar ao governador Tarso Genro uma reivindicação de 23 anos e viram nascer a esperança de ser atendidos”, publicou o Zero Hora, maior jornal do Rio Grande do Sul, no dia 17 de junho. Os 23 dias foram o período que durou a primeira votação do Governador Responde, uma das ferramentas do Gabinete Digital, portal de relacionamento com a população lançado em maio. Funciona assim: a cada mês, o governador responde pessoalmente uma pergunta enviada pela população por meio do site. A pergunta a ser respondida também é escolhida pela população, em votação online.
A Abergs promoveu uma mobilização que conseguiu eleger, com 858 votos, a seguinte questão: “A tendência brasileira é a desvinculação dos bombeiros das polícias militares. Apenas RS e SP continuam vinculados à PM, já que PR e BA separaram em 2011 e 2012, respectivamente. Qual a posição do Governo do Estado com relação à separação dos Bombeiros da Brigada Militar, criando assim o Corpo de Bombeiros Militar?”. Além dessa, mais 28 perguntas postadas no site se referiam à segurança pública. Em sua resposta, o governador assumiu o compromisso de criar um Grupo de Trabalho para discutir a autonomia administrativa do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar. A primeira reunião para isso já aconteceu, com a participação do coordenador da Abergs, Ubirajara Alves. O governador anunciou, também, a abertura de concurso para a contratação de 2 mil soldados, sendo 600 para o Corpo de Bombeiros. E se comprometeu a revogar a norma que proibiu os bombeiros de usar a tradicional camiseta vermelha envergada pela corporação em outros lugares do Brasil e do mundo.
Toda essa história sobre bombeiros e governos está nesta revista, que trata do uso de tecnologias da informação em iniciativas de inclusão social, por causa do Gabinete Digital. Ao abrir essa possibilidade de conversar diretamente com a população, o governo Tarso Genro colocou em prática uma nova maneira do estado se relacionar com a sociedade. Por meio da internet, sem a intermediação de partidos, a população pode fazer chegar suas demandas e questionamentos aos gestores públicos. E iniciativas como essa, de exercício da democracia por meio da rede, são formas de inclusão social. “Precisamos pensar em um novo tipo de democracia, mais ajustada às expectativas de uma sociedade que mudou rapidamente”, constata Vinícius Wu, chefe de gabinete do governador. “Pensar em novas formas de reduzir a distância entre o Estado e a sociedade, novas formas de estimular a participação dos cidadãos”, diz. Se não houver resposta, por parte do governo, às questões colocadas no portal pelos cidadãos, essa participação não se estabelece. E é isso que torna o Gabinete Digital diferente de outros sites de governo.
O Governador Responde é uma das ferramentas do Gabinete Digital. As outras são o Governo Escuta (audiências públicas transmitidas via internet com participação via bate papo.) e a Agenda Colaborativa (contribuições poderão ser enviadas para constituir a pauta do governador durante as visitas ao interior do Estado). Além disso, o Gabinete Digital vai coordenar um Grupo de Trabalho de Cultura Digital, composto por diversas secretarias e unidades de governo, com o objetivo de produzir diretrizes para assuntos relacionados a cultura e governança digital. Já houve duas audiências do Governo Escuta.
A primeira foi sobre bullying e apontou ações de combate à violência no ambiente escolar. A segunda foi sobre a lei do estrangeirismo, proposta pelo deputado Raul Carrion (PCdoB-RS), e aprovada pela assembleia gaúcha. A lei obrigava a tradução de todas as palavras estrangeiras em documentos oficiais, páginas da internet, materiais de propaganda e publicidade, ou qualquer outra forma de relação institucional por meio da palavra escrita. Depois da audiência, o governador vetou parte da lei. A terceira audiência foi no Fórum Internacional de Software Livre, dia 29 de junho. Reuniu especialistas da área de governança, negócios e software livre, com o propósito de sugerir políticas publicas ao governador.
A Agenda Colaborativa recebe contribuições para constituir a pauta do governador durante as visitas ao interior do Estado, processo chamado de Interiorização do governo. Nessas visitas, o governo é instalado nas cidades. Pela manhã, são feitas as reuniões do governador e seus secretários com livre acesso à população. À tarde, os secretários tratam de pautas específicas.
O conteúdo do Gabinete Digital é licenciado em Creative Commons 3.0 (Atribuição, Partilha nos Mesmos Termos) e o código do site também é livre. Está disponível sob a licença Affero GPL e acessível no portal. Isso significa que a parte do portal desenvolvida pela Procergs, a companhia de processamento de dados do estado, pode ser ser usada livremente por quem se interessar. “Software livre significa, basicamente, transparência”, explicou Lincoln de Souza, que trabalhou no desenvolvimento do Gabinete Digital.
Essa ideia de colaboração entre governo e sociedade está sendo praticada, também, na elaboração do Plano Plurianual do Estado, que tem um portal para sugestões. “Queremos oferecer o maior número possível de ferramentas para que o cidadão controle o Estado”, explica Cláudio Crossetti Dutra, vice-presidente da Procergs. Dutra adianta que o governo vai, nas próximas semanas, liberar bancos de dados no formato aberto, além dos índices de segurança do Estado já na rede desde 2010. Tudo isso, acredita ele, vai colocar em marcha uma mudança cultural dentro do próprio governo, “para que os servidores públicos do estado, em todos os órgãos, busquem uma maior interação com o cidadão”.
Até o dia 22 de junho, o Gabinete Digital recebeu 41,85 mil visitas. A primeira resposta do Governador Responde foi assistida por 5,1 mil pessoas. Ainda falta muito para criar as bases de uma nova democracia. Mas passos como esse são um belo começo.