Na feira de projetos de inclusão
social, uma diversidade de iniciativas: de projetos bancados pelo poder
público, como os provedores municipais gratuitos e as Ilhas Digitais, a
ações comunitárias e de empreendedorismo. Lia Ribeiro Dias
Com menos de um ano de
funcionamento, a Mídia.Com, projeto criado sob o guarda- chuva do
Iteva- nstituto Tecnológico e Vocacional do Aquiraz, já apresenta uma
relação de mais de uma dezena de clientes, entre os quais pesos-pesados
como Petrobras, Gerdau, Siemens, Ibama e Sebrae. Sua especialidade é
fazer apresentação institucional de empresas, de projetos, de
lançamentos de produtos e serviços, usando todos os softwares
disponíveis. Seu diferencial: a equipe é toda ela formada por jovens da
comunidade de Aquiraz, na região metropolitana de Fortaleza. Para eles,
a Mídia.Com não só é uma escola, como a porta para o primeiro emprego.
Os que descobrem no computador uma vocação tem, lá, um plano de
carreira: no primeiro degrau está o aprendiz; no topo, o diretor de
produção.
A apresentação do Projeto Ecoturístico da Reserva Extrativista de Batoque,
desenvolvida pela equipe do Mídia.Com.
O trabalho dos jovens da Mídia.Com (veja quadro) foi uma das atrações
da feira de projetos de inclusão social que integrou as atividades do
InfoBrasil, um evento de tecnologia da informação realizado em
Fortaleza, entre 30 de maio e 3 de junho. Embora modesta, a feira
revelou um conjunto de iniciativas governamentais e do Terceiro Setor
que mostram que a inclusão digital começa a ganhar escala no Ceará. Só
o Gesac, do Ministério das Comunicações (saiba mais), garante à conexão – e, em alguns casos, mais do que a
conexão – a 36 projetos no estado. O governo estadual tem o projeto
Ilhas Digitais, com 22 salas de informática na periferia de Fortaleza e
em alguns municípios do interior. O município de Sobral mantém, desde
2001, um provedor gratuito que tem 18 mil usuários, instalou dez
quiosques, para quem não tem computador e quer acessar à internet, com
máquinas doadas pelo Banco do Brasil (este ano estão sendo instalados
mais dez), e duas salas de informática no Liceu de Ciências de Línguas
Estrangeiras, onde são ministrados cursos para a rede pública. O
município de Tauá, no sertão dos Inhamuns, lançou, em abril, o projeto
Cidade Digital, que envolve um provedor público, um telecentro e sala
de videoconferência. E pretendia, segundo João Rolim, diretor de
tecnologia da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Científico,
Tecnológico e de Empreendedorismo, lançar a licitação para a construção
da infra-estrutura física e compra de computadores em julho. O projeto
vai ser desenvolvido com recursos do Ministério das Comunicações (R$
800 mil) e da prefeitura (R$ 40 mil).
Sem recursos públicos e apenas com o apoio da comunidade e de entidades
do Terceiro Setor, a Fundação Acood, de Massapê, montou um provedor, um
telecentro e uma rádio comunitária, que integram a Rede Pé Duro. O
provedor não é gratuito. “Pedimos contribuição porque não temos fonte
de financiamento”, conta Manoel Arnaud Peixoto, o Bael, presidente da
Fundação. Entre seus 43 usuários está a prefeitura municipal que paga
R$ 700,00 por mês, por seus 15 pontos, bem menos do que os cerca de R$
5 mil que pagava anteriormente à Telemar pelo link. O pontapé
inicial à Rede Pé Duro foi dado por uma ONG alemã, o Serviço Alemão de
Cooperação Técnica e Social, que doou R$ 30 mil para a Fundação Acood.
Com esses recursos, ela montou o provedor e se habilitou a participar
de um edital do Sebrae, em parceria com o CDI-Centro de Democratização
para a Informática, para montar um telecentro. Os computadores foram
Robinho do Mídia.Com: porta para
o primeiro emprego.
doados pelo Sebrae; o CDI cedeu as licenças de software do pacote
Office, da Microsoft. O telecentro, que funciona de segunda a sábado,
as 7h às 22h, recebe entre cem e 150 pessoas por dia, que são
orientadas por dois monitores. A hora de navegação custa R$ 1,50. “Esse
é um dilema. Como sustentar o telecentro e, ao mesmo tempo, atingir os
mais pobres, que precisam se incluir, aprender e não têm dinheiro para
pagar”, diz Bael, 37 anos, envolvido com o movimento popular desde sua
a adolescência. Foi militante da Pastoral da Juventude, passou três
anos no Movimento dos Sem Terra e, de volta a Massapê, envolveu-se na
organização da comunidade, enquanto cursava Pedagogia em Sobral.
Primeiro veio a Credinorte, uma cooperativa de crédito que atende
especialmente aos agricultores e artesãos – em Massapê, a agricultura é
basicamente de subsistência e o artesanato, em palha e barro. Depois, a
Fundação Acood. A última iniciativa foi a criação da Acredite, uma
agência de microcrédito para economia solidária, que concede
empréstimos até R$ 150,00.
No telecentro Pé Duro, até o começo de junho, ninguém conhecia o
software livre. Foi na feira que Bael conheceu o ambiente Linux. E não
perdeu tempo: combinou com um grupo de militantes a realização de um
evento em Massapê, ainda em junho. Já Francisco Matos, programador do
Instituto de Comunicação e Cidadania de Sobral, domina todos os
programas em software livre, porque essa foi a plataforma adotada desde
que a prefeitura municipal iniciou seu programa de inclusão digital, em
2001.
Foi também em 2001, que surgiu o primeiro projeto do programa Garagem
Digital, uma iniciativa da Hewlett Packard-HP com a Fundação Abrinq,
sempre em parceria com alguma ONG. No caso, a Associação Meninos do
Morumbi, em São Paulo.
Três anos depois, o projeto foi estendido ao Nordeste, mais
precisamente ao Ceará, com a inauguração de mais três “Garagens”. Duas
em parceria com os Centros Vocacionais Tecnológicos (CVTs) de São
Gonçalo do Amarante e Beberibe, e outra em parceria com o Núcleo de
Informação e Tecnologia (NIT) de Limoeiro do Norte. Os CVTs e os NITs
fazem parte do Instituto Centec – Centro de Ensino Tecnológico, criado
pelo Governo do Estado do Ceará em parceria com a Secretaria da Ciência
e Tecnologia. Essas unidades oferecem treinamentos e cursos de
capacitação ou profissionalizantes de curta duração, em nível médio.
Até o final de 2004, o programa Garagem Digital já havia formado 450
adolescentes, todos jovens de baixa renda, que não aprenderam só a
trabalhar com o computador, mas a desenvolver atividades em grupo, a
planejar uma tarefa, a cumprir prazos, a fundamentar suas opiniões, a
conhecer os seus direitos como cidadãos. Essa mesma metodologia, de
cruzar os conteúdos tecnológicos com temas transversais, está sendo
adotada nas “Garagens” do Ceará.
“O que eu mais gosto neste trabalho? É trabalhar com jovens e, a cada
projeto, trabalhar com assuntos completamente diferentes. Em um deles,
temos que aprender tudo sobre como exportar, em outro o tema é
preservação ambiental. O trabalho não vira rotina”, conta Anderson
Ribeiro Pires, 22 anos, diretor de produção do Mídia.Com. Anderson é o
único integrante da equipe do projeto que não é original da comunidade
de Aquiraz, na região metropolitana de Fortaleza. Ou não era, até um
ano atrás. Importado do interior de São Paulo, ele se considera meio
cearense. Filho de mãe nascida no Ceará, Anderson, aos 17 anos, foi
visitar os parentes e acabou ficando por mais de ano na comunidade de
Machuca, em Aquiraz. Lá começou a fazer um trabalho com informática e
foi assim que se aproximou do Iteva e de seu criador, o físico Fábio
Beneduce, especialista em energias renováveis e consultor do Banco do
Nordeste.
Anderson fez vários trabalhos de apresentação de projetos para o Iteva.
“Eles eram muito criativos, com muitos recursos gráficos. E uma de
minhas apresentações chamou a atenção do pessoal do Sebrae, que me
pediu para fazer uma apresentação de um projeto de exportação para Cabo
Verde. Esta experiência, em 2003, me levou à criação do Mídia.Com em
fevereiro do ano seguinte. Eu sempre fiz trabalho comunitário com foco
em energias renováveis. Achei que, embora não fosse minha
especialidade, poderia estimular um novo projeto que abrisse uma
oportunidade para os jovens de Aquiraz. Paradirigir o projeto,
convoquei o Anderson, que já tinha voltado para sua terra, em
Americana, no interior de São Paulo”, relata Beneduce.
Sara, rotinista; Fabio, o guru;
Robinho, aprendiz remunerado,
e Anderson, diretor de produção.
Já casado e com filho pequeno, Anderson atendeu à convocação e se mudou
para Aquiraz. E está muito feliz. O Mídia.Com funciona como uma
cooperativa de tecnologia digital, onde os jovens são treinados e têm
uma carreira pela frente. Todo o trabalho é discutido coletivamente e
os membros da equipe passam por avaliações bimestrais. “Todo mundo é
avaliado, inclusive eu”, assegura Beneduce, que já discute a criação de
outras células com a mesma metodologia. Com apoio do Sebrae, estuda a
montagem de uma célula na região de Sobral.
A filosofia de trabalho tem, como meta, estimular o empreenderismo dos
jovens, o trabalho cooperado e a
resultado do trabalho já realizado em 14 meses, a sede doMídia.Com,
instalado dentro de um sítio onde mora a família Beneduce, passou de
exíguos 17 metros quadros para 36 metros quadrados. São quatro
computadores e um estúdio de edição de som. Para 2006, a meta é chegar
a 15 computadores, uma área construída de 77 metros quadrados, e um
estúdio de edição de imagem. Mas a inovação mais aguardada é a chegada
da banda larga. “Com linha discada é muito difícil trabalhar com muitas
imagens”, diz Anderson.
Enquanto fala, Anderson, dono da maior remuneração da equipe – seis
salários mínimos – vai cobrando a
Ferreira, 19 anos, 2º grau concluído em 2004. Robinho entrou no projeto
em setembro do ano passado e, desde março, passou de aprendiz a
aprendiz remunerado, que ganha em média meio salário mínimo. “Mas como
estamos com muito trabalho, no mês passado tirei cerca de um salário
mínimo”, conta ele, informando que o Mídia.Com é uma oportunidade para
os jovens. “Aqui em Aquiraz só tem trabalho informal”, relata. Ao lado
dele, trabalha Sara, 17 anos, uma dos três filhos de Beneduce. Ela já
ocupa o cargo de rotinista, onde se enquadram os que já dominam todas
as rotinas dos programas usados nas apresentações. “Mas ela é boa mesmo
é na edição de som”, avalia Anderson, o diretor de produção.
www.iteva.org.br • Instituto Tecnológico e Vocacional do Aquiraz.
www.fundabrinq.org.br • Fundação Abrinq, sobre as Garagens Digitais.
www.centec.org.br
www.ici.sobral.org • Instituto de Comunicação e Informática, em Sobral (CE).
www.soma.ce.gov.br/ilhadigital • Sobre as Ilhas Digitais do Estado do Ceará.
www.taua.ce.gov.br • Prefeitura de Tauá (CE), com informações do Cidade Digital.