Mais do que você vê
Aplicativos ampliam, modificam e recriam informações a partir de dados captados por tecnologias de realidade aumentada
João Varella
ARede nº 82 – julho de 2012
O FILME MATRIX deu o que falar (e refletir), no final dos anos 1990, ao criar uma ficção em que rebeldes, presos em uma incubadora, alteravam a realidade por meio de um software. Hoje, no mundo real, a lógica de Matrix é “quase factível”. Ninguém precisa ficar preso. Mas já é possível, sim, “moldar a realidade” com a utilização de programas que veem mais do que está ao alcance dos nossos olhos. Essa mescla de mundo virtual e real é o objeto de um novo conceito tecnológico, chamado “realidade aumentada”. Em linhas gerais, funciona assim: um programa instalado em uma câmera (de celular, de tablet ou uma webcam) lê o que está no enquadramento e, ao reconhecer as informações, previamente cadastradas, exibe um conteúdo pré-programado para aquele conjunto de dados.
São inúmeras as aplicações dessa funcionalidade. Um exemplo simples, e que já pode ser baixado na maioria dos smartphones, é o Google Goggles (Óculos do Google). Com o aplicativo, o celular reconhece pinturas, capas de livros e de CDs e passa a exibir informações sobre as obras e seus autores. Bem mais simples do que no filme Matrix, onde os personagens tinham que contactar um “operador” em outra realidade para obter informações. No entanto, a novidade não deve parar nos “espertofones”. O Google quer fabricar o seu goggle, fazendo os dados e a interatividade aparecerem na lente (veja as possibilidades desse aparelho em http://tinyurl.com/oculosg). Um dos recursos esperados desses óculos é a capacidade de ler QR Codes, que são aquelas espécies de figuras em preto e branco com pequenos quadrados, que aparecem em anúncios de revistas e jornais. As empresas usam esses códigos como atalhos para que o leitor aponte seu celular e caia direto na página de compra.
Se a realidade aumentada é boa para o comércio, é excelente para a cultura, conforme comprovou a equipe da produtora de vídeos Confraria Produções, durante a última Virada Cultural em São Paulo, no começo de maio, quando lançou o projeto Histórias na Rua. No Viaduto do Chá, região central da cidade, a Confraria colocou uma placa feita de plástico PET reciclado com um código QR. Quando o código era captado pelo celular, o aparelho recebia um vídeo sobre a história desse ponto emblemático do município, com ilustrações, fotos e frases curtas (http://vimeo.com/34378918). Mudo, o filme tinha a intenção de que o som da rua completasse a experiência. “Fizemos uma volta ao passado com tecnologia de ponta e de uma forma lúdica”, conta o documentarista, professor e produtor Sylvio do Amaral Rocha, idealizador do projeto.
A proposta da produtora é fazer mais 49 vídeos de outros pontos característicos da capital paulista. “Queremos transformar a cidade em um museu a céu aberto”, acrescenta Amaral Rocha. O projeto, no entanto, precisa do apoio da prefeitura, responsável por liberar espaços para os códigos QR. A placa no Viaduto do Chá não sobreviveu às 24 horas do evento cultural.
Além de imagens, a realidade aumentada pode trabalhar também com dados georreferenciados, ou seja, com localização específica. O projeto Narrative Navigation (Navegação Narrativa), do programa Labmovel, um laboratório de mídias móveis, propõe a criação colaborativa de conteúdo interativo georreferenciado em realidade aumentada. Ao abrir o aplicativo, pelo celular, em um ponto geográfico contemplado pelo projeto, o usuário é questionado se quer informações de fatos reais relacionados ao lugar ou se aceita se aventurar por uma viagem de ficção, criada por artistas em cima de dados locais. Depois disso, aparece na tela uma placa com o primeiro trecho da forma de narrativa escolhida. Ao final, surgem opções de locais próximos com outras placas para seguir o texto. O usuário também é convidado a criar seu próprio texto e deixar para outro que visite o espaço.
O local onde o Narrative Navegation exibe mais conteúdo, até o momento, é a biblioteca Mário de Andrade, na região central de São Paulo. O artista multimídia Lucas Bambozzi, um dos coordenadores do projeto, explica que a escolha pela realidade aumentada tem a ver com uma questão ambiental e de consumo: “Chega uma hora que as pessoas deixam de enxergar as informações despejadas na rua. Um exemplo disso são os post it colocados nas telas dos computadores”. Para ter acesso ao Narrative Navigation é preciso baixar o aplicativo gratuito Junaio, uma espécie de browser que reúne vários experimentos de realidade aumentada.
Outro projeto brasileiro com realidade aumentada é o aplicativo gratuito para Android Paprika, da empresa carioca Eyllo Tecnologia, lançado na Campus Party, em janeiro. Ainda em fase de desenvolvimento, o software abre na tela do celular as atualizações georreferenciadas das redes sociais Foursquare, Twitter e Facebook. Ou seja, os comentários feitos por usuários desses sites passam a “aparecer no mapa”.
O fundador e presidente da Eyllo, Enylton Machado Coelho, explica que a ferramenta está aberta para que os usuários apliquem como bem quiserem: “Quando o Twitter foi criado, ninguém imaginava que teria o uso que tem hoje”, afirma. Ele diz já ter usado o Paprika para ver o que as pessoas comentavam da estátua de Carlos Drummond de Andrade em Copacabana. “Eram compartilhados desde comentários sobre a escultura até dados sobre o autor”, explica.
Cada uma dessas iniciativas é uma forma de explorar ao máximo a capacidade dos celulares inteligentes, que se disseminam a passos largos entre a população brasileira. Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em abril de 2012 havia 53,2 milhões de celulares 3G habilitados. De acordo com a consultoria Teleco, 85,3% da população brasileira já pode ter acesso 3G e optar por mais de uma operadora. Usar esses aparelhos só para atualizar o Facebook é um desperdício. Sejam todos bem-vindos à nossa Matrix