Ensinando a pescar
Projeto com tecnologia 3G capacita pescadores e implanta sistema para desenvolvimento econômico no Sul da Bahia
Áurea Lopes
ARede nº 62 setembro de 2010 – Marco da história do Brasil, onde as caravelas de Pedro Álvares Cabral ancoraram, em 1.500, Santa Cruz de Cabrália (BA) é mais uma, entre tantas comunidades litorâneas brasileiras, que se ressente pela falta de sustentabilidade da atividade pesqueira – vocação econômica natural do município. Por problemas como a pesca excessiva de espécies, a baixa qualificação dos profissionais e a defasagem da infraestrutura local, os barcos voltam do mar trazendo cargas que geram cada vez menos rendimentos, quando não prejuízos, em vez de garantir a sustentação e promover a ascensão social das famílias. O resultado é um triste paradoxo: em uma costa riquíssima em espécies marítimas comerciáveis, os pescadores abandonam as redes para arriscar a vida com pequenos negócios de artesanato e de turismo.
Foi com o propósito de reverter esse cenário que, no final de 2009, um consórcio de empresas levou, para a pequena cidade ao Sul da Bahia, o projeto Pescando com Redes 3G. A ideia é usar tecnologia de última geração para formar e equipar os pescadores, de modo a gerar desenvolvimento econômico e inclusão digital na região. Criado a partir de uma parceria entre a Qualcomm Incorporated, a Vivo, a ZTE Brasil, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e o Instituto Ambiental Brasil Sustentável (IABS), o projeto, que inicialmente tem duração prevista até 2011, tem várias frentes de atuação.
A primeira, já em andamento, é a doação de 25 smartphones, com créditos pagos, para uso em 15 embarcações. Os celulares são equipados com programas que possibilitam receber e gerenciar informações que vão desde condições meteorológicas, qualidade e temperatura da água, até indicadores de mercado, cotação de produtos etc. Também está sendo desenvolvido um banco de dados para onde os pescadores poderão enviar — até mesmo de alto mar — dados sobre o pescado obtido. Quando todo esse sistema estiver em pleno funcionamento, dentro de três meses, segundo os parceiros da iniciativa, um dono de restaurante conseguirá, por exemplo, consultar as informações on-line e fazer o pedido de compra antes do barco atracar na praia. Além de eliminar a figura do atravessador, o pescador vai poder otimizar a viagem – por exemplo, decidir continuar a pesca por mais tempo, se verificar que a mercadoria disponível já foi vendida.
Outro aplicativo do aparelho 3G vai dar uma força na gestão dos negócios, que foi uma necessidade identificada desde o diagnóstico inicial do projeto. O pescador Genival XXXX conta que, quando fez a primeira viagem junto com os técnicos do projeto, teve uma surpresa: “Eu tinha gasto R$ 8 mil e, se vendesse tudo o que tinha pescado, ganharia R$ 7.500,00. Quer dizer, ficaria com prejuízo”. Os pescadores têm dificuldade em administrar as despesas e as receitas, contabilizar tudo o que foi gasto, entre combustível, gelo, isca etc., explicou Francisco Soares, diretor sênior de Relações Governamentais da Qualcomm.
A área urbana de Santa Cruz de Cabrália já dispunha de cobertura 3G, desde o final de 2008. Mas, para dar apoio de conectividade ao projeto, a Vivo instalou mais uma estação radiobase 3G na localidade de Guaiú – vilarejo onde até então não havia qualquer tipo de conexão para celulares e internet.
Aulas em terra e no mar
A capacitação dos pescadores no uso das novas tecnologias está sendo feita pelo IABS, em dois ambientes montados especialmente para atender ao projeto — um no mar; outro, em terra. No mar, o barco-escola, que foi colocado à disposição pelas associações de pescadores da região e equipado pelo projeto, faz viagens de treinamento. Em terra, o prédio da antiga cadeia, doado pela prefeitura, se transformou em um telecentro com 18 estações de trabalho. Por enquanto, só acontecem cursos ligados ao projeto. Mas a Colônia de Pescadores de Cabrália, instituição responsável pela gestão do telecentro, procura parcerias para viabilizar o pagamento de monitores que possam ministrar cursos para a comunidade. “Queremos abrir cursos de Educação de Jovens e Adultos porque 50% dos pescadores daqui são analfabetos”, conta Cleonice Aragão Feitosa, presidente da Colônia.
Mais do que melhorar a pesca extrativa marítima, o Pescando com Redes 3G investe no desenvolvimento de novas frentes econômicas, no campo da maricultura. O projeto está formando pescadores para o cultivo de ostras, que é inédito na região. Na aldeia Pataxó de Cabrália, 30 pescadores estão sendo capacitados nessa atividade, utilizando os equipamentos do projeto. “O cultivo de ostras é uma atividade pesqueira mais leve, que pode ser assimilada pelas mulheres e jovens. Por isso, tem um forte impacto no aumento de renda das famílias”, diz André Macedo Brügger, cofundador do IABS.
Os indígenas fazem o controle do crescimento das ostras e registram todos os dados no sistema. Além de dispor de programas que ajudam em operações como a biometria, que mede o tamanho das ostras, podem receber orientações de técnicos a distância. Aloísio Tatuí, da Associação dos Pescadores Indígenas Pataxó, conta que atualmente 30 pescadores participam do projeto com interesse no cultivo de ostras. Essa atividade, na opinião de Claudio Mendes, diretor de Pesca do município, vai contribuir para diminuir a pressão pesqueira local: “Um grande benefício em termos ambientais”.
E depois?
Sem divulgar valores dos investimentos, os porta-vozes dos parceiros preferem destacar o aspecto social da iniciativa. Até o final de 2011, nesta etapa considerada uma experiência piloto, os beneficiários não terão qualquer despesa. Receberam os equipamentos gratuitamente, têm créditos mensais para ligações e dispõem de assistência técnica permanente. Mas ainda não há estratégias de sustentabilidade para o projeto, que depende do uso de equipamentos nada acessíveis ao orçamento de pequenos pescadores – como smartphones que podem chegar a custar R$ 2.500,00. “Temos muito tempo para ver como as coisas vão se desenrolar. Poderá haver uma prorrogação da atuação das empresas, com novos aportes de recursos, poderão ser firmadas parcerias que assumirão determinadas atividades”, ressalta Soares, diretor da Qualcomm.
Aos 47 anos, Helenice Nascimento Santos, que faz colares e brincos para vender aos turistas, não entende o que significa a palavra sustentabilidade. Só sabe o que quer dizer futuro. “Eu entrei no curso de ostras porque acho que posso fazer mais alguma coisa para melhorar a vida lá em casa”, diz a descendente Pataxó, que tem pai, marido e filhos pescadores. Mas ela avisa que, mesmo que “o negócio de ostras dê certo”, continuará a juntar as sementes – e, quem sabe, pérolas! – para fazer os enfeites “que as mulheres gostam”.
A jornalista viajou a convite da Qualcomm