Interatividade de interesse público
ARede nº 79 – abril de 2012
Pouco a pouco, a TV digital brasileira avança na direção da interatividade. E a TV pública tem um papel importante, nesse momento: propiciar uma interatividade a serviço do cidadão. Ou seja, levar às residências serviços de interesse público, serviços de governo eletrônico, para que essa funcionalidade não fique restrita, no que depender das emissoras comerciais, a aplicativos comerciais – como venda de produtos, contratação de serviços privados. A Empresa Brasil de Comunicação (EBC), por exemplo, já adaptou inúmeros aplicativos que antes eram exclusivos da internet para rodar em qualquer aparelho de TV digital que tenha embarcado o Ginga – conjunto de softwares (middleware) de interatividade desenvolvido no Brasil, em código aberto.
“O que existe, até agora, ainda não pode ser chamado exatamente de interativo, pois não permite interferência de quem recebe o serviço. No entanto, o telespectador já pode acessar uma série de informações enquanto assiste seus programas preferidos. Os aplicativos aparecem no canto da tela. Com o controle remoto, basta clicar em cima de um ícone representado pela letra i”, explica André Barbosa, superintendente de suporte da EBC. Já estão funcionando, por exemplo, um sistema de consulta à Previdência Social; um sistema de acesso a dados bancários, como saldo de conta corrente, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal; um sistema para checar horários de consultas médicas pelo Sistema Único de Saúde (SUS); um sistema para programas assistenciais do governo federal, como o Minha Casa Minha Vida, em que o cidadão pode conferir valores, locais dos imóveis, se inteirar sobre inscrição ao programa.
Por enquanto, existe apenas o caminho de ida. Isto é, a informação enviada das instituições para os usuários da TV. O caminho de volta, do usuário interagindo com a instituição – para pagar uma conta, marcar uma consulta, adquirir um produto – não está disponível. “Ainda não há, adaptada à TV, uma plataforma bidirecional para a interatividade, como existe com a internet ou o com celular”, lembra Barbosa. Para ele, a interatividade na televisão pode servir como importante ferramenta de inclusão digital, especialmente em países pobres e em desenvolvimento, por sua capacidade de disseminar os serviços públicos.
Segundo o superintendente de suporte da EBC, “ter canais alternativos de comunicação pode salvar vidas”. Ele cita o caso do tsunami no Japão, quando os serviços de banda larga e telefonia ficaram interrompidos. Nos primeiros momentos, depois da tragédia, a população recebeu orientações prioritariamente por meio da TV e do rádio, cujos sinais são captados por antenas instaladas em pontos mais altos ou por transmissão via satélite. Barbosa defende uma política que contemple soluções diversas: “Se priorizarmos uma única tecnologia, pagaremos caro no futuro”.
Para esse futuro, André Barbosa acredita que haverá dois tipos de interatividade na TV Digital. O primeiro já está ativo: a interatividade local, que aparece no canto da tela e não interfere na programação. O usuário usa o controle remoto e acessa os chamados aplicativos residentes. O outro tipo é a interatividade total, ainda em desenvolvimento. “Para se ter uma ideia de como irá funcionar, imagine que você e seu filho estejam assistindo a um programa infantil. Será possível escolher o final do desenho animado e modificar a programação original. E, ainda, comprar a fantasia de um personagem ou os produtos licenciados por aquela marca. Para que essa interatividade ocorra será preciso ter um canal de retorno aberto. O problema é que a televisão fechada ainda tem dificuldade de encontrar um modelo de negócio que compatibilize esse tipo de serviço com o atual padrão de venda de espaço publicitário”, explica Barbosa.
Mesmo com tanta evolução, o superintendente de suporte da EBC esclarece que a televisão nunca será 100% interativa. Ele estima que chegue, no máximo, a 15% de interatividade total, sobrando espaço suficiente para a produção de programas e para a programação ao vivo. “A TV não é algo novo. Basta modificá-la para oferecer mais qualidade de vida às pessoas. Imagine o salto que daremos ao permitir que a população marque uma consulta pela TV”.
De acordo com Barbosa, em muitos países desenvolvidos a interatividade na TV esbarra na pressão das operadoras de telefonia. Segundo ele, isso ocorre principalmente porque nesses países a TV aberta ocupa um espaço pequeno. “Para se ter uma ideia, somente 9% da população estadunidense tem apenas a TV aberta. No Brasil, quase toda a população é coberta pela TV aberta (98%), e um percentual abaixo dos 20% já aderiu à televisão por assinatura.”
A favor da TV aberta está o fato de ser a única em condições de transmitir eventos grandiosos a milhões de pessoas simultaneamente, lembra Barbosa. “A estrutura da TV fechada e da internet ainda não permitem esse tipo de penetração. Mas é possível que isso se torne possível no futuro, uma vez que a tecnologia que permite a compressão de dados evolui ano após ano. Hoje pode-se embutir 11 programações diferentes no mesmo canal”, ressalta. A partir de 1º de janeiro de 2013, será obrigatório incluir o Ginga em 75% dos aparelhos de televisão produzidos no país. Para 2014, ano da Copa do Mundo no Brasil, 90% dos televisores deverão ter o middleware de interatividade brasileiro.
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