Conexão Social – O dia-a-dia nas salas de aula

As cinco escolas do pré-piloto do UCA enfrentaram vários problemas e acharam soluções

ARede nº61, agosto 2010 – Uma avaliação das experiências do pré-piloto do programa Um Computador por Aluno (UCA) foi financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Sob a coordenação da Fundação Pensamento Digital, pesquisadores e educadores acompanharam o dia-a-dia nas cinco escolas públicas participantes, das cidades de Brasília (DF), Palmas (TO), Porto Alegre (RS), Piraí (RJ) e São Paulo (SP).

Três relatórios já estão disponíveis, na página do programa, na internet: contexto da escola, infraestrutura e gestão da escolar. Em breve, devem ser publicados também os relatos sobre vivências pedagógicas, fotos e vídeos das atividades, e os depoimentos de alunos, gestores e professores.

Sem conexão, nada feito
A preparação da infraestrutura da escola para receber o UCA deve levar em conta desde o acesso à internet até o armazenamento dos laptops, passando pelo mobiliário. É fundamental que a questão tecnológica não prejudique as atividades, principalmente nos primeiros dias. “O professor se dedica, prepara uma boa aula, se compromete. Se na hora H a internet cai, é um desgaste enorme. Temos de ter cuidado para evitar as frustrações. O professor precisa de um certo encantamento”, diz Marta Voelker, da Fundação Pensamento Digital, responsável pela coordenação do trabalho de avaliação do pré-piloto. Marta lembra que Piraí (RJ), onde havia melhor infraestrutura, foi onde a experiência teve melhor continuidade. A especialista define a equação em poucas palavras: “O UCA precisa gerar mudança e, para sustentar a mudança, o equipamento precisa funcionar”.

Conexão não é problema, adianta José Luiz Aquino, assessor da Presidência da República para o projeto UCA. Ele informa que cerca de 40 mil das 140 mil escolas públicas brasileiras já estão conectadas em banda larga. Acrescenta que todas receberão conexão, por meio de acordos assinados com as operadoras de telefonia que operam no território nacional. “Os links fornecidos atualmente são de 2Mbps. Mas até a metade de 2011 as operadoras serão obrigadas a levar às escolas a melhor condição que forem capazes de praticar nas localidades. Ou seja, se a operadora vender 40 Mbps em determinada cidade, vai ter de colocar essa velocidade na escola pública daquele município”, diz Aquino.

Mas a conexão não é tudo. A cobertura sem-fio, aponta o relatório do BID, requer um rigoroso diagnóstico técnico da escola que vai receber o UCA. Em Brasília (DF), por exemplo, uma situação inusitada levou à reforma de várias instalações: como a escola é construída com placas de concreto, o sinal sem-fio não passava. Foi necessário refazer a rede lógica interna, colocando pontos de acesso em cada sala, além de podar árvores no entorno do prédio. Pontos de acesso simples foram instalados também em Palmas, Porto Alegre e São Paulo. Uma experiência positiva, recomendada no relatório de avaliação, foi a de Piraí, que adotou cabos irradiantes, com excelente custo-benefício.

Armazenar e carregar as baterias dos laptops foi outro problema comum. Perdia-se muito tempo com o deslocamento dos equipamentos para as classes e com o carregamento das baterias. Palmas e Piraí resolveram o assunto mandando fazer armários específicos para guardar os portáteis dentro das próprias salas de aula. Além de possibilitar que os laptops estivessem à mão rapidamente, quando as crianças precisassem, os armários continham tomadas para carregar simultaneamente as baterias. Só que, para isso, foi preciso rever as instalações elétricas em todas as salas.

Móveis e suporte técnico
Outro ponto para prestar atenção: o mobiliário. As carteiras precisam ser adequadas, ou os laptops certamente vão cair no chão muito facilmente. As carteiras de um braço só não servem. As mais indicadas são as que têm mesa acoplada. Além disso, o uso dos laptops estimula uma nova dinâmica na classe. Os alunos se reúnem em grupos, trocam de lugar para se ajudar uns aos outros, trabalham ora sozinhos, ora em pares, ora em turmas. “O espaço físico da sala é da maior importância”, alerta a pedagoga Maria Elizabette Brizola Brito Prado, do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIEd), na Universidade de Campinas (Unicamp), avisando que, “se a carteira estiver presa ao chão, não vai funcionar”.

Em Porto Alegre, entusiasmada com a novidade, a comunidade escolar realizou um mutirão e reformou os ambientes de estudo. Foi feito um cantinho de leitura e um cantinho para os laptops, com tapetes doados pelas famílias, estantes de livros feitas com caixas de sapatos, almofadas confeccionadas pelas mães.

A questão de manutenção e suporte dos laptops foi uma preocupação de professores e gestores. E com razão. Esse é um problema local, de acordo com os termos do programa UCA. De responsabilidade da escola ou do órgão público gestor, que é uma secretaria de Educação estadual ou municipal. O laptop tem um ano de garantia, dado pelo fabricante. As escolas devem receber uma pequena quantidade de máquinas excedentes, para reposição. Mas o dia-a-dia tem de ser tocado com recursos próprios. Em Palmas, uma solução caseira fez sucesso: a escola aproveitou as próprias competências dos estudantes. Foram capacitados alunos-monitores, que ajudavam os professores nas atividades. Esses alunos-monitores foram eleitos pela comunidade e se revezavam, de tempos em tempos, porque a ideia foi tão empolgante que despertou o interesse de muitos candidatos.

Formação permanente
Por conceito, o UCA obriga a comunidade escolar a repensar o jeito de dar e de receber aulas. Assessora do Ministério da Educação no programa UCA, a professora Léa Fagundes contou, durante a apresentação no FISL11, uma história que ilustra bem a proposta de educadores, como ela própria, que trabalham na implantação do programa junto às escolas. E também mostra de que forma essa “revolução educacional” começa a se dar, no ambiente escolar. Uma das professoras da escola gaúcha se confessou angustiada: “O que eu vou fazer quando meus alunos estiverem com esses computadores nas mãos? Eles vão querer navegar na internet. Eu não vou mais dar aula!” Ao que a professora Léa respondeu: “Mas… ótimo, não precisa dar aula!”

Pelo menos, não precisa mais dar uma aula como se conhece até aqui, baseada em uma transmissão linear de saberes. Por isso, o relatório da avaliação financiada pelo BID enfatizou a necessidade de uma discussão pedagógica que vise a integrar o UCA no projeto político das escolas, com permanente capacitação de professores – e esse é um dos pontos fortes da segunda etapa do programa (ver reportagem publicada n’ARede nº 58). No pré-piloto, algumas experiências de adaptação à proposta pedagógica do UCA – que privilegia o trabalho por projetos – serviram para contribuir com a reflexão de como fazer o quê.

Na escola de Porto Alegre, tão logo se constatou que uma aula de 40 minutos não era suficiente para trabalhar com laptops, os educadores tentaram romper com a grade curricular, reorganizando radicalmente o horário. A mudança não durou muito. Mas ajudou a entender que é necessário, no mínimo, ter aulas duplas de cada disciplina. Em São Paulo, a mesma constatação. As aulas precisariam ser mais longas. Então, os professores passaram a negociar os horários entre si. “Isso resultou em uma enorme integração e compartilhamento sobre o que cada professor estava fazendo”, contou o professor Jorge Franco, orientador de Informática Educativa da EMEF Ernâni Silva Bruno, de São Paulo, acrescentando que “a interdisciplinaridade ficou fortalecida e eles passaram a trabalhar em parceria”.

Elemento decisivo para que as novas práticas educacionais, de fato, aconteçam, a formação dos professores para o uso das tecnologias educacionais deveria começar nos cursos de Pedagogia. A opinião é de Nelson Pretto, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, que elogia a iniciativa, mas aponta uma deficiência na estratégia de condução do programa como uma política pública: “Não podemos repetir os erros do ProInfo. Os laptops do UCA deveriam ser dados também às universidades e faculdades, para que os futuros professores se apropriem da ferramenta”.

O segredo é planejar
Todos os relatos das escolas citaram o apoio e a sensibilização dos gestores escolares como elementos essenciais para o sucesso do projeto, segundo descreve o relatório de avaliação. “O professor precisa destinar, no mínimo, 20% do seu tempo para planejamento”, sugere Marta Voelker, da Pensamento Digital.

Em São Paulo, foram usadas as horas da Jornada Especial Integral de Formação (JEIF). “Esses momentos foram aproveitados para intercâmbio entre docentes e também entre a coordenação, a direção e os professores”, informa o professor Jorge Franco, de São Paulo. Franco explica que, nessa integração, os professores passaram a compartilhar mais o que estavam fazendo em sala de aula e também reforçaram os trabalhos em parceria.

Sem dúvida, a escola da capital paulista desfruta de uma condição privilegiada. Não são todas as redes de ensino municipais ou estaduais que dispõem de um horário desse tipo, que pode ser dedicado à implantação de um projeto. A pesquisadora Marta considera fundamental que o poder público se envolva e propicie as condições para que esse planejamento aconteça, “porque se trata de mudar uma política de educação”. O estado, a prefeitura, diz ela, precisam encontrar uma forma de regulamentar a atividade de planejamento. Ou seja, dar apoio ao trabalho do professor também fora da sala de aula. (A.L.)

ESCOLAS PARTICIPANTES DO PRÉ-PILOTO

 

 

Brasília(DF) Porto AlegreRS) Piraí(RJ) São Paulo(SP Palmas(TO)
Escolas Centro de Ensino Fundamental 1 EEEF luciana de Abreu CIEP Professora Rosa da Conceição Guedes EMEF Ernâni Silva Buenos Colégio Estadual Dom Alano Marie du Noday
Nºde alunos 950 432 398 1,200(participaram 900) 911
Conexão Escola em concreto pré-moldado prejudicou a captação do sinal sem-fio.Um computador recebe o sinal do ponto-de-acesso(AP,do inglês Access Point) e o encaminha via cabo para as salas de aula. Duas Redes de 256kbps Link de 1 Mbps link de 2 Mbps e cobertura sem-fio em toda a cidade Link MPLS de 1 mbps.Rede sem-fio instalada pelo UCA Link de 2Mbps e rede sem-fio com ponto de acesso conectado via cabo.