Piratas à vista
Transparência de dados e liberdade na rede: Bandeiras do Partido Pirata do Brasil, que
se prepara para as eleições em 2016
Bárbara Ablas
ARede nº 96 – janeiro/fevereiro de 2014
Os ventos sopram a favor de mudanças no cenário político e na forma de governar. A novidade pode vir do mundo virtual. Fundando oficialmente em 2012 e criado na internet no ano de 2007, o Partido Pirata do Brasil (PPBr, ou simplementes Piratas) oficializou, em dezembro de 2013, o registro em cartório. Com isso, foi autorizado a iniciar a coleta de 500 mil assinaturas necessárias para formalizar a legenda PPBr junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os piratas têm até setembro de 2015 para alcançar essa meta a tempo de disputar as eleições municipais que acontecem em 2016. O livre compartilhamento de conhecimento e cultura, a transparência das ações do Estado e a garantia à privacidade dos cidadãos, principalmente na web, estão entre as principais bandeiras do partido. Em breve, o grupo deve enviar os nomes dos representantes aos Tribunais Eleitorais regionais.
A estratégia para o recolhimento das assinaturas está em planejamento, mas o partido aposta na união de esforço dos coletivos estaduais e na articulação com outros movimentos que apoiam os piratas. “Vamos mapear as pessoas que temos à disposição para fazer a coleta. Além de capilarizar o alcance por meio da internet e de outros movimentos que têm um bom diálogo com o partido”, informa Kristian Pasini, primeiro-secretário geral do partido. O Piratas tem hoje 500 integrantes com direito a voto e mais de dois mil simpatizantes articulados pela rede no país, estima Pasini.
Outra ideia é estimular os interessados em apoiar o partido a imprimir as fichas de assinatura em sua própria casa e entregar nos seus municípios. “A internet como ferramenta de comunicação tem limitações de infraestrutura e de qualidade no Brasil. Há lugares onde nem existe”, ressalta Paulo Rená, que está entre os fundadores do partido e os responsáveis pela proposta do Marco Civil da Internet. Entretanto, o entrave é também um dos pontos de partida da luta do PPBr – que defende, por exemplo, a responsabilidade do Estado de garantir o direito ao acesso à rede mundial de computadores com neutralidade no fluxo de dados e segurança para o usuário. “A difusão da internet é um dos nossos principais objetivos porque é um instrumento de potencialização da participação democrática”, enfatiza Rená.
Um exemplo do alcance da internet nesse sentido é a mobilização que os adeptos do Piratas para oficializá-lo: o PPBr é o primeiro partido político brasileiro construído via internet por financiamento coletivo. Foi assim que eles arrecadaram cerca de R$ 20 mil para as despesas administrativas exigidas pela lei como o registro de documentos no cartório e a publicação do estatuto no Diário Oficial da União, que custou aproximadamente R$ 12 mil. Seguindo à risca uma das máximas do Piratas, que é a divulgação total de dados públicos, o valor, o nome de cada doador e o encaminhamento dos recursos foram publicados online. “A transparência não é uma prática entre os partidos. Já com o Piratas, além dos recursos, todas as decisões seriam publicamente resultado de uma tomada de decisões coletiva”, exemplifica Rená.
Na prática, a proposta dos piratas é ampliar a participação dos cidadãos no processo democrático por meio de votações online. Além dos projetos tramitarem sem sigilo algum, os parlamentares teriam de respeitar os resultados obtidos em fóruns virtuais. Também não haveria alianças com outros partidos, segundo os dirigentes. A coisa já funciona assim: todas as reuniões, deliberações e votações acontecem via bate-papos, redes sociais ou videoconferências. É pela rede também que os participantes elaboram de forma colaborativa os documentos, votam e decidem as diretrizes.
Os piratas chamam esse modelo de atuação política de “democracia líquida”. Segundo Pasini, é um sistema misto entre a democracia direta e a democracia representativa. “É a democracia direta adaptada à realidade de hoje, em que as pessoas podem participar da vida em sociedade e tomar decisões por meio da internet”, enfatiza. O sistema permitiria ainda que um eleitor transferisse seu voto a outra pessoa como um delegado, por exemplo, que represente seu interesse em determinado tema como direitos humanos ou diversidade de gênero. O voto também poderia ser revogado durante o debate coletivo online, caso o eleitor mudasse de opinião.
“Além disso, defendemos o emponderamento popular e a organização autônoma das pessoas. No ano passado, por exemplo, apoiamos abertamente o Movimento Passe Livre”, comenta Pasini. O secretário do PPBr relembra que militantes do partido participaram das manifestações populares que ocorreram em todo o país em 2013 contra a corrupção dos governos.
Rená também ressalta que, além das bandeiras ligadas a cultura digital, o PPBr surge nesse momento de insatisfação da sociedade com os partidos políticos e em meio a uma crise de representatividade: “Acreditamos que o único caminho democrático possível para contribuir com uma mudança é a fundação de um partido para atuar no Congresso Nacional e nas câmaras legislativas”.
www.partidopirata.org
www.pp-international.net
www.dw.de
Princípios e valores dos Piratas Brasileiros
- Acesso à rede mundial de computadores
- Colaboratividade
- Combate a todas as formas de discriminação e preconceito
- Compartilhamento de conhecimento
- Democracia plena
- Descriminalização da pirataria
- Educação embasada em valores éticos
- Estado laico
- Liberdade de expressão
- Fortalecimento de culturas locais como estratégia de desenvolvimento nacional
- Modelos de negócios que garantam a sustentabilidade ambiental
- Segurança digital para usuários da internet sem restrição de direitos
- Sistemas computacionais livres e uso do software livre pelo poder público
- Privacidade
- Transparência da gestão pública
- Universalização dos serviços públicos
No rastro do Pirate Bay
O PPBr é inspirado no Partido Pirata Sueco (Piratpartiet), criado por Rick Falkvinge, em 2006, e que deu origem aos demais piratas pelo mundo. No mesmo ano, tornou-se o terceiro maior partido daquele país em filiados e o primeiro a eleger representantes no Parlamento Europeu. Hoje, a Suécia tem dois deputados piratas eleitos. O movimento existe em cerca de 70 países; tem 32 partidos registrados oficialmente em 32 países, com representantes eleitos na Alemanha, na Espanha, na Suécia, na Suíça, na Áustria, na República Tcheca, na Finlândia, na Croácia e na Islândia.
Em 2012, Falkvinge esteve na 3ª edição da Campus Party, em São Paulo. Na época, o fundador do primeiro Partido Pirata do mundo acompanhou o ato de fundação oficial do PPBr realizado em Pernambuco, com militantes de 15 estados brasileiros. “A minha impressão de que o Brasil tem habilidade e capacidade para derrubar as atuais economias dominantes foi fortalecida”, escreveu Falkvinge em um artigo sobre a sua viagem, publicado em seu site pessoal.
Ex-funcionário de corporações de tecnologia como a Microsoft, Falkvinge criou o Piratpartiet no mesmo período em que o polêmico site Pirate Bay (considerado um dos maiores de transferência de arquivos do mundo) foi retirado do ar pela Justiça e seus fundadores, acusados de promover pirataria. Essa foi uma resposta às ações que empresas estadunidenses de conteúdo, principalmente estúdios e gravadoras, moveram contra o Pirate Bay. O fato repercutiu internacionalmente, chamou a atenção de ativistas pela liberdade na internet que combatem a indústria de copyright e atraiu eleitores para o Piratpartiet.
Recentemente, os piratas conquistaram mais uma vitrine no cenário político mundial. Em dezembro, uma delegação do Partido Pirata Internacional (PPI) – que representa partidos de 43 países, incluindo o Brasil – participou como observador da 9ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Bali, na Indonésia. Durante o encontro, o PPI defendeu um tratado internacional contra a vigilância de cidadãos e a inclusão de cláusulas para licenças livres no Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (na sigla em inglês, Trips). Outro campo de batalha pela frente são as eleições para o Parlamento Europeu, em maio. Partidos piratas de mais de 20 países articulados pelo PPI concorrerão com um programa único. A principal pauta em comum é a luta contra o Acordo Comercial de Combate à Falsificação (na sigla em inglês, Acta).
O destaque entre os europeus é o Partido Pirata da Alemanha (Piratenpartei), que se formou após o Sueco, e hoje tem 205 vereadores nas câmaras municipais do país, 45 deputados no Parlamento e aproximadamente 30 mil filiados.