Uma antena, um blog, muitos sonhos…
Com a conexão 3G, internet ganha potência e abre caminhos para qualificar a educação em pequenas cidades como Ribeira do Amparo, na Bahia.
Patrícia Cornils
ARede nº 88 – jan/fev de 2013
“OUTRO DIA me perguntaram se eu não preferia ser professora na USP. E eu pensei: e daí, a USP? Raimunda colocou seus pés no mar!”. Daiane Oliveira é professora de história em Ribeira do Amparo, cidade de 15 mil habitantes, na divisa da Bahia com Sergipe, onde nasceu. Também dá aulas no Colégio Marista de Salvador – divide a semana entre seus alunos do ensino médio na capital baiana e no sertão. Todos os anos, ela leva alguns alunos da escola de Ribeira para conhecer Salvador. E foi em uma viagem dessas que Raimunda, uma aluna de quem Daiane nunca tinha ouvido a voz, apesar de ela sentar na primeira fileira da classe, disse que seu sonho era colocar os pés no mar.
Muitos sonhos sonhados em Ribeira do Amparo precisam se realizar em outro lugar que não lá. Michele Menezes, uma das alunas de Daiane, escreveu um texto sobre isso no final do ano passado, quando concluiu o ensino médio. “Eu vou ficar aqui para quê? Aqui não tem oportunidade de emprego, não tem uma universidade, sequer cursos, mesmo que sejam pagos. Assim, o melhor a fazer é tentar realizar meus sonhos e tentar construir uma perspectiva de vida financeiramente melhor em outro lugar, longe daqui. Vai ser difícil confesso, deixar minha família meus amigos… mas tenho que ir…”, é a fala de uma amiga de Michele, Queila Raiane, que também concluiu o ensino médio em 2001 e já tinha passagem marcada para São Paulo.
Toda família de Ribeira tem pessoas fora. Daiane e Michele, no entanto, querem ficar. A professora, porque estudou na mesma escola onde hoje dá aulas, Josefa Soares de Oliveira, e porque acredita que a educação é uma das maneiras de mostrar às pessoas que elas podem mudar a realidade local. Michele, a aluna, não quer ir embora nem para São Paulo nem para qualquer lugar sem estar melhor preparada. Prefere mudar a cidade em vez de mudar dali. As duas acharam, na internet, um ferramenta comum para o árduo trabalho de criar e manter sonhos em Ribeira do Amparo.
Em 2009, Daiane decidiu fazer um blog, o Ribeira do Amparo – Bahia, para ajudar os alunos a ter um olhar mais analítico sobre a realidade local. “Queria torná-los mais atentos e críticos e também estimular sua escrita”, conta ela. Dividiu as turmas em equipes, cada uma escolheu uma localidade do município e um tema para reportar. E as reportagens se sucederam desde então, a maior parte de denúncias sobre descaso do poder público: escolas sem manutenção, ônibus quebrados, poços de água abandonados, lixão na entrada da cidade, violência policial. Ainda não havia internet na escola. Então a professora imprimia o resultado e colocava no mural. Hoje há internet, mas os computadores estão quebrados. A ironia é que outro dos objetivos do trabalho era mostrar aos alunos que a internet existia e, com isso, uma possibilidade de interagir com o mundo fora de Ribeira do Amparo.
Michele começou a escrever para o blog em 2011, ao entrar no terceiro ano do ensino médio. As reportagens eram lidas nas rádios da cidade e das cidades vizinhas. Logo ela foi convidada para escrever para um site de notícias, o Linha da Notícia. Uma matéria sobre moradores da fazenda Jurema (28 km da sede de Ribeira do Amparo) que conviviam com falta de água há quase quatro anos teve mais de 30 mil acesso em um dia. “Sem uma resposta concreta do que realmente aconteceu com o poço artesiano, moradores sofrem com a falta de água, chegando a andar quase 2 quilômetros para conseguir água em tanques (reservatórios de barro a céu aberto que retêm água das chuvas)”, escreveu ela. E foi lida. Michele havia se encontrado. “Estou crescendo muito com isso, enxergando coisas que antes não via, olhando mais para o outro”, constata ela. “O jornalismo é uma forma de fiscalizar e de fazer a diferença, porque aqui pouca gente cobra, questiona as coisas”, diz. Acabado o ensino médio, ela procura ler sobre jornalismo, comunicação, fazer cursos. E, na medida do possível, não sair de sua cidade. A não ser para colocar os pés no mar.
http://ribeiradoamparobahia.blogspot.com.br
Comunicação no sertão
O sinal de telefonia móvel, levado pela Vivo, chegou a Ribeira do Amparo em 2011. Em dezembro de 2012, a operadora inaugurou ali a antena de número 3 mil de sua rede de banda larga móvel (3G). É a única alternativa de acesso à internet, além das duas lanhouses que funcionam na cidade. Ainda é cedo para saber o impacto do 3G, acredita Vannilson Silva dos Santos, dono de uma das lanhouses, de uma loja de produtos de informática e autor do blog Ribeira do Amparo – BA, Jeito Jovem de Informar!.
A comunicação pode mudar muita coisa na cidade, explica Daiane, observando que a chegada do sinal de celular ajudou a resgatar laços familiares. Tanta gente fora da cidade, diz ela, e era muito difícil manter a comunicação porque quase ninguém paga assinatura de telefone fixo: “Agora, com planos pré-pagos de R$ 0,05 o minuto, as pessoas se falam todos os dias!”. Todo mundo sabe de cor as promoções de minutos, conta Daiane. “É um milagre em um microcosmo, esse estreitamento de laços é muito lindo”, reforça. A internet ainda é rara, mas também já começou a proporcionar mudanças.
Depois que descobri a internet
Michele Menezes, repórter cidadã
“Antes de terminar o Ensino Médio, em 2011, conheci o blog de minha professora de história, Daiane Oliveira. Resolvi que também queria deixa minha marca lá, em forma de matéria. Observei minha cidade como nunca antes, e a partir desse dia meu olhar não foi mais o mesmo. Vi casas feitas de barro mas com o interior feito de ouro (dignidade).
Encontrei casas abandonadas pelos donos que não aguentaram mais sofrer por causa da seca, já que minha cidade enfrenta uma das suas piores secas. Abandonadas também pelo poder público.
Dentro de uma dessas casa encontrei o casal José Alves e Ana Maria, conhecidos como Zé sem Medo e Nune. Eles passam por um verdadeiro sufoco até para beber água, já que o poço artesiano está quebrado há mais de quatro anos. E a atual administração nada faz para resolver o problema. Eles gastam o pouco que têm de dinheiro comprando água. Quando essa água comprada acaba, e junto com ela o dinheiro, uma das alternativas é beber algo que eles chamam de água, mas que na realidade não passa de lama.
Ao fazer outra matéria, encontrei uma moradora que tinha sido minha colega de escola. Percebi que ela é o que eu seria se não fosse o dia em que “descobri” o poder da comunicação pela internet. Era quase o inverso de mim. Ficou parada a esperar uma chance de realizar seu sonho, ser professora.
Fiquei revoltada e triste porque Domingas, minha ex-colega de sala, era uma das mais inteligentes. E não teve uma chance para realizar seu sonho, porque também não tinha condições de fazer um curso superior. Fiquei a pensar quantas Domingas haverá pelo Brasil a esperar por uma chance. Quantos Zé (s) Sem Medo a esperar alguém que o socorra. E enfrentando dificuldades extremas e que poucos em Ribeira, Salvador ou outra cidade brasileira enfrentariam com o mesmo sorriso por um dia.
E quantas pessoas iguais a mim, que mesmo sem ter condições financeiras para fazer um curso superior, tentam fazer a diferença em um mundo tão desigual e tão cheio de oportunidades ocultas. Ainda tenho muito o que aprender, mas sei que fazer a diferença não custa nada e que quem faz a diferença um dia verá algo bem melhor.