conexão social – Da peleja arretada à peleia trilegal

Da peleja arretada à peleia trilegal

Movimentos sociais retomam protagonismo e obtêm vitórias
na interlocução com o governo
Beá Tibiriçá

ARede nº 83 – agosto de 2012

PARTI DESão Paulo em direção ao 2º Fórum da Internet no Brasil, realizado em Olinda (PE) pelo CGI.br, com grande expectativa. O chamado terceiro setor do CGI.br apostou todas as fichas para fazer vingar essa proposta, parte da plataforma eleitoral dos representantes eleitos. Para surpresa de alguns, estavam lá participantes em número tal que ocupavam todos os espaços do centro de convenções.

Falas significativas e combativas davam o tom do que seria o evento. Destaco a fala de Veridiana Alimonti, do Idec, que, aguerrida e consistente, apontou todos os meandros do que preocupa ao terceiro setor. Na festa que recepcionou os participantes, já antevimos que a política de bolsa participação e nossa mobilização tinham dado certo: militantes de todo país se espalhavam em rodas de conversa.

Com relação ao programa Telecentros.BR, pode-se observar uma enorme crise entre sociedade civil e governo. A criação do Telecentros.BR foi recebida com alegria, no início do mandato de Dilma Rousseff, por colocar sob a batuta de uma nova secretaria do Ministério das Comunicações (Minicom) – a de Inclusão Digital (SID) – as iniciativas dispersas pelo governo. Mas logo a crise se instalou. Segundo os presentes no Fórum, a relação entre a rede de formadores do Programa e o governo federal está deteriorada pela falta de diálogo e de explicitação das propostas.

Paulo Lima, do Saúde e Alegria, e eu, fizemos a fala inicial pelo Terceiro Setor. Cezar Alvarez, secretário-executivo do Minicom, era um expectador atento. Falamos do empenho da sociedade civil na construção da política pública federal de inclusão digital, a conquista da SID, os importantes momentos de aprimoramento nas Oficinas de Inclusão Digital, a necessidade de aprofundar o Plano Nacional de Banda Larga para que dê conta não só de conexão de qualidade a preço popular, mas que traga uma banda larga popular e gratuita que resolva o problema de acesso das comunidades que não têm como pagar.

O principal, ali, era reacender nosso instinto de sobrevivência. Deixamos claro que nós, sociedade civil, não deixaremos políticas públicas pelas quais tanto lutamos ser descontinuadas, assim como não permitiremos que o governo democrático e popular deixe de ser uma alternativa para os movimentos sociais. Os números que tínhamos do Telecentros.BR não eram favoráveis: dos 8.472 telecentros aprovados no edital que abriu o programa, 1.193 unidades estão em funcionamento, 2.800 entregas foram feitas e não instaladas e não tínhamos dados sobre entrega e funcionamento de conexão. Destacamos duas propostas: que o Comitê Técnico de Inclusão Digital, onde governo e sociedade discutiam política pública e que está parado desde o final do governo Lula, seja reativado; e a retomada da ampla convocação pela sociedade civil da Oficina para Inclusão Digital, que, a partir da 11ª edição, propomos que passe a ser Oficina para Inclusão Digital e Participação Social, pois inclusão digital não se realiza sem participação social.

Mas o melhor estava por vir: depois das falas iniciais, houve 68 inscritos, dos quais 54 militantes de projetos de inclusão digital. As falas foram oferecendo um diagnóstico vivo: a importância da Rede Nacional de Formação para Inclusão Digital e a vontade de contribuir e fazer parte; a carência de infraestrutura; de acessibilidade, seja na plataforma de formação usada pela rede, seja nos próprios telecentros; a precariedade dos atendimentos nas regiões ribeirinhas e do Norte; o dia a dia de quem faz acontecer nas pontas, dentro das comunidades, em locais excluídos do mapa e com populações que esperam banda larga, telecentros, pontos de cultura para contribuir com o desenvolvimento local e regional. Depois disso, os ativistas se concentraram em uma assembleia para trocar e uniformizar informações.

Três cartas abertas resultaram do 2º Fórum da Internet no Brasil: a da Campanha Banda Larga é um Direito Seu, a Carta da Cultura e a Carta de Olinda, que trata do Marco Civil da Internet. Os ativistas reuniram-se também em um grupo no Facebook e formaram três Grupos de Trabalho: GT Articulação – para acompanhar as negociações em torno do programa Tecentros.BR e Computadores para Inclusão junto ao Minicom; GT 11ª Oficina – para organizar e viabilizar a Oficina para Inclusão e Participação Social 2012; GT Comitê Técnico – para fomentar a reativação do Comitê Técnico da Inclusão Digital.

O que teve um caráter histórico em tudo isso foi que temas transversais, como a Campanha Banda Larga é um Direito Seu!, Marco Civil da Internet, Cultura Livre e Inclusão Digital, se enxergaram e conseguiram rumar em uma só direção. E mais: associações da sociedade civil novamente assumem seu papel de protagonistas na história real dos movimentos sociais que viabilizam os governos democráticos e populares e dão perenidade e amplitude às políticas públicas. Foi com muito gosto que, na minha fala final, reproduzindo o slogan das camisetas do Fórum, concluí: “Bora lutar, que esta peleja é arretada demais!”

De Olinda direto para Porto Alegre: no Fórum Internacional do Software Livre (FISL), já notamos movimentações do Minicom para reagir aos obstáculos levantados no 2º Fórum da Internet. Embora o diálogo pleno não tenha sido retomado, ações internas começam a acontecer para retomar instalação de telecentros, entregas, recuperar recursos.
 
Também houve a primeira reunião do GT 11ª Oficina, com grandes vitórias: o governo do Rio Grande do Sul e a Procergs compareceram para dar apoio à realização da 11ª Oficina em Porto Alegre e a Associação de Software Livre (ASL) topou ser a proponente da Oficina, coordenando o trabalho coletivo das organizações da sociedade civil para viabilizar local, recursos e mobilização. O fato de termos a ASL à frente da 11ª Oficina sela uma parceria histórica e traz a público mais uma convicção dos ativistas: inclusão digital e software livre são fundamentos da mesma política e devem seguir associados, sempre!
Estamos convictos de estar trilhando as trincheiras certas e de que, ao sair do comodismo de simples beneficiários de convênios governamentais para assumir nosso papel de protagonistas nas ações e lutas das comunidades e movimentos sociais, qualificamos nossa participação e contribuímos de forma irrefutável para a implantação de políticas públicas amplas e perenes. Enfim, da peleja arretada à peleia trilegal, rumamos para restabelecer ações que coloquem o nosso governo cada vez mais afinado com as justas reivindicações e necessidades do movimento democrático e popular.

Beatriz Tibiriçá é diretora do Coletivo Digital e integrante da Rede Nacional de Formação para a Inclusão Digital.