Conexão Social – Para onde vai o lixo


Uma proposta de Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que define a forma como o país vai fazer a gestão dos materiais resultantes das atividades humanas em sociedade, foi apresentada pelo deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), no dia 16 de junho.


Política de resíduos sólidos institui responsabilidade compartilhada na cadeia produtiva. Patrícia Cornils

Uma proposta de Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que define a forma como o país vai fazer a gestão dos materiais resultantes das atividades humanas em sociedade, foi apresentada pelo deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), no dia 16 de junho, a um grupo de trabalho criado para dar andamento a essa matéria. O projeto se refere a tudo o que deixamos de usar e jogamos fora: lixo doméstico, industrial, entulho de construção civil, produtos industrializados como baterias, óleos, computadores e celulares. Pretende criar um sistema de gestão e distribuição de responsabilidades para que esses materiais não sejam descartados de maneira poluidora, passem por processos de reciclagem e, na medida do possível, sejam reaproveitados. O relatório de Jardim deverá ser votado, ainda este semestre, no grupo de trabalho. Depois será levado ao plenário.

O Brasil não tem uma política de resíduos sólidos: o tema está em discussão desde 1991, quando a Câmara dos Deputados recebeu um projeto de lei sobre o acondicionamento, a coleta, o tratamento, o transporte e a destinaçã̃o final dos resí́duos de serviços de saúde. Um dos instrumentos de gestão desses resíduos é a logística reversa, que viabiliza a coleta e a restituição dos resíduos ao setor empresarial, para reaproveitamento em seu ciclo produtivo ou outra destinação ambientalmente adequada.

Quem tem mais de 40 anos lembra da devolução dos cascos, as garrafas de vidro, para serem reaproveitados, antes do surgimento das embalagens descartáveis – este é um exemplo de logística reversa. Outro são as latinhas de alumínio, que contam, hoje, com um sistema cuja ponta são os catadores. O artigo 33 da proposta do deputado Jardim lista setores obrigados a implantar sistemas de logística reversa: agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes. No relatório final foram retirados dois setores que estavam na lista, originalmente: lâmpadas fluorescentes e produtos eletroeletrônicos. Ficaram somente os segmentos em que uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) determina a obrigação de fazer logística reversa e a maneira de implementá-la. De acordo com assessores do deputado, a ideia é dar às resoluções do Conama a força da lei e estimular outros setores produtivos a definir seus processos. A logística reversa do segmento brasileiro de agrotóxicos, criada dessa maneira, é hoje uma referência mundial.

André Luís Saraiva, diretor de responsabilidade socioambiental da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), explica que “foi pactuado que setores e produtos que não tivessem resolução específica implementada não deveriam ser citados na política nacional”. Saraiva defende a existência anterior de uma resolução que defina, de forma exaurida, o comportamento de todos os agentes da cadeia, antes de se colocar a exigência em lei. “No setor de computadores, por exemplo, 40% do mercado é informal. Quem vai tratar os resíduos informais?”. Raciocínio semelhante, diz ele, vale para aparelhos de som e toda a gama de eletroeletrônicos importados e vendidos ilegalmente.

Saraiva entende que o parágrafo 6 do artigo 33, no texto de Jardim, deixa espaço para outros setores criarem sistemas de logística reversa. O texto diz que o titular do serviço pú́blico de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos pode, por acordo setorial ou termo de compromisso firmado com o setor empresarial, encarregar-se dessa logística, desde que devidamente remunerado. O compartilhamento de responsabilidades e do estímulo econômico para atividades de reciclagem e destinação apropriada dos resíduos é tratado em toda a proposta de Jardim. O relatório institui o princípio de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, abrangendo fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Essa é uma das inovações da lei brasileira: agrega o compartilhamento (um conceito de gestão) ao princípio do conceito jurídico “poluidor-pagador”, usado na legislação europeia, que define o fabricante como responsável pela destinação final dos produtos.

A gestão compartilhada envolve, também, as três esferas do poder público (União, estados, municípios), que ficam encarregadas de estruturar planos de gestão de seus resíduos adequados às suas realidades. A inovação, na lei brasileira, parte do princípio de que, com a responsabilidade compartilhada, pode-se fazer uma gestão mais eficaz dos resíduos. Um exemplo: pequenos municípios que não têm recursos para manter aterros sanitários podem fazer um plano conjunto de gestão. Outro: consumidores são estimulados a assumir um papel ativo no momento de comprar produtos e de contribuir, ao fim de seu uso, para levá-los a uma destinação apropriada.

Isso não desobriga os fabricantes de tomar iniciativas para reduzir o impacto de seus produtos. E aqui voltamos aos eletroeletrônicos. No Brasil, este ano, serão vendidos 12 milhões de novos computadores e notebooks. Em 2008, foram 12 milhões de computadores e notebooks, 53 milhões de aparelhos celulares, 11 milhões de tevês. Os celulares são trocados a cada 18 meses e os computadores, a cada quatro anos, em média. Até 2016, haverá a transição da TV analógica para a digital. Muitos aparelhos serão descartados. Para onde vão? De acordo com Saraiva, da Abinee, a associação está debatendo a necessidade de criar a Recicla Abinee, entidade de reciclagem a exemplo da Recicla Anip, criada pela Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (os pneus). Além disso, em 19 de junho, representantes do setor de meio ambiente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social visitaram a Abinee para discutir uma ação conjunta no segmento de reciclagem, com o banco, possivelmente, financiando a aquisição do caro maquinário necessário para desmontar equipamentos. São somente conversas iniciais, e depende da pressão da sociedade a velocidade com que essas coisas vão se concretizar.

Depende, também, de uma mudança na postura dos fabricantes. De acordo com o pesquisador Felipe Andueza, pesquisador na área de gestão ambiental e integrante do site Lixo Eletrônico.org, há uma falha de abordagem na procura pela sustentabilidade (inclusive econômica) do ciclo reverso. Para ele, a grande questão a ser debatida não é a que as empresas sempre colocam: quem vai pagar por isso? Perguntar-se “como” pagar seria mais produtivo. “Os programas de gestão ambiental em uma empresa podem ser vistos como uma fonte de gastos obrigatórios por lei, e dispendiosos serão se continuar a velha resistência às causas ambientais, baseada no discurso: isso sai muito caro”, escreve Andueza.

Entretanto, explica ele, “um sistema de gestão ambiental bem desenhado significa redução de desperdícios, diminuição do risco de acidentes, multas, redução do seguro, melhora da percepção da imagem e comprometimento da empresa por seus próprios colaboradores, comunidade local, clientes, organizações da área e poder público. Isso significa, em outras palavras, redução de gastos e aumento de competitividade, simplesmente”. Isso deveria ser levado em consideração na elaboração de um projeto para os resíduos eletrônicos. Para Andueza, há um outro componente importante na questão: os equipamentos de computação trazem, dentro de si, toda a sofisticada tecnologia desenvolvida para seu funcionamento. A atividade de desmontá-los, reciclá-los, entender como são concebidos é uma grande oportunidade de compartilhamento de conhecimento, formação de pessoas. Projetos como os Centros de Recondicionamento de Computadores (CRCs), parcerias do Ministério do Planejamento com entidades da sociedade civil, fazem isso. “Há um enorme potencial educativo, de apropriação tecnológica, na atividade de desmonte desses equipamentos”, constata.

A Universidade de São Paulo vai implantar, em agosto, um Centro de Descarte e Reciclagem de Lixo Eletrônico. “Há mais de 50 milhões de computadores e 120 milhões de usuários de celulares no país. O lixo eletrônico cresce em decorrência do descarte, estimulado pelo consumo de equipamentos cada vez mais modernos”, explica a professora Tereza Cristina Carvalho, diretora do Centro de Computação Eletrônica (CCE-USP), que coordena o projeto.

A aprovação da lei poderá estimular a iniciativa privada a tomar iniciativas mais abrangentes nesse segmento. Os deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Sérgio Nechar (PV-SP) enviaram suas sugestões ao relatório de Jardim. Ambos são favoráveis aos eletroeletrônicos serem obrigados a implantar sistemas de logística reversa.

www.lixoeletronico.org
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