Conexão Social

Chama o B.A.T.M.A.N.!

Experiências de redes abertas – construídas pelos usuários – estão em curso, no Rio Grande do Sul, com uso de um protocolo livre. Patrícia Cornils

ARede nº 74, outubro de 2011 – O Nova Santa Marta já foi uma ocupação urbana. Hoje, é um bairro da cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Surgiu em 7 de dezembro de 1991, com a ocupação das terras que haviam sido da Fazenda Santa Marta e naquela época pertenciam ao estado. Entre a ocupação e a implantação de infraestrutura para os moradores passaram-se anos – água e a luz chegaram somente ao longo de 1997; a primeira escola, a Escola Marista, foi aberta em 1998, para alunos até a quarta série do ensino fundamental. A primeira escola pública, estadual, foi aberta em 2001. Somente em 2007 o bairro passou a constar oficialmente no mapa de Santa Maria, com a transferência da área de 254 hectares da Nova Santa Marta do estado para o município. Muita coisa mudou, mas permanece uma dificuldade praticamente vital para os 25 mil habitantes da região: a falta de acesso à internet em banda larga. 
“Faz mais de dois anos que as operadoras não ampliam a capacidade de sua central, e até mesmo para a Escola Marista é difícil conseguir novas conexões de banda larga”, explica Eloir José Rockenbach, que trabalha há dez anos na Rede Marista.

Esse foi um dos motivos pelo qual o Santa Marta foi escolhido para sediar a experiência de construção de uma rede aberta, ou livre. Trata-se de uma rede independente das operadoras de telecomunicações, formada pelos próprios usuários, que cresce na medida em que cada pessoa adere à infraestrutura e se torna um nó, conectando-se a todos os demais. Na Província Marista, que tem várias iniciativas de inclusão digital no Rio Grande do Sul – uma é o Centro de Recondicionamento de Computadores (CRC) do Cesmar – a história dessas redes livres começou em julho deste ano, com a 3a Jornadas Regionales de Redes Libres (JRRL), realizada por ativistas da América Latina durante o 12o. Fórum 
Internacional de Software Livre (FISL 12) Nesse encontro foi redigido o ‘Manifesto das Redes Livres’, que explica como essas redes funcionam.

Diz o manifesto: “Dado o estado atual da rede de redes, a internet, que é principalmente operada e controlada a nível mundial por um pequeno número de corporações internacionais cuja motivação principal é meramente econômica; e considerando as implicações que isto tem no curso que está tomando o desenvolvimento da rede de redes, os membros e ativistas das Redes Livres manifestamos que: uma rede livre é aquela rede informática que é construída e administrada colaborativamente por seus próprios usuários e apresenta no mínimo estas características: 1. Garante a descentralização e evita a monopolização de recursos, a coerção e a opressão; 2. Respeita a neutralidade da rede; 3. Garante o acesso público e livre; 4. Sua estrutura é de rede distribuída; o crescimento é possível a partir de qualquer ponto existente; 5. A interconexão se realiza entre pares que podem publicar ou receber serviços e conteúdos em igualdade de condições; 6. Promove a criação de outras redes livres, sua interconexão e interoperabilidade.”

As redes abertas e livres operam nas frequências do WiFi, que, ao contrário das frequências usadas por celulares, rádios e tevês, não necessitam de licença para instalação ou operação. 
O pessoal do Cesmar usa rádios/roteadores aposentados de outras redes e reconfigurados. Instala, nesses rádios, o OpenWRT, uma distribuição Linux para redes sem-fio. E um protocolo de rede Mesh, um tipo de rede sem-fio na qual cada nó (cada equipamento) pode, ao mesmo tempo, receber e retransmitir sinais para outros nós Mesh. O protocolo usados nessa experiência sãoo B.A.T.M.A.N. (em inglês, Better Approach to Mobile Ad-hoc Networking, ou, melhor abordagem para redes Mesh descentralizadas) e o OLSR (em inglês, Optimized Link State Routing Protocol, ou protocolo de roteamento otimizado para o estado do link). Essas redes não necessitam de uma infraestrutura prévia para operar. Vão sendo formadas na medida em que recebem novas adesões, formando-se novos nós. A rede é construída e mantida pelos próprios usuários.

O protocolo B.A.T.M.A.N foi desenvolvido pelos participantes da Freifunk.net (em alemão, rádio livre), uma das redes que faz parte do movimento internacional de redes livres. Corina Elektra Aichele, alemã e participante do Freifunk, estava em Porto Alegre, com pessoas da Bolívia, Alemanha, Colômbia, Uruguai, Chile e Argentina, durante o FISL 12, para participar da jornada de Redes Livres. “Bah, só vendo! Ela conseguiu, em minutos, reprogramar equipamentos que havíamos recebido no Cesmar e que não eram compatíveis com redes Mesh, para podermos usar”, conta Rockenbach. Elektra se autodescreve como “viciada em eletrônica”. Além de participar do desenvolvimento do protocolo B.A.T.M.A.N, que encontra os melhores caminhos para trafegar os pacotes, em uma rede que muda o tempo todo, ela ajudou a implantar redes livres em Bangladesh, na Índia, e em vários países da África.

Além da rede do Nova Santa Marta, outra rede aberta e livre está sendo construída no bairro Mário Quintana, em Porto Alegre, onde fica o Cesmar. Será usada por moradores da comunidade e por alunos e monitores das iniciativas de inclusão digital da Província Marista. Ambas as redes têm caráter experimental. “Queremos mostrar que uma rede não é somente o Orkut”, explica Vinícius John, integrante da Associação do Software Livre do Rio Grande do Sul, contratado pelo Cesmar para trabalhar nas redes livres. “E mostrar, também, que é possível se apropriar da tecnologia de fazer uma rede e que isso tem um grande potencial”, completa Rockenbach. Oito estagiários do Cesmar estão trabalhando na iniciativa, cada um de acordo com seu interesse. Um está montando o site da rede, com conteúdos produzidos pela comunidade e materiais dos cursos do Cesmar. Outro, pesquisando como construir antenas de rádio a partir de sucata. Outro, ainda, como configurar servidores de redes livres.

O jurídico da Província Marista estão pesquisando qual a possibilidade, de acordo com a legislação brasileira, de criar uma saída dessas redes para a internet. “Para fazer isso, nós precisaríamos ter uma licença”, conta Rockenbach, “mesmo que seja uma rede não comercial”. Mas, explica ele, tanto a prefeitura de Porto Alegre quanto a Procergs, a empresa de processamento de dados do estado, poderiam fornecer essa conexão sem ferir a lei. “Estamos conversando com ambos, que demonstraram interesse”, conta ele.


http://redelivremq.no-ip.org

http://osiux.com/jrrl3-terceras-jornadas-regionales-de-redes-libres-en-fisl12.txt
www.openwaves.ws/network.htm

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