Desenvolvendo e pensando o futuro da rede
Sexta edição da Campus Party retoma debate sobre Marco Civil, crimes eletrônicos e os papéis da sociedade e das empresas para termos uma internet livre.
Rafael Bravo Bucco
ARede nº 89 – março de 2013
“Cuidado! Hackers pensando!”. O aviso de um grupo de nerds acampados indicava o espírito da sexta edição da Campus Party Brasil (CPBR), no Parque do Anhembi, em São Paulo (SP). De 28 de janeiro a 3 de fevereiro, milhares de pessoas se reuniram e se conectaram à banda larga mais rápida do país (o link do evento era de 30 gigabits por segundo) para aprofundar o conhecimento em tecnologia, compartilhar suas convicções políticas e somar forças na luta pela liberdade na rede.
Pelas estatísticas dos organizadores do evento, mais de 160 mil pessoas apareceram por lá, desde os hackers pensantes até gente que nunca tinha usado um computador na vida. No caso destes, foram 5 mil pessoas que passaram por um “batismo digital”, tiveram aulas de informática básica, aprenderam a criar blogs e utilizar ferramentas como editor de textos, navegador de internet etc.
Na arena principal, onde apenas pagantes (infelizmente) podiam entrar, muitas palestras abordaram leis e regulamentações que pipocam a cada dia, especialmente no Brasil, com o propósito de alterar o funcionamento da rede. Avaliando os riscos e avanços da tecnologia, os palestrantes botaram lenha na fogueira ao alertar para os deslizes de políticas públicas nocivas à circulação de informações na internet.
Direitos humanos
Uma das convocadas pelos organizadores para debater o tema foi Rainey Reitman, diretora de ativismo da Electronic Frontier Foundation (EFF), organização estadunidense que zela pelos direitos dos usuários de tecnologia. Ela falou sobre direitos humanos e internet. Mostrou casos de ativistas presos ou que tiveram a conexão restringida por compartilhar ideais políticos considerados como ameaças a poderes constituídos. Lembrou que em muitos países a forma de evitar perseguição é recorrer a softwares de criptografia que permitem a navegação anônima e reduzem o risco de retaliação, por parte dos governos.
Rainey ressaltou que cada vez mais as redes sociais são usadas para vigiar os cidadãos: “Agências de governos têm usado ferramentas como o Twitter ou os celulares para rastrear os passos das pessoas sem consentimento”. Preocupada com o impacto da vigilância em nossos hábitos, ela questionou: “Será que as pessoas ficarão menos dispostas a se manifestar politicamente por saber que estão sendo vigiadas? Ficarão inseguras de ir a cultos religiosos, ao médico, a uma clínica de reabilitação, ao terapeuta, por saber que a rotina está registrada em um aparelho móvel cujas informações podem ser acessadas por corporações e governos?”.
A ativista acusou a empresa AT&T, dos Estados Unidos, de repassar dados de seus clientes (como e-mails trocados em suas redes) à agência de segurança do país. “As mesmas tecnologias criadas para unir e empoderar as pessoas estão sendo usadas para vigiar e censurar por companhias que andam de mãos dadas com governos abusivos”, alertou, lembrando que a Nokia Siemens vende soluções de espionagem e controle remoto de computadores a governos de todo o mundo. A saída, propôs, está no uso de ferramentas abertas, como o protocolo livre HTTPS, na construção e hospedagem de sites. Durante o evento, a EFF organizou um hack-thon para retomar o projeto TOSBack, um site que analisa os contratos de serviço de sites populares e alerta os usuários para abusos nos textos. Na Campus, Rainey teve ajuda dos coletivos brasileiros Garoa Hackerclub e Tarrafa Hackerspace, que começaram o desenvolvimento do aplicativo do TOSBack para o Firefox OS (sistema operacional para celulares da Mozilla Foundation, ver página 20) e da extensão para o navegador Firefox.
A CPBR 6 também abrigou debates em torno do projeto de lei do Marco Civil da Internet, que aguarda votação no Congresso Nacional. Redigido a partir de sugestões feitas pelos usuários, o texto tem como relator o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), para quem “o projeto garante a privacidade dos usuários, a liberdade de expressão e a neutralidade da rede”.
O deputado defendeu a redação atual do Marco Civil, afirmando que manter a proposta de regulação da neutralidade por decreto presidencial é a maneira mais adequada à rede no Brasil. Essa questão é alvo de resistência dos provedores de conexão, que desejam oferecer pacotes comerciais de priorização de dados para empresas digitais – permitindo a um site ser acessado com mais velocidade que outro, por exemplo, se pagar pelo serviço. Para Molon, essa possibilidade impactaria o caráter democrático da rede: “Queremos uma internet livre de barreiras e aberta à inovação. O direito de escolha tem de continuar sendo do usuário”. Molon pediu apoio e maior mobilização dos internautas a fim de pressionar o Congresso pela aprovação do projeto. “Precisamos de unidade, não podemos nos dividir agora na reta final. Vamos usar as redes sociais. Mandem também e-mails para os deputados com quem simpatizam”, sugeriu.
A neutralidade de rede fez parte de conversas em diversas mesas. Uma teve participação de Alexander Castro, diretor de regulamentação do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil). Ele apresentou uma proposta de revisão do texto, alterando as regras de neutralidade de rede. “As empresas deveriam ter a possibilidade de oferecer aos assinantes serviços como a restrição de acesso a sites pornográficos, por exemplo, caso o cliente queira prevenir seus filhos de entrar nessas páginas, mas o Marco Civil impede. O artigo 9 quer normatizar o que as empresas podem oferecer”, argumentou.
Eduardo Parajo, do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e presidente do conselho consultivo da Associação Brasileira de Internet (Abranet) rebateu: “Quem comprar capacidade de acesso deve fazer o que quiser com essa capacidade. Não pode navegar por um site que pagou para ter pacotes transferidos com prioridade de forma mais rápida, e por um que não pagou, de forma mais lenta”. Parajo disse ainda que a quebra da neutralidade pode afetar a criação de novas empresas digitais: “Novos serviços não poderão pagar por um acesso privilegiado. Sem a neutralidade, a inovação fica prejudicada”.
Hacktivismo
Outra mesa que atraiu grande público tratou do coletivo Anonymous, que promoveu ações para divulgar documentos secretos e até derrubou sites do ar. Participaram do debate Sergio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC e colunista de ARede, Laura Tresca, da ONG Artigo 19, e João Carlos Caribé, do movimento Mega Não!. Amadeu lembrou que o hacktivismo é pautado por cinco preceitos: não causar danos a pessoas, não ser violento, não visar o lucro pessoal, ter motivação ética (defesa do ambiente ou da liberdade de expressão), e assumir a responsabilidade pelos atos (os hackers assumem a autoria das ações de ativismo). Falou ainda que a descentralização e a falta de liderança estão associadas ao ativismo digital. “Diversos grupos de hackers assinam suas ações como Anonymous, não é uma equipe apenas”, observou.
Ao apresentar a Artigo 19 como uma organização entusiasta do uso das novas tecnologias para defesa da liberdade de expressão, Laura enumerou casos brasileiros de ativismo na rede. Citou, por exemplo, o movimento Brasil Aberto, para abertura dos dados do governo. “O fato de a campanha ter sido anônima facilitou a divulgação em diversos veículos de comunicação”, disse.
A importância do hacktivismo, na visão de Caribé, é expor fatos que governos desejam ocultar. Para ele, o Congresso Nacional é uma das instituições que ainda precisam ter seus dados desvelados: “Um hacker tem que invadir e expor os documentos dali o quanto antes”. O ativista criticou também o Ministério das Comunicações, acusando-o de ampliar a responsabilidade da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) na gestão da internet no país, defendendo que a melhor regulação da internet é a do texto original do Marco Civil – e que prevê isonomia de tráfego, proíbe filtragem, análise ou fiscalização de dados e uma governança colaborativa, com participação dos vários setores da sociedade.
www.campus-party.com.br/2013
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www.eff.org | www.tosback.or