Da comunidade, para a comunidade
Centro de educação em tecnologia estimula jovens a criar aplicativos móveis para resolver problemas locais
Marina Pita
ARede nº 91 – maio de 2013
Em 15 meses, a renda coletiva de 30 pescadores da comunidade ribeirinha de Coroa Vermelha, ao sul da Bahia, aumentou em R$ 170 mil. Eles fizeram parte do projeto Pescando com Redes 3G, lançado em 2010, que disseminou o uso de aplicativos de banda larga móvel. Os ganhos desses pescadores aumentaram, entre outras coisas, porque agora eles negociam diretamente com restaurantes e hotéis, eliminando atravessadores e revitalizando uma atividade econômica regional que estava prestes a desaparecer. Mas os frutos da iniciativa não param por aí. Os parceiros do projeto, Fundação Telefônica Vivo, Qualcomm e prefeitura de Santa Cruz de Cabrália (BA), decidiram ampliar a ação. Apoiados na concepção de que soluções digitais e móveis razoavelmente simples podem mudar a vida das comunidades se forem desenvolvidas dentro de um contexto específico, inauguraram, em meados de março, o Centro de Educação e Inovação Tecnológica (Ceit).
O Centro foi implementado pela Editacuja, empresa especializada em desenvolver estratégias de uso da tecnologia em educação. “Trabalhamos para que os jovens da comunidade avaliem possibilidades de agregar valor à pesca, atividade tradicional na região. Mas temos como foco também órgãos públicos, sindicatos, escolas, para que estimulem a promoção de serviços públicos por meio das tecnologias móveis”, explica Martín Restrepo, co-fundador e diretor de Tecnologia Educacional da Editacuja. A ideia é que a comunidade tenha participação ativa nas soluções de seus problemas e demandas. Isso vai gerar uma cultura transformadora, em que as pessoas estabelecem relações com o entorno para propor modificações. “O interessante é que estamos mostrando que essas atitudes também podem ser rentáveis”, acrescenta.
Francisco Giacomini Soares, diretor de relações governamentais da Qualcomm, conta que, na primeira e na segunda fases, o Pescando com Redes 3G era focado em comercialização, controle e segurança da pesca: “Agora, na terceira fase, vamos expandir para uma iniciativa na área de educação, sem perder de vista a importância do desenvolvimento socioeconômico”.
O presidente da Telefônica Vivo, Antônio Carlos Valente, acredita que “além de levar conectividade, é fundamental ajudar a construir aplicativos que mudem a vida das pessoas”. Para Rafael Stainhauser, presidente da Qualcomm para a América Latina, a tecnologia “só cumprirá seu papel integrador se todos puderem usufruir; do contrário, criará desigualdade”.
O Ceit já recebe o primeiro grupo de 50 jovens, das comunidades de Cabrália, Guiau e Santo Antônio. Eles estão empenhados em fazer acontecer os primeiros protótipos. A metodologia utilizada é a da formação por projetos, em que o desafio de pensar, problematizar e desenvolver determinada solução ajuda na apropriação do conhecimento. Para isso, o centro apresenta uma organização espacial específica. Foi montada uma sala de experiências imersivas onde estudantes e visitantes conhecem o que está sendo desenvolvido e onde a comunidade vai testar e experimentar os produtos. Em outro espaço, com vários pufes e uma parede magnética, os aprendizes podem trabalhar a organização de pensamento, pois as ideias precisam passar por um período de maturação até chegar ao formato final.
É na Editora Comunitária do Ceit que os protótipos são trabalhados até virar produtos. O centro apoia a formação do modelo de negócio e a implementação do plano, após o processo de validação e filtragem. “Com isso, incluímos Cabrália na economia criativa, que vem ganhando espaço no país”, aponta Restrepo. Em uma semana de funcionamento, mais de cem pessoas circularam pelo Ceit, entre estudantes e interessados em conhecer o que está sendo feito ali. O trabalho da primeira turma já está no Facebook, com galeria de mais de 300 fotos produzidas pelos estudantes do centro.
De acordo com a presidente da Fundação Telefônica Vivo, Françoise Trapenard, 500 jovens passarão pelo centro de educação na primeira etapa de funcionamento. A estimativa é de que ao menos 36 cheguem a desenvolver aplicativos móveis e se tornem replicadores. “O deslocamento tem um custo às vezes impeditivo. Por isso já pensamos em uma formação itinerante, para chegar às demais escolas e comunidades”, explica Françoise.
O projeto Pescando com Redes 3G utiliza soluções de navegação marítima, clima, entre outros. Com seus smartphones, 60 pescadores, em sete comunidades do litoral baiano, têm acesso a informações que qualificam a atividade pesqueira – recebem dados sobre a maré, sobre o preço do pescado, fazem cálculos de despesas e vendem direto para hotéis e restaurantes. O uso de celulares cresceu 16,1% entre os participantes. Agora, Telefônica Vivo e Qualcomm negociam levar o projeto para uma comunidade ribeirinha da Colômbia.
*A jornalista viajou a Santa Cruz da Cabrália a convite da Qualcom