Conexão Social – O Brasil na luta mundial contra a pornografia infanto-juvenil

O site HotLine-BR, criado pelo Cedeca-BA, para centralizar denúncias contra práticas de pornografia na internet envolvendo crianças e adolescentes, agora faz parte de uma rede internacional de combate a esses crimes.



O site HotLine-BR, criado pelo Cedeca-BA, para centralizar denúncias
contra práticas de pornografia na internet envolvendo crianças e
adolescentes, agora faz parte de uma rede internacional de combate a
esses crimes.

Verônica Couto

O HotLine-BR (www.denuncie.org.br) é um site
para apresentação de denúncias de crimes de pedofilia e prostituição
infanto-juvenil na internet. Em outubro do ano passado, passou a
integrar a rede mundial InHope, composta por 24 HotLines, de 21 países,
formada para estimular a cooperação internacional e o desenvolvimento
de modelos e práticas de combate a esse tipo de crime. A página
brasileira foi criada pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente
Yves de Roussan (Cedeca-BA), com apoio do Fundo Canadá (do governo
canadense), e é mantida pela ONG Safenet. É a primeira entidade da
América Latina e do Caribe a ingressar na InHope. Desde que entrou no
ar, em maio de 2005, já recebeu cerca de 3 mil denúncias.


Thiago Tavares, professor de Direito da PUC Salvador e coordenador
geral do portal brasileiro, explica que o HotLine-BR é parte de um
esforço conjunto de organizações públicas e não-governamentais do país,
para centralizar as denúncias de pornografia na internet que envolvam
crianças ou adolescentes. Recebe denúncias de todo o país e oferece
meios de acompanhar o seu desdobramento – saber, por exemplo, se o
endereço eletrônico denunciado foi retirado do ar, ou para onde foi
encaminado o processo. Além das denúncias feitas diretamente no site
(onde não é preciso se identificar), outra fonte de informações do
HotLine-BR é o Disque-Denúncia (0800-990500), coordenado pela
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (Sedh). As
denúncias chegam ao Disque, e são enviadas para o portal. Mesmo assim,
o governo federal não destinou, até agora, nenhuma verba para o
HotLine-BR.

A falta de recursos, segundo Thiago, explica a equipe pequena (eram
cinco, agora são só três pessoas, além de voluntários, principalmente
do Projeto Software Livre Brasil), que não dão conta da demanda – 15 a
20 denúncias por dia. Há uma fila de mil denúncias, conta ele, que
também acusa o governo federal de promover um “desmantelamento nas
políticas públicas de proteção aos direitos humanos no país”. Na
proposta do Orçamento da União para 2006, de acordo com o coordenador
do site, a Secretaria de Direitos Humanos deve receber apenas
12% do total de 2005. Além disso, seriam apenas dois policiais, em toda
a Polícia Federal, para atender a divisão de direitos humanos. “Dois
agora, porque, até setembro, era apenas um policial para toda a
divisão”, critica. Os demais HotLines têm, da Comissão Européia, cerca
de 8 milhões de euros para investir até 2008 – recursos exclusivos para
sites europeus.

No balanço de atividades da Polícia Federal em 2004, publicado em 2005,
registra-se 56.390 inquéritos instaurados naquele ano, dos quais 36.839
referem-se a crimes contra o patrimônio – fazendários, fiscais, contra
o sistema financeiro, lavagem de dinheiro, etc. Das denúncias de
pedofilia (4.638 em 2003 e 5.475 em 2004), foram gerados 81 inquéritos
– e nenhum se traduziu em alguma operação efetiva, afirma Thiago. A
pedofilia, diz ele, movimenta US$ 4 bilhões por ano. Mas, na cartilha
de segurança publicada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, ele
lamenta que não tenha merecido nenhuma referência. “Há três meses,
estamos checando a razão social e os CGCs de 40 domínios .com.br que
são usados para pornografia infantil, para ver se conferem com os dados
da Receita Federal. Porque, atualmente, não é preciso apresentar nenhum
documento para registrar um domínio brasileiro”, afirma. Ou seja, na
avaliação de Thiago, as políticas nesse campo priorizam questões
patrimoniais, e não os direitos humanos.

No site do HotLine, há várias orientações de segurança: os “dez
mandamentos do jovem internauta” (tradução do francês Association
Action Innocence); um guia para pais ou responsáveis (de texto
disponível no site da Associação dos Provedores de Acesso
Canadense-Caip); e uma advertência para que os responsáveis pelas
crianças e jovens fiquem atentos às agências de modelos infantis.
Thiago acredita que o ingresso do site brasileiro na InHope vai
facilitar o encaminhamento de denúncias que tenham origem ou
ramificações em outros países, além do intercâmbio de informações sobre
as novas formas de distribuição e rastreamento de conteúdo ilegal na
internet, como telefonia celular e jogos eletrônicos.

Como membro da InHope, o Brasil, por sua vez, tem que enviar relatórios
sobre as ações de enfrentamento à pornografia infanto-juvenil na
internet. O primeiro relatório quantitativo, com a evolução das ações
governamentais, policiais e privadas, deve ser apresentado ainda neste
mês de janeiro. A InHope é financiada pela Comissão Européia (cerca de
80%). A candidatura brasileira à entidade teve apoio da empresa de
software CA-Computer Associates, que patrocinou a ida de Thiago ao
encontro da InHope, na Grécia. E o site foi totalmente desenvolvido em
software livre.

Política para telecentros

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece, em seu artigo
241, que é crime “apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou
publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de
computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou
cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente.” Na verdade,
o artigo foi alterado em 2003 para incluir expressamente a internet.
Para Thiago, as comunidades virtuais “reforçam o mito do anonimato e da
impunidade”. Mito, porque, diz ele, o anonimato não existiria, já que
os provedores dos serviços têm o cadastro com os números IP de cada
máquina.


Nos telecentros, contudo, esse controle seria quase impossível, a não
ser, destaca Thiago, se houver uma política consistente de cadastro. “A
maioria absoluta dos centros públicos de acesso à internet brasileiros
tem uma política precária de cadastro, que deveria ser uma norma
constante de segurança. Muitas vezes, não registram o endereço IP das
máquinas; só o do servidor, o que impede a identificação do usuário”,
afirma o coordenador do HotLine-BR. “É o mesmo problema do pré-pago,
quando ainda não havia a obrigatoriedade do cadastro do assinante; e
ainda das redes wireless, nos hotéis”, diz. Com essa preocupação, a
equipe do HotLine-BR está dando uma capacitação específica para os
gestores do Identidade Digital, infocentros do governo estado da Bahia,
que oferece um atalho para acessar o HotLine brasileiro.