Mais atividades e muito entusiasmo no 11º Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre. Áurea Lopes
ARede nº61, agosto 2010 – Com aproximadamente o dobro de palestras e atividades, em relação ao ano passado, o 11º Fórum Internacional de Software Livre recebeu 5 mil participantes pagantes e outros 2.500, envolvendo pessoal de apoio e visitantes do Brasil e do exterior. Realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS), de 21 a 24 de julho, o evento teve este ano uma grande novidade: a programação foi toda formulada pelos participantes, que votaram online nos temas das mesas. O público adorou a novidade, reconhecida como uma forma de democratizar o processo do fórum e como estratégia para atender com mais foco as expectativas de quem vai em busca de informações e de troca de experiências no uso das tecnologias livres. “Com essa colaboração dos próprios participantes, pudemos qualificar as palestras”, disse Virgínia Silva Ferreira, coordenadora do evento, durante a cerimônia de abertura, que recebeu autoridades governamentais e representantes de grandes empresas públicas do setor de tecnologia.
Para a grande maioria dos visitantes, a diversidade foi um desafio. “Tem muita coisa boa acontecendo ao mesmo tempo e a gente não sabe o que escolher”, disse o paraense Marcelio Leal, da empresa Onsee, que estava no FISL pela quarta vez – foi a primeira como visitante, depois de três anos como palestrante. Mas o sistema de votação também foi alvo de críticas. “Teve aspectos positivos e negativos”, avaliou Ivo Nascimento, paulista que participou do FISL pelo sexto ano consecutivo. Autor do blog Ianntech, ele achou que, por terem sido escolhidas pelo público, as palestras ficaram em níveis de informação básicos e giraram em torno de temas comuns: “Foi bem bacana esse sistema democrático de votação, que deve continuar. Mas precisa encontrar um jeito de equilibrar os conteúdos, pois as palestras acabaram ficando mais interessantes para quem está iniciando. Acredito que faltaram especialistas para trazer novos temas e aprofundamento para os que já têm mais conhecimento”. A estudante Morvana Bonin, que faz curso técnico em informática, reforça: “Acho que esse tipo de informação que está sendo passada nas palestras eu encontraria pesquisando na internet, ou na sala de aula”.
Na opinião do desenvolvedor Matias Schertel, estudante de Sistemas da Informação que esteve no fórum outros anos, o FISL11 teve pontos positivos e negativos: “É bom ter palestras sobre temas mais filosóficos e sociais ligados ao software livre. Mas os cases me pareceram muito propaganda de produtos. Alguém vem e diz, olha, eu uso software livre, é bom etc. Mas a gente quer saber o que usa, como usa, quais os problemas, como resolver”. O estudante de Ciência da Computação Kevin Costa, da Universidade Federal de Santa Maria, contou que estava aproveitando bastante as palestras. Mas outro veterano do FISL sentiu que diminuiu, na exposição, a presença de ícones do software livre como Firefox e Ubuntu.
Força ao Java aberto
Com filas imensas, corredores apinhados de gente e uma movimentação intermitente, das 9 da manhã às 9 da noite, durante os quatro dias de evento, o FISL11 foi, como nos anos anteriores, um grande ponto de encontro – muitas vezes para pessoas que só se conheciam no ambiente virtual, integrando comunidades de desenvolvedores ou redes sociais. Para uma comunidade, em especial, o fórum deste ano foi especial: a Open JDK, que trabalha no desenvolvimento do código aberto de Java.
Durante o fórum, foi assinado um documento que certamente terá repercussão mundial. Instituições públicas de grande porte – como Serpro, Dataprev, Caixa Econômica Federal, ministérios do Planejamento e da Ciência e Tecnologia – se comprometeram a apoiar o desenvolvimento do código aberto da máquina virtual Java. Essas instituições vão colocar seus técnicos e seus ambientes tecnológicos à disposição da comunidade Open JDK para contribuir com o desenvolvimento e testar as soluções. Atualmente, explicou Marcos Mazzoni, presidente do Serpro, o Java é de uso livre, e utilizado em aplicações importantes, como o sistema de Imposto de Renda pela internet e todas as operações em terminais bancários do Banco do Brasil, entre outros. Mas o código não é aberto. Pertence à Oracle, que comprou a Sun. “O que nós queremos é quebrar essa dependência tecnológica e abrir esse código”, ressaltou o coordenador do comitê de software livre do governo federal.
“Com esse compromisso, o Brasil, que é um dos mais fortes usuários da linguagem Java, se coloca como país pioneiro no apoio institucional à abertura do código Java”, explicou Fabiane Bizinella Nardon, signatária do termo de compromisso em nome da comunidade Open JDK. A especialista, que é cientista da computação e uma liderança na comunidade Java, conta que a versão aberta já existe e está sendo usada, por exemplo, em todas as distribuições Linux. O próximo passo, adianta Fabiane, é fazer com que a versão aberta predomine sobre a versão fechada: “E esperamos que essa ação conjunta com o governo siga nessa direção”.
Educação e cultura
O software livre na educação e na cultura foram temas de diversos debates e atividades. “Essas foram áreas que procuramos valorizar mais este ano”, informou Jaques Sady, representante ASL na condição de embaixador do software livre. Cultura livre e cultura digital reuniram ativistas e representantes do Ministério da Cultura para discutir temas como direitos autorais e marco civil da internet. Durante os quatro dias do evento, ocorreram mostras de vídeo e reuniões de grupos de trabalho de cultura digital. A grade de educação, além de várias palestras, abrigou uma apresentação especial, de dois dias, sobre o programa do governo federal Um Computador por Aluno (UCA).
Uma equipe de educadores que fez a avaliação do pré-piloto do programa, realizada sob a coordenação da Fundação Pensamento Digital, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), apresentou os resultados dessa avaliação em palestras concorridíssimas pela plateia de professores das redes públicas de ensino (ver reportagem na página 24). Responsáveis pelas cinco escolas que integraram a primeira experiência do UCA, iniciada em 2007, levaram relatos dos acertos e erros, analisaram os processos e compartilharam as vivências educacionais com os professores presentes – a maioria pertencente a escolas que já receberam os laptops da segunda fase do programa e começam a implantar as novas propostas nas salas de aula. A escola estadual gaúcha Luciana de Abreu provocou aplausos e falas emocionadas da plateia, diante de depoimentos de professores e alunos que participaram da palestra contando suas histórias de aprendizado e respondendo perguntas.
Nas palestras sobre uso de software livre na escola, Nelson Pretto, da Universidade Federal da Bahia, também recebeu a aprovação animada da plateia, ao propor: “O computador não é uma ferramenta ‘auxiliar’, para ‘ajudar’ o professor. E, sim, para ‘atrapalhar’. Para obrigá-lo a repensar e buscar alternativas. Enquanto isso não acontecer, nada vai mudar”. O educador ressaltou a necessidade de integrar ao processo educativo o conceito de compartilhamento e colaboração. “Nem a estrutura arquitetônica das escolas favorece a colaboração”, disse ele. “Temos de mudar.”
Grande atração nacional do FISL11, lotando auditórios com centenas de lugares, o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira falou sobre diversos temas ligados ao uso das tecnologias e à liberdade de expressão. Em sua palestra “Internet sob ataque II: o império contra-ataca”, fez um apanhado dos ataques à liberdade civil na internet, dando exemplos de ataques da indústria fonográfica e dos governos, em todo o mundo: “As forças de compartilhamento avançaram. Mas cresce a tensão entre essas forças e as forças contrárias, que atacam pela articulação de ações legislativas e processos judiciais”. Amadeu, que é o pioneiro do ativismo pelo software livre no Brasil, também chamou a atenção para as tentativas de policiamento por meio de leis que tentam relacionar os endereços de IP a identidades civis: “Em uma rede controlada, como é a internet, isso é inaceitável. Não podemos deixar que o Brasil se torne uma China”.
Troca de arte
No espaço da exposição, os visitantes do FISL11 podiam participar livremente de oficinas de arte à base de software livre e material tecnológico reciclável. Atividades de robótica livre, metareciclagem, meta-arte foram realizadas sob monitoria de integrantes do Centro Marista de Inclusão Digital (CMID), do Centro Social Marista (Cesmar) e do grupo MuSa (Multimídia, Sistemas & Artes). Vilson Vieira, professor da Universidade Estadual de Santa Catarina e militante do MuSa, levou para o evento instrumentos musicais montados com peças de computador e que funcionavam a partir de software livre. “As pessoas vêm aqui e querem aprender como se faz”, explicou. “A gente ensina, faz junto, eles criam outras coisas.” Coordenador do ateliê, Eloir Rockenbach, do CMID, acrescentou: “Os participantes têm muito a contribuir. Este ateliê não teve a proposta de uma oficina, com curso, alguém dando aula… é uma troca. E deu certo”.