A inevitabilidade do contigenciamento dos recursos do Fust, assumida
pelo Ministério das Comunicações e até pelo Congresso ao longo dos
últimos quatro anos, recebeu um golpe com um acórdão recente do TCU. O
relatório diz que os recursos não foram gastos por incapacidade do
Minicom de definir política pública, determina uma série de ações a
serem cumpridas pelo ministério e sugere que a coordenação das
aplicações do recursos do Fust seja assumida pela Casa Civil. Mas as
determinações do TCU não impedem que os recursos sejam aplicados este
ano, na universalização do serviço de voz e dados até 64 kbps.
Lia Ribeiro Dias
Um relatório do Tribunal de Contas da União – TCU, que fez uma
auditoria no Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) para
saber por que seus recursos não foram utilizados nos últimos cinco
anos, deu mais munição ao lançamento, em dezembro, da campanha Fust Já,
por entidades da sociedade civil. Liderada pelo Comitê para a
Democratização da Informática – CDI, pela Rede de Informações para o
Terceiro Setor (Rits), pelo Movimento pelo Software Livre, Coletivo
Digital, Fase, Viva Rio, entre outras entidades, a campanha tem, como
objetivo, pressionar pela liberação dos recursos do Fust e estabelecer
uma gestão democrática e transparente para a aplicação do dinheiro
(veja a entrevista com Rodrigo Baggio, diretor-executivo do CDI).
Essa é a primeira manifestação organizada da sociedade civil pela
liberação dos recursos do Fust, um fundo formado pela contribuição de
1% da receita das operadoras de telecomunicações e de TV por
assinatura. O fundo já acumula quase R$ 4 bilhões, mas esses recursos
foram sistematicamente contingenciados pelo Tesouro, para ajudar a
fazer o superávit fiscal do governo. Em 2001, os recursos, da ordem de
R$ 1,2 bilhão, foram colocados no orçamento da União, mas acabaram não
sendo utilizados, porque a licitação lançada pela Anatel para conexão
de escolas (que receberiam também computadores), bibliotecas, postos de
saúde, unidades de segurança pública e áreas de fronteira foi
contestada junto ao TCU e acabou anulada. O contingenciamento começou
em 2002, com quase R$ 400 milhões, e foi aumentando ano a ano (veja o
gráfico).
Na proposta orçamentária para 2006, encaminhada pelo governo ao
Congresso, quase todos os recursos do Fust — a arrecadação anual média
do fundo é de cerca de R$ 650 milhões – estavam contingenciados. Mas o
ministro das Comunicações, Hélio Costa, negociou com o Planalto a
liberação de R$ 650 milhões, que foram incluídos no orçamento como
emenda da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, e a
expectativa é de que sejam garantidos no orçamento que vier a ser
aprovado.
Divulgado em dezembro, o acórdão do TCU, assinado pelo ministro-relator
Ubiratan Aguiar, tem duas partes. A primeira delas é mandatória, ou
seja, determina ao Ministério das Comunicações a adoção de uma série de
medidas e ações para que os recursos do Fust sejam efetivamente
utilizados. Essas determinações têm que ser cumpridas, sob pena de o
ministério ser submetido a punições. A segunda parte é uma
recomendação. No entendimento do TCU, a coordenação da elaboração da
política pública para a aplicação dos recursos do Fust e o
acompanhamento da efetiva aplicação dos recursos nos programas
definidos devem ser feitas pela Casa Civil, em função do grande número
de ministérios e órgãos do governo envolvidos. Isso demanda, na
avaliação do TCU, capacidade de articulação intragovernamental,
inerente às atividades da Casa Civil e não a um ministério. Além disso,
o relatório do TCU aponta a incapacidade do Minicom, ao longo dos anos,
de estabelecer uma política consistente para a aplicação dos recursos
do Fust, incapacidade esta que credita a dois fatores: falta de pessoal
qualificado e rotatividade de ministros no governo Lula, o que resultou
em descontinuidade das ações e mudança de estratégia.
Acontece que a recomendação do TCU vai na contramão da decisão do
presidente Lula, anunciada no início de agosto e concretizada no
decreto nº 5581, de 11 de novembro de 2005, que atribuiu ao Ministério
das Comunicações a coordenação dos programas de inclusão digital do
governo. Reivindicada pelo ministro Hélio Costa, a coordenação ainda
não saiu do papel. Segundo sua assessoria, só em meados deste mês ele
deverá iniciar os contatos com outros ministros, cujas pastas
desenvolvem programas nessa área, para discutir o funcionamento da
coordenação.
A determinação do TCU
Para o TCU, a lei do Fust não
impede o uso dos recursos
para conectar escolas à internet.
Em seu acórdão, o TCU determinou ao Ministério das Comunicações que, em
30 dias (que vencem no início de fevereiro), apresente um cronograma de
execução das ações propostas e, em 180 dias, “estudos e documentos que
contenham políticas, diretrizes e prioridades para aplicação dos
recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações – Fust”.
Esses estudos terão que conter um diagnóstico de necessidades de
universalização dos serviços de telecomunicações, a definição das ações
governamentais do Programa de Inclusão Digital que serão beneficiadas
pela aplicação dos recursos do Fust, a análise da relação
custo/benefício de solução para cada uma das necessidades
diagnosticadas, a previsão de alocação orçamentária a cada um dos
objetivos definidos como prioritários, as ações e programas
prioritários que receberão os recursos, entre outros pontos.
Na avaliação do TCU, a Lei do Fust não impede que seus recursos sejam
utilizados em projetos públicos de inclusão digital, ou seja, para
conectar à internet escolas, bibliotecas, postos de saúde, unidades de
segurança pública, regiões de fronteiras e programas voltados a
portadores de necessidades especiais, além do atendimento a localidades
com menos de cem habitantes, que são os arrolados na Lei do Fust como
possíveis beneficiários de seus recursos. Mas o TCU reconhece, também,
que, para aplicar os recursos no que chama de “redes digitais”, será
necessário criar um novo serviço público de telecomunicações, por meio
de concessão. Hoje, o único serviço público é o serviço telefônico fixo
comutado (STFC), ou seja, a telefonia de voz e dados até 64 kbps
prestado pelas concessionárias Brasil Telecom, CTBC Telecom (Triângulo
Mineiro), Embratel, Sercomtel (Londrina), Telefônica e Telemar. Pela
Lei do Fust, os recursos não podem ser aplicados em serviço de
telecomunicações prestado em regime privado, como é o caso da telefonia
celular, entre vários outros, ou em projetos de inclusão geridos pela
sociedade civil ou pelo Terceiro Setor. Para mudar a destinação dos
recursos do Fust, será preciso mudar a lei.
O projeto para 2006
Como não haveria tempo hábil para se criar um novo serviço público para
a aplicação dos recursos do Fust neste exercício – e a criação de um
novo serviço não é consensual, apesar da recomendação do TCU –, o
Ministério das Comunicações pretende usar os recursos que estiverem
garantidos no orçamento em programas de universalização do STFC. A
expectativa dos técnicos do Minicom era concluir, até o início de
fevereiro, o planejamento de onde e como os recursos serão aplicados.
No início de janeiro, a equipe da Secretaria de Telecomunicações
avaliava todos os programas a serem contemplados, de acordo com a Lei
do Fust, para definir as prioridades de atendimento. Ou seja, que
programa ou programas vão ser atendidos, as razões da escolha, quantos
pontos vão ser cobertos, de que forma, como os recursos serão aplicados
e como os recursos serão desonerados ao longo do tempo, uma exigência
da Lei. Entre as prioridades, estão as escolas públicas que não têm
telefone e as localidades da zona rural. Para não oferecer apenas o
serviço de voz, os técnicos do Minicom estudam alternativas
tecnológicas que permitam, dentro das limitações legais do STFC, levar
o acesso à internet em banda larga. Uma das hipóteses ventiladas é a
utilização de um dispositivo para prover banda larga de 256 kbps por
meio de quatro linhas telefônicas discadas.
Paralelamente ao diganóstico e definição de prioridades para a
aplicação dos recursos do Fust em 2006, a Secretaria de
Telecomunicações, que já manteve contato com os técnicos do TCU,
trabalha para atender às recomendações do acórdão. Mas os técnicos
dizem que, embora as determinações do acórdão do TCU sejam mandatórias,
elas não impedem a aplicação imediata dos recursos que forem liberados
no orçamento. Esse também é o entendimento do TCU. “O relatório do TCU
não pode ser visto como um impedimento ao uso dos recursos do Fust
neste ano. Mas, para que eles sejam utilizados, o Ministério das
Comunicações terá que identificar as demandas de universalização,
justificar a prioridade ou prioridades escolhidas e definir uma
política pública. Terá que dizer como os recursos serão aplicados, quem
será beneficiado, a relação custo/benefício e como será a desoneração
ao longo dos anos do que está sendo investido”, explica um técnico do
TCU. Sem um diagnóstico bem feito, na sua avaliação, os recursos
acabarão não sendo usados – como aconteceu até agora.
O relatório do TCU é motivo de divergências entre técnicos do Minicom.
Não porque bateu duro no Ministério das Comunicações. Mas porque o
relatório discorda da posição do Minicom de atribuir um alto risco
jurídico ao SCD – Serviço de Comunicações Digitais, cuja criação, como
serviço público, chegou a ser proposta pela Anatel. Para os técnicos do
TCU, a criação de um novo serviço público para prover serviços de redes
digitais atende totalmente ao que estabelece a Lei do Fust.
A discussão, contudo, não é só jurídica, como sugere um técnico do
Minicom. “Temos que discutir se o caminho é a criação de um novo
serviço público ou não. Criar um novo serviço público tem uma série de
implicações no modelo atual de telecomunicações. Tudo isso tem que ser
bem avaliado antes de se tomar a decisão”, afirma ele.
Gesac: 1,2 mil antenas serão deslocadas.
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)
ao contrato já assinado com a Vicom (vencedora da licitação realizada
pelo ministério, no final de 2004, para prover conexão via satélite),
para remodelar o Gesac (Programa de Governo Eletrônico – Atendimento ao
Cidadão). O objetivo do Minicom é racionalizar o uso das conexões à
internet banda larga providas pelo programa. Primeiro, o Minicom quer
mudar o perfil de conexão de 1,2 mil de pontos instalados nas capitais.
A idéia é substituir por uma tecnologia mais barata (e isso será um dos
objetos da licitação ou do aditamento do contrato) e transferir esses
pontos de satélite para os municípios do interior.
Devido a dificuldades na comunicação com os responsáveis dos pontos
Gesac, a conclusão do recadastramento do programa, iniciado em outubro,
acabou demorando mais do que o previsto – só deveria ser concluído no
final de janeiro. Segundo Heliomar Medeiros de Lima, diretor de
Serviços de Inclusão Digital do Minicom, dos 3,2 mil pontos, 2.772
pontos atenderam ao recadastramento. Os outros 538 pontos tiveram a
conexão bloqueada pelo ministério, por falta de tráfego.
De acordo com a análise preliminar feita pelo Minicom, com base nas
respostas enviadas, de uma maneira geral, os responsáveis pelos pontos
consideram satisfatória a qualidade da conexão, embora façam ressalvas
aos micros utilizados, que muitos consideram “velhos e lentos”. Há uma
média de 7,3 micros disponíveis por ponto de presença, sendo que, em
média, há dois computadores parados por ponto. Dos 2.772 pontos, 1.990
responderam que são abertos ao público e 1.528 informaram não contar
com nenhum outro acesso banda larga nas proximidades.
Terminado o recadastramento, o ministério fará um tratamento nos dados
enviados e uma análise da situação geral do programa. No início de
fevereiro, o Minicom quer iniciar a instalação de um software de gestão
que permitirá o cadastramento dos usuários e o monitoramento dos
telecentros de forma mais ágil. O software está sendo desenvolvido pela
Universidade Federal de Minas Gerais e deverá resolver, em parte, a
dificuldade que o sistema de informática do ministério tem hoje de ler
os dados enviados pelos pontos de presença. (Cristiana Nepomuceno)