Em busca da felicidade
Em região onde crianças indígenas são abusadas sexualmente, sala de informática é espaço para formar e debater a trágica realidade local.
Áurea lopes
ARede nº 87 – dezembro de 2012
AS MENINAS de São Gabriel da Cachoeira, município do Amazonas bem próximo à fronteira com a Colômbia, podem se gabar de ter um privilégio sobre muitas garotas dos grandes centros urbanos. Elas conseguem navegar na internet a uma velocidade de 6 Mbps, enquanto, no restante do país, as escolas públicas do Plano Banda Larga nas Escolas ainda estão chegando aos 2 Mbps. Porém, essas meninas carregam outro diferencial. Dramático. E que não é de forma alguma motivo de orgulho. Ao contrário. Essas meninas, 90% indígenas, vivem uma realidade de exploração sexual que envergonha a Justiça brasileira.
No início de novembro, a Folha de São Paulo trouxe detalhes das denúncias, registradas em um inquérito policial que se arrasta há um ano e até agora não resultou na detenção de qualquer dos suspeitos – gente conhecida, “de poder” na cidade, de acordo com o procurador federal que atua no caso. “Um homem branco compra a virgindade de uma menina indígena com aparelho de celular, R$ 20, peça de roupa de marca ou até com uma caixa de bombons”, escreveu a repórter Kátia Brasil, da FSP.
Uma das pessoas que põe em risco a própria vida na defesa dessas meninas é a Irmã Giustina Zanato, presidente do Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente e diretora da Casa da Menina Feliz, fundada pela Congregação Salesiana de Dom Bosco há oito anos. A instituição é frequentada por cerca de 300 meninas, das quais 18 vivem em regime de abrigo, vítimas de violência e afastadas das famílias. “A maioria não tem computador em casa e vem aqui fazer pesquisas escolares”, conta a freira, lamentando que, em geral, “os professores só mandam os alunos verem na internet os próprios trabalhos, que fizeram para suas faculdades”.
A Casa da Menina Feliz tem uma sala de informática que funciona também como telecentro aberto à comunidade. Crianças e adolescentes participam de atividades no contraturno escolar. O espaço foi montado em 2009, como uma Estação Digital do programa da Fundação Banco do Brasil (FBB). Hoje, não faz mais parte da rede da fundação. Irmã Giustina lembra que “foi difícil” os equipamentos chegarem até lá. Depois, levou mais um ano para ter internet. Em 2011, o funcionamento foi precário, pois os educadores não foram pagos pela FBB.
Este ano, a instituição católica decidiu assumir a gestão integral. O link de 6 Mbps é exclusivo da sala, contratado de um provedor local, que também fornece outro link, de 2 Mbps, usado pela administração. Nos dez computadores, roda o sistema operacional Linux. No atendimento aos usuários, três educadoras: uma religiosa, voluntária; uma monitora remunerada pela Casa e uma monitora remunerada pela prefeitura.
As meninas usam as máquinas exclusivamente para fins educacionais, garante a Irmã Giustina: “Nós fiscalizamos para que elas não façam o mau uso da internet, para que não sejam contatadas para atividades ilícitas”. A religiosa diz ainda que por meio da internet as educadoras procuram passar conteúdos de formação, no sentido de levar as meninas à reflexão sobre a realidade local: “Mostramos as reportagens, e discutimos o tema da violência sexual com elas”, acrescenta. A comunidade também se beneficia do espaço. “A qualquer momento, se uma pessoa precisar, a gente abre, seja noite, dia, final de semana… às vezes eles precisam de uma informação de trabalho ou fazer um documento”, diz a religiosa, que cobra a punição dos suspeitos de abuso das meninas.