Conexão Social – O coco zambê de Pipa chama pelo Celular

Projeto no Rio Grande do Norte produz ringtones em escala comercial
para grandes operadoras, ajuda a comunidade local e a preservar a
cultura regional.
João Luiz Marcondes e Vitória Guimarães

É possível que um projeto socio-educativo produza conteúdo para
celulares e entre na competição com as grandes empresas nacionais e
internacionais? Segundo o centro de pesquisa Cidade do Conhecimento, da
Universidade de São Paulo (USP), sim. A primeira experiência do tipo já
é uma realidade. Trata-se do projeto Pipa Móvel, no Rio Grande do
Norte. Ali são produzidos, em escala comercial, wallpapers e ringtones
para celulares dos clientes das operadoras  Vivo, Oi, Telemig
Celular, Amazônia Celular, Sercomtel e CTBC, que já podem baixar o
conteúdo da rede.

O projeto nasceu graças a uma parceria com a Cidade do Conhecimento,
que, em 2003, instalou um telecentro na praia de Pipa, que fica no
município de Tibau do Sul. A partir daí aconteceu uma aproximação com
lideranças da comunidade, estudantes e professores que, posteriormente,
formaram uma ONG, a EducaPipa. Essa, aos poucos, está assumindo a
gestão do projeto. No futuro, a meta é que não exista mais a
interferência da USP.
“Queríamos testar idéias fora de São Paulo. Pensando no Brasil, onde
está o maior índice de desigualdades? Nordeste. Não é só onde está a
maior pobreza, mas a maior desigualdade. Dentro do Nordeste, foi
escolhido um dos vetores de desenvolvimento que é o turismo”, comenta o
professor Gilson Schwartz, diretor da Cidade do Conhecimento. “Através
de educação, cultura, ciência, tecnologia e conhecimento, o projeto
visa produzir uma reengenharia das cadeias produtivas que favoreça a
geração de oportunidades de emprego, renda e investimentos em Pipa e
região, enriquecendo o calendário turístico local de forma sustentável,
com ênfase no uso das novas mídias digitais”, complementa.

Mestre Geraldo

Itamar Vidal, músico que
transforma ritmos tradicionais
em ringtones.
A iniciativa conta com um investimento de R$ 500 mil da Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Para
viabilizar o projeto, a Cidade do Conhecimento fez parcerias com
agregadoras de conteúdo. Uma delas é a Takenet, cujos conteúdos podem
ser acessados no portal Lokomix. O preço cobrado varia entre R$ 2,50 e
R$ 5,00 por download. À exceção da Oi, os clientes de todas as
operadoras baixam wallpapers e ringtones nesse portal. No caso da
operadora do grupo Telemar, a agregadora é a Compera, e o preço é de R$
2,99, com 40 papéis de parede disponíveis.

Além do ringtone do coco zambê, espécie de embolada que tem na figura
do Mestre Geraldo um ícone em terras potiguares, pode-se obter imagens
produzidas por artistas da comunidade, tais como pinturas, afrescos
religiosos, desenhos feitos por crianças, fotografias de artesanato, do
litoral, da fauna e flora locais. Metade do lucro vai para a operadora,
25% para a agregadora e os outros 25% vão para a comunidade, por meio
da ONG EducaPipa. No quinhão da comunidade, paga-se uma quantia aos
autores das obras a título de direitos autorais.

Em São Paulo, durante evento da Cidade do Conhecimento, em novembro, no
Memorial da América Latina, estudantes e professores da rede pública
assistiram o processo de transformação da tradição do coco em ringtone
de celular. A oficina foi ministrada pelo músico Itamar Vidal.
“Manifestações culturais como o zambê correm o risco de morrer, se não
forem estimuladas”, explica Vidal. “Ao mesmo tempo, tínhamos que dar a
essa música uma visão utilitária. Ou seja, motivar a pessoa a atender o
telefone”, completa ele, que fez a transposição dos tambores para o
celular, em formato MIDI.

Durante a oficina, o universitário George de Souza, de 21 anos,
arriscou uns batuques em um instrumento de percussão, que foram
devidamente transportados para um computador e transformados em um
rústico ringtone por Vidal. “É muito bom poder estar aqui e ficar por
dentro das novas tendênciais em tecnologia da informação, arte e
cultura”, elogiou o rapaz, que estuda gerenciamento de banco de dados
e, além de aficcionado por tecnologia, é apaixonado por música.

Uma visão de negócios

Para o projeto Pipa Móvel foi utilizada a consultoria de negócios e
posicionamento em TI da Accenda, contratada pela Cidade do
Conhecimento. Segundo Paulo Henrique Ferreira, diretor de comunicação
da empresa, a idéia é fazer com que o turista que vai até Pipa carregue
para casa um souvenir móvel. “É claro que o projeto está começando e,
por enquanto, a remuneração para a comunidade não é significativa”,
analisa Ferreira. Porém, ele lembra que essa ação é importante por ser
pioneira e ter potencial para se espalhar pelo país. “A intenção é
competir em pé de igualdade com grandes produtores de conteúdo”,
vislumbra.

Oficinas de batuques
para celular.
De acordo com a diretora da ONG EducaPipa, Norma Fagundes, a
importância do projeto vai além da comercialização, via celular, da
cultura local. “Fico admirada com o interesse dos meninos e meninas com
o resgate das tradições. Muitos se afastam das drogas depois que entram
em alguma oficina”, comenta. E as atividades são muitas, além de um
telecentro que atende de 300 a 400 crianças e adolescentes por mês. Até
os turistas se valem dos computadores e acesso à internet gratuitos,
embora Norma sempre dê um jeitinho de dizer que eles estão ocupados.
“Eles podem pagar o preço de um cibercafé ou uma lan house”, justifica
ela.
Através do EducaPipa, jovens podem ter aula de drama, na realidade um
grupo de teatro cantado (a Lapinha), onde só atuam mulheres. E caso a
tradição portuguesa fosse seguida à risca, apenas virgens estariam
aptas a pisar no palco. Mas esse quesito foi atenuado pela professora
Norma Fagundes, para garantir uma maior adesão das garotas locais. Além
disso, há grafite, pesca oceânica, educação ambiental, e, é claro, coco
zambê.