conexão social

Internet grátis, mas com qualidade

Ávidos por oferecer conexões sem fio para a população, muitos prefeitos lançam projetos sem sustentabilidade.

ARede nº 79 – abril de 2012

O acesso gratuito à internet se tornou, nos últimos anos, um objeto de desejo de prefeitos do interior. Qual administrador público não quer acrescentar esse benefício a seu currículo de feitos ou à sua plataforma de reeleição? Assim, animados pelo avanço da banda larga no país, os municípios investem, hoje, na conquista do status de Cidade Digital. Porém, nem todos têm condições de – ou detêm o conhecimento necessário para – fazer um projeto de TI sustentável. Em muitos casos, a preocupação não vai além de instalar a rede, iluminar a praça central e as escolas. “Muitos não se empenham sequer em ter um bom projeto de engenharia de telecomunicações”, observa Franklin Coelho, secretário de Ciência e Tecnologia do município do Rio de Janeiro, um dos pioneiros na implantação de cidade digital no Brasil.

Essa corrida em busca da grife Cidade Digital, dificultada pelos desafios de implantação de uma operação viável, tem gerado problemas práticos, de qualidade do serviço público gratuito, que começam a impactar de modo negativo a necessária e urgente universalização da inclusão digital. “A oferta de sinal gratuito à comunidade é um equívoco”, declarou Lygia Pupatto, secretária de Inclusão Digital do Ministério das Comunicações, durante o 11º Wireless Mundi – Cultura da Mobilidade, realizado pela Momento Editorial, em março, na cidade de São Paulo (ver página 32). “Como a demanda por internet é crescente, se o aumento da capacidade da banda não estiver previsto, a prefeitura, no lugar de oferecer internet gratuita como um diferencial nas cidades turísticas, por exemplo, pode estar gerando um problema para si mesma”, reforçou Paulo Eduardo Kapp, gerente de tecnologia e inovação da Telebras.

Para Lygia, “o que se tem de conseguir é diminuir o preço do acesso e dos equipamentos.
Redes mal dimensionadas, acessos muito lentos, sinal que cai são ocorrências frequentes em muitas cidades que aderiram ao modismo da internet aberta sem um modelo de cidade digital sustentável. Nem sempre o problema é só de engenharia de rede. Às vezes, a arquitetura da infraestrutura foi bem projetada, mas o link é pequeno para dar conta da demanda. E a prefeitura não tem recursos para pagar o aluguel de mais capacidade ao provedor de serviços (uma operadora de telecomunicações), como ocorre em Tiradentes (MG). Lá a rede atende também às unidades administrativas da prefeitura e cobre as escolas.

Se pudesse voltar atrás, Magda Amália Marostegan, secretária de Educação de Tiradentes, admite que pensaria duas vezes antes de colocar no projeto o acesso gratuito à internet em toda área urbana. “Esse se tornou o maior desafio do projeto e criou um gargalo que, com o tempo, resultou em um acesso de baixa qualidade”, reconhece. Ela ressalta que, quando o projeto Tiradentes Digital foi lançado, em 2006, poucas pessoas tinham computador e acessavam a rede pela rede pública. “Hoje todo mundo tem computador e temos grandes picos de acesso”, observa. Em sua opinião, talvez o acesso gratuito em pontos públicos pudesse ser mantido, mas não a cobertura ampla como aconteceu, permitindo a conexão gratuita nos domicílios. Com todos os percalços, no entanto, Magda se entusiasma ao falar dos resultados obtidos, principalmente na área de educação: “Ganhamos um ponto na avaliação do Índice de Desenvolvimento de Educação Básica. O número de professores com ensino superior também aumentou, em função de serviços de educação a distância”, afirma.

Os moradores das comunidades de morro já iluminadas no Rio de Janeiro também reclamam da velocidade da rede. A ampla cobertura prometida pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do estado do Rio, quando começou a abrir o sinal na Baixada Fluminense, acabou não se efetivando. Pelo simples fato de que é caro oferecer internet gratuita nos domicílios, e o poder público não tem recursos para financiar a prestação do serviço.

As dificuldades não impedem a oferta do serviço, na opinião de Jorge Machado, integrante do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas (GPopai), da Universidade de São Paulo. Toda rede, alerta ele, tem um administrador, cuja função é ter o controle do tráfego, estimar a demanda, tomar providências como aumentar a banda ou criar restrições ao número de usuários. “Em Buenos Aires, Argentina, existem muitas redes abertas. Você navega de qualquer lugar da cidade, sem problema de qualidade. Há organizações não-governamentais especializadas em fazer instalações de rede abertas nas periferias”, conta ele.
O município não deve, no entender de Machado, querer competir com as operadoras, que oferecem conexões de alta performance, como tecnologia 3G, para usuários de classes que já estão conectadas: “Mas se concentrar em oferecer serviço básico, com qualidade, para as pessoas que ainda não têm acesso”. O papel do Ministério das Comunicações, diz ele, é ajudar as cidades a fazer política pública de inclusão. “Em vez de desestimular a abertura do sinal, o ministério poderia editar e distribuir um manual que ajudasse o gestor e os técnicos das pequenas cidades a elaborar e implantar um projeto competente”, recomenda.

Onde deu certo
Apesar dos riscos, experiências bem-sucedidas não faltam. O programa Soluções Integradas Municipal, o SIM Digital, da prefeitura de Vinhedo, oferece acesso gratuito aos 67 mil habitantes do município. “A maioria (70%) da população tem como se conectar gratuitamente à internet”, garante Gilberto Madeira, gestor do Comitê de Tecnologia da Informação e Comunicação da prefeitura. Isso, garante, não afeta a sustentabilidade do SIM. Afinal, aponta, apenas a redução das despesas com telecomunicações obtidas com a implantação do sistema VoIP banca o projeto: estima-se a diminuição de cerca de 40% dos gastos com telefonia, o equivalente a R$ 500 mil anuais.

“Nós fizemos um diagnóstico, coletamos 18.200 informações gerenciais e operacionais, conversamos com a população e, a partir daí, definimos o que o município precisaria para ter uma cidade digital e a forma como isso seria gerenciado e mantido”, explica Madeira.

O projeto de Vinhedo teve contribuição de especialistas das universidades Estadual de Campinas (Unicamp), Estadual Paulista (Unesp) e Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná. “Chegamos à conclusão de que o modelo deveria ser baseado em três conceitos: governança, interconectividade e inclusão”, comenta Madeira. Com investimentos de R$ 2,5 milhões, bancados pela prefeitura, foi construída uma infovia com arquitetura híbrida que representa 63 centímetros de fibra por habitante. Também foram instalados 78 transmissores de sinais via rádio.

Em Volta Redonda (RJ), o backbone tem130 quilômetros de fibra óptica e a prefeitura se prepara para investir em mais 60 quilômetros. Toda a área urbana está coberta e a ideia é chegar rapidamente ao distrito industrial. “Quando desenhamos a rede metropolitana, já incluímos sua manutenção como um item a ser colocado nas propostas orçamentárias. Sem isso, você não consegue fazer expansões e começa a ter problemas”, conta Gilberto Vianna, diretor administrativo da Empresa de Processamento de Dados (EPD) de Volta Redonda. Um grande aliado do projeto é o software livre. A EPD montou um departamento de infraestrutura responsável pelo desenvolvimento de aplicativos e muito do que foi produzido já foi até exportado para outros municípios.

Vianna não teme a abertura do sinal para acesso à internet à toda a população, nem mesmo com a forte demanda identificada ainda durante o piloto. Segundo ele, o backbone tem capacidade disponível. Mas, para a administração não correr riscos desnecessários, a conexão será aberta após as 18 horas, quando os órgãos públicos não estão mais funcionando, nos finais de semana e nos feriados. Para o executivo, o acesso gratuito à internet é parte do conceito da cidade digital. “Nós participamos do Programa Um Computador por Aluno (UCA), que tem sido muito eficaz. Mas não adianta o aluno usar o computador apenas na escola, é preciso levar a conexão à casa dele”, diz.

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