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conexão social – O que o Canadá pode fazer pelo Brasil?

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O que o Canadá pode fazer pelo Brasil?

Encontro estreita laços entre os países nas áreas de pesquisa, empreendedorismo e cultura digital – apesar das recentes denúncias de apoio canadense à espionagem dos EUA.
Rafael bravo Bucco

ARede nº 96 – janeiro/fevereiro de 2014

O que um país tem de quente, o outro tem de frio. O que um tem em mão de obra, o outro tem em tecnologia. As diferenças entre Brasil e Canadá foram mencionadas à exaustão durante os dois dias da Conferência Brasil-Canadá 3.0. O encontro, segundo já realizado, aconteceu em João Pessoa (PB), em dezembro, com o propósito de incentivar o intercâmbio de ideias, pesquisas, empresas e profissionais. Organizado por Associação Nacional pela Inclusão Digital (Anid), Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e governo da Paraíba, o evento reuniu 1,2 mil participantes no Centro de Convenções Poeta Ronaldo Cunha Lima. Na maioria, estudantes universitários e do ensino médio paraibanos. Do Canadá, vieram cerca de 50 pessoas, entre autoridades, acadêmicos e empreendedores.

Apesar de estarmos em um período em que o vigilantismo dos Estados Unidos é questionado mundialmente, o tema ficou na tangente, durante o encontro. Os representantes do Canadá, um dos países apoiadores da espionagem praticada por Tio Sam, evitaram o assunto. Preferiram focar nas oportunidades para os brasileiros que quiserem ir para o país fazer pesquisas ou criar empresas de tecnologia.

Carlos Afonso, representante da sociedade civil no CGI.br, tentou levantar a bola. Em um dos painéis, lembrou como novas tecnologias geram oportunidades para empreendedores inovadores. Ressaltou os benefícios para países em desenvolvimento da internet das coisas, aquela em que objetos se conectam e podem ser acessados por meio de um endereço único na internet. “Essa revolução de novos dispositivos embutidos até no seu relógio pode representar uma imensa janela de oportunidade para a chamada economia criativa”, disse. Mas as oportunidades podem desaparecer se não houver liberdade na rede, nem uma legislação clara que respeite a privacidade dos usuários. Para exemplificar, contou a história de uma empresa estadunidense que produz câmeras de vigilância. Descobriu-se que a empresa mantinha as câmeras registrando imagens, mesmo quando os usuários as desligavam. A partir da denúncia, “eles [a empresa] passaram a ter que prestar contas ao governo de suas ações”, explicou.

Afonso ressaltou ainda que todo o conceito de economia criativa pode ruir não apenas devido à bisbilhotagem, mas à ingerência política. “Os acordos internacionais de propriedade intelectual, dos quais sequer os Congressos dos paí-
ses envolvidos participam, são fechados entre os poderes executivos. Temos o risco, hoje, de uma reedição do Acta, que é o TPP”, observou. O Acta era um projeto de acordo comercial entre diversos países, liderado pelos EUA, que previa sanções para quem infringisse propriedade intelectual, entre outras coisas. Foi arquivado após forte pressão da sociedade civil.

Mas o TPP é uma ameaça real. Também prevê regras draconianas sobre uso de propriedade intelectual, impedindo o funcionamento da internet como se dá hoje, restringindo qualquer espécie de compartilhamento, inclusive de trechos de obras para pesquisa, além de punições severas para os infratores. “Um acordo desse tipo interessa apenas aos grandes produtores de propriedade intelectual, que são os EUA, e Europa em segundíssimo plano”, alerta Afonso. Os representantes do Canadá, signatário do TPP, não se manifestaram sobre o assunto – nem em cima, nem fora do palco. O TPP segue em negociações, secretas, entre 12 países banhados pelo Oceano Pacífico.

Os canadenses se concentraram em mostrar aos brasileiros, e nos convidar, a integrar o sistema de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias da informação e comunicação do país. Kevin Tuer, diretor da Canadian Digital Media Network (CDMN), contou a história da rede na qual trabalha. Explicou que a CDMN é uma iniciativa governamental composta por 27 pontos espalhados pelo país. Os locais funcionam como centros de pesquisa e incubadoras de empresas. São interligados ou localizados em universidades, e têm ainda fornecedores de serviços essenciais a empreendedores, como contadores. Desde sua implantação, nos últimos cinco anos, “foram criadas 961 empresas e foi gerado mais de 1 bilhão de dólares em riquezas no Canadá”, contou.

Um dos coordenadores do evento, Percival Henriques, presidente da Anid, lembrou que iniciativas semelhantes à CDMN devem ser realizadas, com urgência, no Brasil. “Precisamos incentivar meninas e meninos do Nordeste a se tornarem empreendedores. Eu preferia que aqui surgissem dois Steve Jobs a que achássemos novas bacias de petróleo”, falou. Segundo ele, o déficit na balança comercial brasileira atingiu R$ 5 bilhões apenas em software.

O paraibano Erisvaldo Júnior, fundador da startup Yupi, que esteve no Canadá em estágio para conhecer a CDMN, concorda com Henriques quanto à necessidade de atrair talentos nacionais. “É preciso juntar os jovens em uma incubadora, uma aceleradora, para que não pensem apenas em fazer concurso público ou ir para uma grande empresa”, disse, referindo-se aos estudantes de João Pessoa. 

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Stephane Larue, cônsul geral do Canadá no Brasil, comentou os resultados da parceria entre os países, intensificada em 2008. “Neste ano foi assinado um convênio entre Brasil e Canadá para licenciar tecnologia e inovação. São quatro setores: biologia, tecnologias verdes, tecnologia da informação, e tecnologia oceânica”, enumerou. Um grupo de trabalho integrado por representantes dos países definiu interesses para atuarem em colaboração. Segundo Fernanda Whitaker, assessora comercial do consulado do Canadá, a área de empreendedorismo progrediu bastante. “Estamos tentando aproximar aceleradoras brasileiras e canadenses para que haja uma troca de startups. A gente já fez uma troca de experiências em São Paulo, além da que estamos fazendo aqui”, contou.

Durante o evento, uma competição envolveu dez startups brasileiras e dez canadenses. As nacionais foram selecionadas pelos programas Start-Up Brasil e Aceleratech. Os vencedores vão conhecer o Communitech, um dos nós da CDMN. Pelo Canadá, o ganhador foi a Zighra, que trabalha com segurança para dispositivos móveis. A empresa brasileira premiada foi a eStoks, que criou um sistema de gestão e comercialização de estoques excedentes de grandes empresas.
 

Inclusão para todos

Um dos painéis abordou a inclusão digital de pessoas com deficiência, algo ainda distante, segundo Joana Belarmino, professora de comunicação social da Universidade Federal da Paraíba. “A sociedade e as corporações não conhecem a realidade dessas pessoas”, disse ela, que tem deficiência visual. Os problemas começam no apoio financeiro para iniciativas inclusivas. André Luiz Brandão, criador do Jecripe, um jogo para crianças com Síndrome de Down, explicou que o game foi feito em 10 meses com aporte, obtido por edital, de apenas R$ 48 mil do governo do Rio de Janeiro. “Para uma equipe de várias pessoas trabalharem por um ano, dá para calcular que não foi feito por dinheiro”, desabafou. 

O Jecripe ganhou diversos prêmios desde o lançamento, em 2010. Traz exercícios para desenvolver as habilidade de crianças com a síndrome. Ao executar exercícios, as crianças recebem orientações e recebem retorno de erros ou acertos. Uma segunda versão, com novos exercícios, está sendo desenvolvida, novamente, com estímulo de edital de 2012, também do governo do Rio de Janeiro. O primeiro game pode ser baixado gratuitamente no site www.jecripe.com.br. “Foram mais de 15 mil downloads, mas não temos ideia de quantas pessoas usam. Podem ser usos individuais ou em turmas”, lembra.

A próxima edição do evento já está sendo planejada pela Anid e pelo governo da Paraíba. O formato será semelhante, mas mudam as parcerias. Sai o Canadá, entram Alemanha, Coreia do Sul e Japão, que trarão delegações e jovens empreendedores ligados ao setor de Tecnologia da Informação. A data do próximo Brasil 3.0 será definida nos próximos meses, mas deve se manter no segundo semestre do ano. João Pessoa continuará a sediar o encontro. 

http://www.br30.org.br
*O repórter viajou a convite da Anid

Vem aí o Fisl15!

A OID também teve instalação de GNU/Linux, debates sobre programação e a inauguração da comunidade online (softwarelivre.org/fisl15) da próxima edição do Fórum Internacional Software Livre, que acontece entre 7 e 10 de maio, no Centro de Eventos da PUC-RS, em Porto Alegre. Este ano o evento foi antecipado por causa da Copa do Mundo.

 

A comunidade online do Fisl15 foi construída com o Noosfero, plataforma livre nacional, desenvolvida em parceria por USP, Serpro, UnB e programadores voluntários de diversos países. As inscrições já podem ser feitas, tanto para quem deseja participar, como para quem quer apresentar trabalho no evento – neste caso, a data limite é 28 de abril.