conexão social – Sempre é tempo de aprender

Sempre é tempo de aprender

Fundação abre horizontes para idosos e qualifica jovens e adultos para o mercado de trabalho a partir do ensino de informática.
Rafael Bravo Bucco

 

ARede nº 91 – maio de 2013

Quando Ana Maria Gimenes, 69, ia à feira, olhava para o prédio da Fundação Sérgio Contente, no Tatuapé, em São Paulo, e imaginava que ali funcionava uma “igreja de crente”. Um dia, diante do vaivém, resolveu entrar e perguntar o que de fato acontecia no edifício. Descobriu que a única crença, ali, é no poder transformador da educação. Convidada a fazer aulas de introdução à informática, aceitou. Assim, desde janeiro, frequenta oficinas nas quais aprende a se comunicar por meio de e-mail, redes sociais, entre outras novidades que até então não faziam parte de seu mundo.

“Entro em contato com minhas netas, porque elas não moram aqui. Eu ligo, fico vendo pelo Facebook. Não sei mexer em tudo. Tenho medo de apertar botão que não devo. Mas tô perdendo o medo. Comprei um notebook e fui mexendo. Sozinha, aprendi a ligar”, conta Ana, que se matriculou no curso juntamente com a sobrinha, Maria Antônia Mesquita, enfermeira de 57 anos. “Nem ligar o computador eu sabia. Agora, uso o Facebook, vejo clipes da Maria Bethânia e da Barbra Streisand”, diz Maria Antônia.

Ambas fizeram o curso Informática para a Maturidade, da Fundação Sérgio Contente, e hoje frequentam oficinas na lan house gratuita da organização. Nas aulas, professores voluntários passam as primeiras noções de tecnologia, mostram os passos para perder o medo da máquina e ensinam as funções básicas de um micro. “Apresentamos o sistema operacional, as partes do computador, como monitor, teclado, caixas de som, gabinete, como ligar, entrar na internet e ver e-mails”, diz Bergson Barnard, 21, monitor e professor do curso para a maturidade da Fundação.

O curso introdutório dura dois meses e é ministrado para 50 pessoas, a partir dos 60 anos, cada uma em um PC. As mulheres predominam. Quem já sabe usar o computador é orientado a seguir direto para as oficinas que acontecem na lan house, localizada a dois quarteirões da sede da Fundação, e onde há 50 máquinas para uso exclusivo dos idosos, diariamente, das 9h às 11h e das 14h às 16h30.

“Quando abrimos o espaço, não veio ninguém. Eles não queriam incomodar. Demorou para eles entenderem que deviam vir. Não adianta apenas montar a lan house, tem que guiar, criar oficinas, convidar para ensinar a mexer no Facebook”, diz Sérgio Contente, empresário e mantenedor da Fundação que leva seu nome. Ex-professor universitário, ele conta que teve dificuldade em encontrar alguém que o ajudasse a desenvolver um projeto pedagógico para ensinar tecnologia à terceira idade. Partiu para a prática e, até hoje, os monitores aprendem diariamente quais técnicas são mais eficazes. “Tem de tomar cuidado. Se o monitor falar que é fácil, pronto, já criou uma barreira. Os idosos têm diversos problemas. Muitos não ouvem direito e, para não incomodar, ficam quietos”, explica.

Para replicar o conhecimento pedagógico, os monitores recebem apostilas e orientação dos mais experientes. Todas as oficinas e aulas são ministradas ao menos por dois deles, um com experiência e um “calouro”. Kátila Cordeiro, 19, é uma das integrantes da equipe. Formada no curso técnico de Informática, dá aulas no módulo introdutório e oficinas sobre Facebook, Windows Movie Maker, Nero, manipulação de arquivos e de imagens. “A gente observa professores que estão há mais tempo na Fundação e, quando nos tornamos mais capacitados, damos aula”, conta.

A transmissão de conhecimento funciona, tanto que a Fundação atrai cada vez mais público. Já passaram pelas aulas cerca de 2 mil idosos desde 2010. A lan house vive cheia. O curso de introdução tem fila de espera com mais de 200 nomes. O segredo, garante Contente, é a abordagem. “Para o idoso é preciso focar na felicidade. Tudo é festa. Não se fala em doença, em notícia ruim. Aqui é só qualidade de vida, alegria o tempo todo. Estão colocando o cérebro para raciocinar em um passeio, uma festa, um ponto de encontro”, diz Contente.

Aracy Benetti Mituti, 69, representante comercial, adora: “Vim para ver se abre a cabeça, para não enferrujar os neurônios. A gente é super, super, bem-tratado, faz novas amigas, novas companheiras, então nosso horizonte realmente se abre. Isso faz muito bem pra gente”. Apesar de não ser o objetivo das oficinas, o aprendizado trouxe benefícios profissionais: Aracy se aproximou de clientes e de fabricantes pelo e-mail. Na lan house, mexe em micros com Windows XP, usa o navegador Chrome ou o IE9. As máquinas têm ao menos 1 GB de memória, processador de 2,4 GHz. O ambiente tem ainda conexão WiFi. Na sede, há outras 200 máquinas, com as mesmas configurações. A conexão para internet é tripla: um link fornecido pela Net, outro pela Ajato, e outro pela Vivo, cada um com 10 Mbps de velocidade.

Jovens de baixa renda também têm vez na Fundação. Aprendem tecnologia, mas com um foco diferente: a qualificação para o mercado de trabalho. São duas modalidades de formação. Um curso Extensivo, com duração de seis meses e carga de 500 horas, ou o curso Avulso, nos quais as disciplinas são dadas em separado. As aulas diárias, de segunda a sábado, abordam temas como Técnicas Administrativas, Escrita Fiscal, Informática, Contabilidade, e Departamento Pessoal. Podem participar jovens de 16 a 24 anos, com ensino médio e renda individual de até um salário mínimo.

Cada disciplina tem um coordenador, que é um professor universitário responsável pelo plano de ensino. As aulas ficam nas mãos de voluntários – profissionais atuantes no mercado ou professores de faculdades. Os jovens não podem faltar e precisam ter média mínima de 6 para receber o certificado. Todo semestre são abertas 450 vagas. No último processo seletivo, a disputa reuniu quase 2 mil inscritos. O primeiro curso foi realizado em 2006. Desde então, a Fundação formou 17 mil jovens. A seleção das disciplinas foi baseada na experiência de Contente como dono da empresa Contmatic Phenix, que desenvolve softwares contábeis.

O monitor Barnard é um dos ex-alunos. “Fiz o curso extensivo em 2012. Concluí no meio do ano e já surgiu oportunidade para vir para o projeto de inclusão digital”, diz. Priscila Cerdeira, 20, é técnica em informática e também monitora na lan house. Como Barnard, fez Contabilidade, Escrita fiscal, Departamento pessoal, Técnicas Administrativas e Informática. “Eu gostava de informática porque os professores pegavam pesado. Me interessei e fui estudar isso”, conta. No mural da Fundação, ficam listas de vagas de empregos em escritórios de contabilidade.

Além da sede, onde tem os cursos de introdução e de qualificação, da lan house no Tatuapé, outra na Mooca e mais uma na Penha, Contente mantém um caminhão que visita bairros de São Paulo e cidades do estado. Em cada parada, o veículo fica por dois meses. Equipado com internet via satélite e 30 computadores, leva um monitor que ensina aos líderes da comunidade a divulgar o curso e a trazer voluntários para ministrar aulas nas mesmas disciplinas do extensivo.

“Mas as aulas são mais curtas. O objetivo é os jovens arrumarem emprego antes de o caminhão partir. Se for embora sem ninguém conseguir emprego, então não atingimos nossa meta. Converso com os líderes da comunidade para se movimentarem”, diz Contente, que se orgulha de conhecer todos os contadores do estado, a quem contacta para participar das iniciativas e preencher as oportunidades surgidas nos escritórios com alunos da Fundação.

Só faltou curso para adultos inseridos no mercado de trabalho, né? Não! Em abril, Contente iniciou um projeto-piloto para alunos na faixa dos 40 anos com o objetivo de requalificá-los. “Eles estão com dificuldade grande de arrumar emprego. Quando querem alguém sem experiência, as empresas pegam os jovens, que são qualificados muito rapidamente. Na turma de 40 ensinamos a mesma coisa, para o adulto ter condição de concorrer com o jovem”, afirma.

O próximo passo é internacionalizar a Fundação. Contente pretende levar para o Haiti a inclusão digital, montando  uma subsede naquele país. A ideia é criar uma escola de informática na ilha. “Uma vez informatizados, posso oferecer cursos a distância, em Creole. Tem igrejas e ONGs que podem ajudar a traduzir”, acredita, com esperança de ajudar o país a se reconstruir. 

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