Falta interlocução, sobram incertezas
Para ativistas da 12ª OID, o Minicom foge da conversa e deixa a sociedade no escuro sobre os projetos de inclusão digital.
Rafael bravo Bucco
ARede nº 96 – janeiro/fevereiro de 2014
De um dia para o outro o Hotel Nacional, em Brasília, se agitou com rodas de samba, instalações artísticas e gente que combate a desigualdade eletrônica. Aconteceu ali, em dezembro, a 12ª edição da Oficina de Inclusão Digital e Participação Social (OID). Dessa vez, o encontro de ativistas, monitores e gestores de telecentros se deu na capital federal com um objetivo claro: chamar a atenção do governo, em especial, da Secretaria de Inclusão Digital (SID) do Ministério das Comunicações, para a quantidade de pessoas envolvidas e o imenso impacto social das políticas voltadas a quem não tem acesso a tecnologias da informação e comunicação.
A reclamação comum entre os participantes, logo no início, era de que, desde a criação da SID, em 2011, os movimentos responsáveis pelos projetos de inclusão digital perderam interlocução no ministério. Programas antes vistos como prioritários, como o Telecentros.br, foram deixados de lado em favor de outros, como o Cidades Digitais, que prioriza infraestrutura em vez da formação de usuários empoderados pela tecnologia. “A gente não diz que o Telecentros.br fracassou. A gente sabe que não depende do governo matar um programa como esse. Mas não foi o que poderia ter se tornado”, ressaltou Maurício Falavigna, da Avesol, uma das organizações responsáveis pela realização da OID. O evento foi realizado também pelas organizações Associação SoftwareLivre.org, Cidadania Digital, Coletivo Digital, Instituto Nupef, Sampa.org, Saúde e Alegria, e Programando o Futuro.
O cenário descrito pelos ativistas é o mesmo de 2012, quando a OID foi organizada pela primeira vez pelos movimentos sociais, e não pelo governo. Equipamentos lacrados continuam sendo recolhidos de telecentros que não conseguiram se estruturar para entrar em funcionamento, poucas unidades novas foram inauguradas, outras foram fechadas, e falta formação de monitores que leve em conta as particularidades de cada comunidade. “O que tem ocorrido é que nós continuamos com o trabalho enquanto, do lado de lá, não conseguimos construir política pública conjuntamente”, disse Falavigna.
Os organizadores aguardavam, com ansiedade, a palestra de Lygia Pupatto, secretária de Inclusão Digital. Seria a oportunidade de colocá-la em contato direto com monitores e gestores para trocar informações sobre o futuro das iniciativas apoiadas pelo governo. Mas, alegando incompatibilidade de agenda, ela não compareceu. Em seu lugar, mandou representantes, que não falam sobre todos os âmbitos da política de inclusão digital tocada pelo governo federal. Beatriz Tibiriçá, a Beá, do Coletivo Digital, cobrou interlocução. “Para construir essa oficina a gente fez de tudo para retomar o diálogo. Acho estranho que em uma mesa feita a pedido da SID, a secretária não tenha comparecido. Temos de fazer uma conversa para descobrir como minimizar os erros da Secretaria de Inclusão Digital”, observou.
Beá reforçou a importância de os movimentos sociais manterem a energia. “Acho espantoso a gente fazer uma oficina com mil participantes, sem diálogo com o governo federal, que tem, sim, de apoiar iniciativas da sociedade. Eu acho que a gente traduziu, a gente fez, a gente aconteceu. Nossa militância ativa e questionadora tem que continuar. Nós temos que fazer o mundo andar. Temos que abrir diálogo em cada ministério”, falou.
Segundo ela, uma das transformações mais importantes causadas pelas manifestações de junho foi o ganho de importância da Secretaria-Geral da Presidência. A Secretaria é responsável pela criação de plataformas de participação social, como o Participa.br e a rede social Participatório. “A Secretaria-Geral é permeável aos movimentos sociais”, acredita Beá. O vazio deixado pelo Minicom pode ser preenchido pela busca por participação social da Secretaria-Geral. “Temos que mostrar que tablet, celular e mercado não vão resolver o problema da inclusão digital do Brasil. Temos que levar o governo a apoiar nossas iniciativas, e não achar que, com isso, o governo conseguirá se apropriar dessas iniciativas”, refletiu Beá.
Lembrando as eleições para presidente e governador que acontecem este ano, Beá pediu que os participantes da OID exijam dos candidatos programas que prevejam participação dos movimentos sociais: “O governo tem de entender que nós somos o parceiro. Este ano, a gente tem de exigir compromissos de todos que vão se candidatar para colocar a nossa inclusão nas plataformas de governo. E exigir que esses compromisso sejam cumpridos e sejam continuados em um pacto permanente do governo com a sociedade civil”.
Laura Tresca, da Artigo19, organização que defende a liberdade de expressão, ressaltou que acesso à tecnologia é um direito fundamental, assim como acesso a saneamento básico, saúde ou luz. Para ela, já é preciso pensar em uma estratégia de denúncia sobre o desrespeito a esse direito. “A política de telecentros era extremamente vibrante, de produção de conteúdos e de apropriação. Quando a gente paralisa essa política, retira a possibilidade de o cidadão ter liberdade de expressão”, afirmou.
Os participantes também questionaram visões muito positivas do “mercado de incluídos” digitalmente. “As pessoas acham que todos têm internet em casa, tablet e celular. Na área urbana, não são nem 50% da população! Temos que continuar com a criação de centros públicos de inclusão digital, sim. Precisamos incentivar a instalação de telecentros comunitários”, frisou Antônio Carlos da Silva, o Cabelinho, que faz parte do programa de inclusão digital do Serpro.
Outro tema em pauta foi o temor do governo de associar-se a organizações da sociedade civil para executar políticas públicas. Os participantes da Oficina questionavam o crescente grau de exigências dos editais, a forma como são realizadas as prestações de contas. Para muitos, há uma criminalização das ONGs. Questionavam também a falta de compromisso, de continuidade, de acompanhamento e apoio gerencial. Em resposta, a Secretaria-Geral da Presidência se apoiou no anteprojeto do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Elaborado em 2010 por organizações sociais, o Marco passou a ser tema de um grupo de trabalho interministerial estabelecido por decreto em 2011. A minuta final, de 2012, prevê normas gerais para regular os contratos entre estado e organizações da sociedade civil, mas não foi ao Congresso. No Legislativo, três projetos de lei sobre o tema aguardam votação.
O assunto permeou um dos debates com representantes do governo e das organizações civis. Laís Lopes, da Secretaria-Geral da Presidência, afirmou que a pasta trabalha em uma plataforma digital que vai mostrar onde fica cada organização do país. “Vamos precisar da parceria com a OID. Pretendemos fazer um hackathon para ampliar e divulgar esses dados, criar aplicativos e funcionalidades, construindo narrativas para a valorização das organizações como atores estratégicos do Estado”, disse. Vera Masagão, da Associação Brasileira de ONGs (Abong), reclamou da lentidão do grupo de trabalho em tirar conclusões e levar à efetivação, no Congresso, de um Marco Regulatório para o setor.
O Marco Civil da Internet também animou as conversas na Oficina. Maria Mello, secretária-executiva do Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC), reclamou do texto mais recente, apresentado em dezembro pelo relator do projeto na Câmara, deputado Alessandro Molon (PT-RJ). “A proposta inicial, construída colaborativamente com atores imporantes da sociedade, que defende os direitos do usuário na internet, corre risco com essa novidade de penduricalhos, adendos, feitos ao texto, que podem comprometer muito a liberdade de expressão e a privacidade”, falou Maria.
Para ela, o relator mexeu em pontos a fim de agradar setores, mas acabou inserindo brechas que podem restringir os conceitos essenciais defendidos pela sociedade na construção do projeto. “Existem acréscimos que não nos agradam, como guarda de logs para aplicativos e a questão da nudez”, disse. A ativista cobrou celeridade do governo na condução do debate e aprovação do Marco Civil da Internet. “Quanto mais tempo se abre, mais oportunidade para acréscimo de penduricalhos temerários”, ressaltou. A promessa do governo é que o Marco Civil da Internet seja votado no Congresso no primeiro trimestre de 2014.
Maria também pediu a revisão das leis de rádio e TV. Chamou os presentes a aderir à campanha Para Expressar a Liberdade e a assinar o projeto de lei da Mídia Democrática. Destacou pesquisa da Fundação Perseu Abramo que aponta que 43% das pessoas não se reconhecem na programação de TV; 25% se veem retratados negativamente e 71% são favoráveis a que haja mais regras para definir a programação. “São números que reafirmam a necessidade de se fazer o marco regulatório da radiodifusão”, disse.
A 12ª OID foi concluída com a leitura de duas cartas. A primeira anuncia a criação de um Núcleo Indígena de Comunicação e TI. “Este núcleo é para ser uma das instâncias de conversa e decisão sobre o uso das tecnologias de comunicação e informação digital para nós, os povos indígenas”, dizem no texto Kure Kyra, secretário dos caciques Guarani de Santa Catarina, o cacique Pankararu Zé Índio, de Pernambuco, e Lafaete da Silva, presidente da União da Juventude Pankararu, também de Pernambuco.
A outra carta, tradicional, aborda as demandas do movimento pela inclusão digital e cultura livre no Brasil. Cobra agilidade do programa nacional de universalização de banda larga (PNBL), a aprovação do texto original do Marco Civil da Internet, elaborado em conjunto com a sociedade, do Marco Regulatório das OSCs e das Comunicações.
“E o que esperamos de uma política pública de inclusão digital? Que o órgão do governo que tiver a responsabilidade de conduzi-la e coordená-la entenda que ela deve ser perene, deve ter amplitude e atravessar governos e gestões sem ser descontinuada. Que todos entendam que não existe política pública que se implante e tenha prosseguimento sem que todo processo de construção e de gestão seja de fato participativo e compartilhado com a população, suas associações, suas entidades, nossas comunidades, que são, de fato, nossos parceiros fundamentais”, diz o texto.
Vem aí o Fisl15!
A OID também teve instalação de GNU/Linux, debates sobre programação e a inauguração da comunidade online (softwarelivre.org/fisl15) da próxima edição do Fórum Internacional Software Livre, que acontece entre 7 e 10 de maio, no Centro de Eventos da PUC-RS, em Porto Alegre. Este ano o evento foi antecipado por causa da Copa do Mundo.
A comunidade online do Fisl15 foi construída com o Noosfero, plataforma livre nacional, desenvolvida em parceria por Colivre, USP, Serpro, UnB e programadores voluntários de diversos países. As inscrições já podem ser feitas, tanto para quem deseja participar, como para quem quer apresentar trabalho no evento – neste caso, a data limite é 28 de abril.