O gerenciamento da rede mundial, principal questão do Fórum de Governança, fica de fora da pauta de discussões. Carlos Gustavo Yoda – Carta Maior
Fórum de Governança da Internet (IGF, na sigla em inglês) se reuniu
entre 30 de outubro e 2 de novembro, em Atenas (Grécia), para dialogar
sobre políticas de governança ou de gestão da internet. Representantes
do governo e da sociedade civil brasileira afirmam, contudo, que o
debate central, a concentração de poder sobre a grande rede, não entrou
na pauta. A próxima reunião será em novembro de 2007, no Rio de Janeiro.
Para entender essa discussão, é importante retomar a origem da
internet, em 1969. O governo dos Estados Unidos queria desenvolver um
sistema para interligar computadores de uso militar. Assim surgiu a
Arpanet, um esquema de transmissão de informações divididas em
pequenos pacotes de dados, com o endereço do destinatário e
identificações que permitiam a remontagem da mensagem original.
Pouco tempo depois, a Arpanet passou a ser interligada com
universidades e outros institutos de pesquisa, dividindo-se em duas
redes — de uso militar e não-militar. Um sistema denominado IP
(Internet Protocol — Protocolo da internet) permitia o tráfego de
informações de uma rede para outra. Por meio da National Science
Foundation, o governo norte-americano investiu na criação de backbones
(espinhas dorsais), que são computadores conectados por linhas capazes
de dar vazão a grandes fluxos de dados, via fibra óptica, satélite ou
rádio. Também existem os backbones de empresas privadas,
conectadas em redes menores, de forma mais ou menos anárquica. É
basicamente nisso que consiste a internet, que teoricamente não tem um
“dono” específico.
Contudo, a internet como hoje conhecemos, com interatividade e conteúdos multimídia, só foi possível com a criação da World Wide Web,
que ganhou maior divulgação a partir dos anos 90. Atualmente, uma única
entidade é responsável por estabelecer as regras de uso e distribuição
de protocolos IP: a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers
(Icann), que se classifica como uma entidade sem fins lucrativos e de
âmbito internacional, mas é ligada ao Departamento de Comércio
norte-americano. Esses serviços eram originalmente prestados mediante
contrato com o governo dos EUA, pela Internet Assigned Numbers
Authority (Iana) e por outras entidades. A Icann, hoje, cumpre a função
da Iana.
Concentração de poder
A comunidade internacional, no entanto, questiona a concentração de
poder de governança da internet pelo governo dos EUA. Assim, na Cúpula
Mundial para a Sociedade da Informação, realizada em Túnis (Tunísia),
em 2005, foi aprovada a criação do Fórum de Governança da Internet
(IGF, na sigla em inglês), com a intenção de contrabalançar o poder da
Icann.
A entidade continua no controle da rede, mas o Fórum serve para que
outras iniciativas sejam discutidas em um âmbito mais internacional e
democratizante. Os Estados Unidos chegaram à Cúpula sem querer ceder e
acabaram isolados. A União Européia ficou ao lado de Brasil, China,
Índia e outros países favoráveis ao IGF.
A primeira reunião do Fórum aconteceu entre os dias 30 de outubro e 2
de novembro, em Atenas (Grécia). Enviado para representar o governo
federal, o gerente de Assuntos Estratégicos do Ministério da Cultura,
José Murilo Júnior, explica que o IGF tem uma estrutura aberta,
heterogênea e não-hierarquizada. Os principais temas em pauta são spam,
multilingualismo, censura, cybercrime, cybersegurança, questões de
gênero, privacidade e proteção de dados, liberdade de expressão,
direitos humanos, direitos autorais.
Segundo Murilo, nenhuma decisão importante foi tomada em Atenas.
Contudo, o primeiro encontro direcionou caminhos para novas discussões
e a correlação de forças no Fórum. “A questão que não quer calar é o
papel central da Icann em uma rede que tende cada vez mais à
internacionalização. Processos decisórios que afetam a todos precisam
de maior representatividade e transparência, e os esforços da entidade
nesse sentido não conseguiram apaziguar demandas pela
internacionalização do serviço manifestadas na Cúpula de Túnis por
vários países, entre eles o Brasil”, apontou o representante do governo
brasileiro.
Carlos A. Afonso, diretor de planejamento da Rede de Informações para o
Terceiro Setor (Rits) e um dos representantes das entidades civis sem
fins de lucro no Comitê Gestor da Internet no Brasil, afirma, no
entanto, que o grupo preparatório para essa reunião acabou cedendo a
pressões (de governos como o dos EUA, e de certos interesses
comerciais) para minimizar, se não impedir, discussões sobre a
governança da infra-estrutura lógica (nomes de domínio, números IP e
protocolos de interconexão e transporte de dados) da rede.
“Setores das Nações Unidas influenciados por grandes empresas de
telecomunicações e por alguns governos insistem na substituição da
Icann por um organismo intergovernamental, que seria a União
Internacional da Telecomunicação (UIT/ITU). Isso é repudiado porque a
UIT não é pluralista, nem global, e é basicamente controlada pelas
grandes empresas de comunicação”, disse Afonso.
Direitos da Internet
Um dos temas que avançaram em consenso foi o debate sobre a utilização
de outros alfabetos na formação de domínios, uma reivindicação
importante dos países asiáticos. Trata-se do multilingualismo, para o
qual a Icann já sinaliza soluções.
Como uma das principais contribuições do Brasil, ficou registrada a
Carta dos Direitos da Internet — idéia surgida em Túnis tendo entre
seus patrocinadores o ministro da Cultura, Gilberto Gil, integrantes do
parlamento italiano e a ONG IPJustice.org. “Como representante do
ministro, trouxe a reivindicação espontânea que nasce nos ‘Pontos de
Cultura’ (núcleos comunitários de produção cultural), pelo direito de
remixar cultura digitalmente”, avaliou Afonso.
Outros assuntos que despertam bastante polêmica referem-se ao direito
de acesso à informação e à liberdade de conhecimento — a busca por
padrões abertos, software livre e acesso livre ao conhecimento. “Essa busca se choca com os interesses das empresas de software
proprietário e das companhias que comercializam conteúdo utilizando
leis para definir os direitos de autor e os de propriedade intelectual
das distribuidoras de conteúdo. Com isso, limitam direitos de cópia ou
mesmo de visualização e audição de conteúdos”, destacou o
representante da sociedade civil no Fórum.