conexão social
Nessa rede, o que é seu, é seu!
Um dos pods nacionais da diaspora* já tem mais de 13 mil integrantes. E você, ainda está esperando o Facebook e o Google protegerem sua privacidade?
Rafael Bucco
ARede nº 100 – setembro/outubro de 2014
27 de agosto é uma data para a comunidade do software livre comemorar. Nesse dia, em 2012, os quatro estudantes da Universidade de Nova York que criaram a rede social diaspora* publicaram seu código para quem quisesse colaborar. Dan Grippi, Maxwell Salzberg, Raphael Sofaer e Ilya Zhitomirskiy colocaram a ideia da rede no site de crowdfunding Kickstarter e angariaram US$ 200 mil para o projeto, que entrou no ar em novembro de 2010. Hoje, centenas de pessoas ao redor do mundo se debruçam para aprimorar a ferramenta, que diverge, nos conceitos fundamentais de redes similares, como Facebook, Twitter ou Google+.
Essas empresas, explica Jesulino Alves, ativista do software livre, estendem seus tentáculos sobre diversos serviços, que integram das redes sociais à troca de e-mails, mensagens de texto e voz etc. Sempre com finalidades comerciais – afinal, informação é dinheiro no bolso dos acionistas. E, também, forma de controle (sabe lá de que modo esses dados são manipulados!). “O Google usa um robô virtual para ler nossos e-mails. Por isso conhece nossos hábitos, preferências e comportamentos. As informações são revendidas, em uma clara violação de privacidade. Mesmo sabendo disso, não conseguimos deixar de usar essas redes”, destaca. Não conseguimos largar o osso porque estamos dependentes. “Também usamos o Facebook porque lá encontramos a maioria das pessoas com que queremos nos relacionar. E essa é outra rede que utiliza exaustivamente nossos dados e informações”, lembra.
O que fazer para se libertar dessa dependência e da violação consentida? Uma das alternativas é criptografar e-mails e conteúdos postados nas redes. Mas isso não é tudo. “Outra opção é criar redes livres, independentes e autônomas”, diz. Como a diaspora*, uma das principais ferramentas com essas características. “O diasporabr* foi criado por ativistas do Brasil, é hospedado em servidores no Brasil. É livre de bisbilhotagem por ser criptografado”, afirma Alves.
O diasporabr* é um dos mais populares pods nacionais da diaspora*. Ultrapassou, no início de agosto, os 13 mil integrantes. A maioria é de usuários, mas muitos são também programadores. Todas essas pessoas navegam, se informam, e se relacionam em um ambiente virtual que tem como lema o respeito à privacidade dos dados.
Ali, o usuário é dono do que escreve e compartilha, é detentor das próprias ideias, fotos e músicas. Os seguidores podem ler, partilhar, opinar. Mas nenhuma empresa, ou a ferramenta da rede, é capaz de reunir, analisar e cruzar de informações – uma vez que a comunicação entre as bases de dados é encriptada por padrão. Além disso, os servidores (pods) que formam a rede são federados e têm gestão autônoma.
“Procurando pela internet, terminei lendo sobre federalismo. Trata-se de um conceito muito particular de sistema distribuído, no qual servidores espalhados pelo mundo formam uma grande rede. Todas as contas de todos os servidores comunicam-se entre si, mas a gestão de cada servidor é independente”, explica Anahuac de Paula Gil, o mantenedor do diasporabr*. Significa que um pod pode adotar uma política própria para administrar os dados do usuários. Se o pod tiver regras com as quais o usuário não concorda, basta cadastrar a conta em outro pod. E se nem assim o usuário encontrar um servidor com políticas que lhe agradem, pode baixar o software da diaspora* e criar seu próprio servidor, como quem hospeda um site. “Você pode ser mestre e senhor de um servidor de rede social. O conceito primário da democracia é exatamente a fragmentação do poder”, resume Gil.
Foi assim que, em 11 de dezembro de 2013, ele decidiu criar um pod nacional da rede (há pelo menos outro servidor nacional, chamado Diasporabrazil, mantido por outros usuários). A gestão do diasporabr*, explica Gil, é baseada nas leis brasileiras. Os logs e as navegações do usuário não são armazenados, pois não há essa exigência legal para um serviço não-comercial, como é caso.
O federalismo e a gestão autônoma trazem resultados positivos quanto a anonimato, liberdade de expressão, autoria e direito ao esquecimento. “A diaspora* não exige nenhum tipo de validação de identidade. O nome e o
e-mail não precisam ser reais e não há qualquer campo pedindo seu número de telefone. Se as contas são anônimas e pode-se ter seu próprio servidor, ninguém pode censurar o conteúdo das publicações”, diz Gil.
Além disso, para usar, não é preciso aceitar termos de contrato que transformam suas fotos e textos em produtos das empresas. “Suas fotos continuam sendo suas. Suas ideias continuam sendo suas. Não haverá mineração de dados, análise, catalogação, tratamento estatístico ou perfilamento”, explica. Isso quer dizer também que, quando o usuário quiser apagar a conta, vai conseguir, e junto, consegue apagar todos os dados relacionados. “As mensagens e imagens são removidas de verdade da base de dados e do disco. Não há uma segunda base escondida”, observa.
Vale lembrar, porém, que a diaspora* não está isolada do mundo das redes sociais digitais mais populares da internet. A comunidade reconhece a necessidade de transição. Por isso, criou ferramentas que facilitam a integração com Facebook, Twitter, Tumblr e WordPress. “Assim pode-se manter contato com as pessoas que estão por lá enquanto isso for interessante”, diz Gil, que nunca teve Facebook e não usa Gmail.
Jesulino Alves é um dos usuários da diaspora* que ainda não conseguiu largar completamente o Facebook ou o Gmail, apenas por causa da diferença de popularidade entre a plataforma livre e as privadas. “Sou otimista e acredito que em médio prazo poderei me despedir das redes não seguras, quando a maioria do povo migrar para cá. Estaremos em pleno processo de transição para redes seguras quando a maioria dos usuários entender e se conscientizar de que os poderosos querem dominar a sociedade da informação controlando as redes de comunicação”, conclui.