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Novo golpe contra a rede
ARede nº 77 janeiro de 2012 – Os militantes pela liberdade na rede, que dia 18 de janeiro deflagaram uma jornada mundial de luta contra dois projetos de lei em tramitação no congresso estadunidense que visam controlar a internet, nem puderam prolongar a comemoração dos resultados da iniciativa. Uma semana depois de conseguirem o adiamento da votação, por tempo indefinido, dos projetos antipirataria online – o SOPA (Stop On Line Pivracy Act), em tramitação na Câmara, e o PIPA (Protect Intellectual Property Act), no Senado –, foram surpreendidos por novo golpe contra a liberdade na rede. Em um encontro entre diversos países para tratar de temas ligados a agricultura e pesca, no Japão, 22 países-membros da Comunidade Europeia assinaram sua adesão ao Anti-Counterfeiting Trade Agreement (ACTA), em cerimônia realizada no Ministério das Relações Exteriores daquele país, na calada da noite do dia 26 de janeiro.
O ato foi tão secreto que a notícia só foi repercutir na mídia mundial no dia seguinte. Mas provocou a reação imediata do relator do processo do ACTA no Parlamento Europeu, o deputado francês Kader Arif. Ele pediu demissão do cargo e acusou o processo de farsa. “Quero denunciar o processo que levou à assinatura desse acordo: sem a participação da sociedade civil, com falta de transparência desde o início das negociações, sucessivos adiamentos de sua assinatura sem que fossem dadas explicações e descartando as reivindicações do Parlamento, expressadas em muitas resoluções”, disse, em comunicado oficial. O Parlamento Europeu ainda terá de ratificar a adesão desses países-membros ao ACTA, mas Arif adiantou que não queria ser conivente com um processo viciado, no qual os deputados da ala direita impuseram um apertado calendário de apreciação do tema sem tempo para discussão da sociedade.
A adesão dos europeus ao tratado acirrou ainda mais os ânimos na Polônia, onde há dois dias já ocorriam manifestações contra a possível entrada do país no âmbito do ACTA. O surpreendente anúncio também bate de frente com o recente pronunciamento da vice-presidente da Comissão Europeia e comissária de Justiça e Direitos da Cidadania, Viviane Reding, que, em entrevista ao jornal francês Le Monde, publicada dia 22 de janeiro deste ano, afirmou que a União Europeia “não bloqueará jamais a internet” para proteger os direitos autorais – uma referência à manifestação mundial contra a suspensa aprovação dos projetos de lei pelo Congresso dos Estados Unidos. “A proteção dos criadores não deve jamais ser usada como pretexto frente à liberdade da internet”, afirmou a comissária.
História nebulosa
O ACTA foi negociado secretamente desde 2007 e oficialmente formalizado em 1º de outubro de 2011, com a adesão de Austrália, Canadá, Cingapura, Coreia, EUA, Japão e Nova Zelândia. Originalmente focado no combate a produtos falsificados, o acordo, ainda nas discussões iniciais, passou a incorporar o comércio de bens imaterias. A versão final, negociada e firmada fora do âmbito das Nações Unidas, dedica um capítulo à internet.
As regras defendidas pelo ACTA estimulam que os provedores adotem políticas preventivas em relação a conteúdos protegidos por direitos autorais; propõem aos países-membros desenvolver políticas de aproximação entre provedores e portadores de direitos autorais para que aqueles possam lidar adequadamente com patentes, marcas e copyright; e sugerem proteção legal às medidas tecnológicas (dispositivos de proteção) adotadas pelos detentores de direitos autorais para impedir o acesso não autorizado a seus trabalhos. O tratado, observam seus críticos, não atenta apenas contra a liberdade de expressão e manifestação na rede, invadindo a privacidade dos internautas. Representa um risco para a saúde pública mundial porque, com base na proteção do direito autoral, pretende limitar o acesso à fabricação de medicamentos genéricos, como observou o deputado Arif na nota em que se demitiu de seu cargo de relator no Parlamento Europeu.
O maior problema do ACTA, na avaliação de instituições como a Electronic Frontier Foundation (EFF) ou a La Quadrature du Net, é o que não se sabe sobre o acordo. Segundo o jornal inglês The Guardian, para aderir ao ACTA os países europeus (à exceção da França, que já adotou legislação nesse sentido) solicitaram que fosse retirada a exigência de se desligar da rede o internauta que por três vezes fizesse download de material protegido por direito autoral (chamado three strikes). No entanto, de acordo com informações obtidas pelo grupo ativista EFF, entre as alterações que estão sendo discutidas recentemente pelos integrantes do ACTA estão medidas mais incisivas para ampliar o compromisso dos provedores de internet em fiscalizar os internautas infratores do direito autoral, como adoção de novos filtros de conteúdo e o “banido” three strikes.
O ACTA é apontado por muitos como pior que o projeto de lei SOPA, da Câmara dos Estados Unidos, que pretende punir os sites estrangeiros, acessados por cidadãos estadunidenses, que ofereçam conteúdo protegido por direito autoral. Isso porque está acima das leis dos países. “Como membro do Congresso dos Estados Unidos, afirmo que (o ACTA) é mais perigoso que o SOPA, porque eu não vou poder votar nisso. Defensores alegam que o ACTA não muda leis existentes, mas, quando implementado, esse acordo cria todo um novo sistema de fiscalização e execução que será praticamente impossível de ser desfeito (pelo Legislativo do país)”, afirmou o deputado republicano daquele país, Darrell Issa, segundo o site especializado Mashable.
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