conexão social



Uma bicicleta 
que conta histórias


Ex-morador de rua leva livros e acesso gratuito à internet 
às praças do centro de São Paulo.   Bernardete Toneto

ARede nº 77 janeiro de 2012 Em 1945, ao escrever Revolução dos bichos, o inglês George Orwell queria contar a incrível história da mobilização dos porcos de uma fazenda contra a tirania do dono fazendeiro, uma alegoria sobre os regimes totalitários pós Segunda Guerra Mundial. Mais de meio século depois, o romance iniciou uma revolução na vida dos moradores de rua de São Paulo. O protagonista da aventura é Robson Mendonça, gaúcho que deixou as calçadas e criou um inovador projeto de inclusão cultural: a Bicicloteca, biblioteca ambulante que leva livros e acesso à internet ao centro da capital paulista.

A história de Robson Mendonça e da Bicicloteca tem elementos de um bom romance. Natural de Alegrete, no Rio Grande do Sul, ele migrou para São Paulo quando perdeu as terras na cidade de origem. Na capital, teve o dinheiro e os documentos roubados e passou a viver na rua. Morou três anos em calçadas e três anos em albergues. E revoltou-se quando foi impedido de entrar em um edifício público, por não ter documentos.

Foi no trabalho com reciclagem que se deparou com Orwell e a Revolução dos Bichos e sentiu-se fortalecido para mudar de vida. Com colegas albergados, fundou o Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo, do qual é presidente. “Eu era apaixonado por livros mas não podia frequentar bibliotecas, porque morava nas ruas e não tinha endereço fixo para fazer o cadastro. E com os colegas acontecia a mesma coisa. Foi aí que pensei em um jeito de emprestar livros”, conta.

A ideia encantou Lincon Paiva, do Instituto Mobilidade Verde, uma organização não governamental que trabalha com projetos de reflexão de meios de transportes alternativos mais sustentáveis. A biblioteca móvel foi montada em um triciclo, com uma caçamba traseira e capacidade para até 150 quilos.

A primeira Bicicloteca foi roubada em setembro de 2011. Depois de uma campanha pela internet, matérias em jornais e reportagens na TV, o triciclo foi encontrado. Ganhou cara nova. E o projeto recebeu maior visibilidade e força. Hoje tem dois triciclos, com capacidade para 200 e 300 livros, somando cerca de 150 empréstimos diários. Outras doze Biciclotecas estão previstas para circular até o final do ano, no centro e em bairros pobres da zona Sul da cidade. A Secretaria do Verde e Meio Ambiente de São Paulo apoia institucionalmente o projeto. Por enquanto, o acervo é de cerca de 18 mil exemplares doados pela comunidade, além dos cedidos pela Biblioteca Mário de Andrade e editoras.

O triciclo com capacidade para 300 livros, ou 150 quilos, funciona com motor elétrico, doado pela Editora Melhoramentos. Uma das inovações é o computador portátil, com um roteador 3G banda larga, 10Mb de velocidade. Para funcionar, um sistema de energia renovável e 100% limpa, desenvolvido pela AES Eletropaulo: um painel solar que faz a captação de energia e a armazena em uma bateria de 45AH. Um controlador distribui a energia e desliga o sistema no caso de sobrecarga.

Não há qualquer burocracia para o empréstimo, feito na hora. Noventa por cento dos usuá-
rios são moradores de rua. Eles fazem um cadastro, são fotografados pela webcam e a imagem é postada no site do projeto, medida que ajuda na busca por parentes perdidos, demanda frequente entre os que vivem na rua. Os livros mais procurados são romances de ficção, direito e religião. As páginas são carimbadas para lembrar a origem. O índice de retorno é de 90%, superior ao de muitas bibliotecas físicas.

Em dezembro de 2011, o projeto promoveu um curso de “alfabetização digital”, com noções básicas do uso do computador. Em quatro horas, os moradores de rua aprendem desde a ligar a máquina e usar um mouse até a abrir e fechar um arquivo. ”Nunca tinha mexido num computador. Parecia difícil, mas com o tempo a gente aprende. E é bom porque meu nome e minha fotografia estão na Internet e quem quiser pode falar comigo”, diz o morador de rua Francisco G. da Silva.

Segundo Lincon Paiva, o conceito de biblioteca itinerante nasceu da necessidade de levar cultura para as pessoas que por diversos motivos não tem acesso a biblioteca. Qualquer ONG que trabalha com população carente poderá requerer uma Bicicloteca do Instituto Mobilidade Verde, que priorizará as que já trabalham com educação, leitura em localidades sem acesso a bibliotecas ou as populações em situação de risco social.

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