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conexão social – Universitários pela inclusão

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Universitários pela inclusão

Coordenado por estudantes, Núcleo de Cidadania Digital da Ufes terá cursos a distância para iniciantes na informática.

Rafael Bravo Bucco

ARede nº 98 – maio/junho de 2014

Ao todo, eles são 32 coordenadores. Em breve, serão 40. Estudam na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Vêm de diversas áreas: comunicação social, engenharia da computação, ciências sociais, engenharia elétrica. Com a supervisão de um professor orientador, atendem a comunidade ao redor do campus e de todo o estado. Vem gente acessar redes sociais, imprimir trabalhos, fazer aulas para aprender a usar computador e software livre.

Como faz Lucélia Gonçalves Costa, 44 anos, técnica de enfermagem. Profissional de home care, perdeu um emprego porque o paciente necessitava realizar videoconferências com a família no exterior e ela não sabia usar a tecnologia. Foi então que decidiu desvendar o mundo das TICs. “Eu achava que, porque tinha passado dos 40, não precisava. Não peguei a família porque não sabia usar o computador”, lembra. Começou com um curso de introdução à informática. Ela mora na região do campus da Ufes, e chega rapidinho ao NCD, no Centro de Vivência da universidade, no Campus Goiabeiras. Seu filho também é estudante desse campus e foi por meio dele que descobriu o núcleo.

A primeira aula foi em outubro. Lucélia adorou. E falou tão bem em casa que trouxe mais gente para aprender. “Meu marido, que vai fazer 60 anos, está fazendo um curso também. Ele começou no Mouse e Teclado, e eu no Iniciante”, conta. Há alguns meses, ela não sabia ligar a máquina. Hoje, faz pesquisas no Google, troca e-mails e conversa com amigos de infância que reencontrou no Facebook.

Ela já passou pelo segundo curso, Internet Básico. No momento, aguarda o início das aulas de Escritório, em que aprenderá a usar editores de texto, planilha e apresentação. Planeja comprar um PC para dividir com o marido. Será o quarto micro em casa. “Tenho três filhos; cada um tem um computador. Vou comprar um pra gente porque eles ficam com os deles ocupados. Muito em breve vou ter smartphone”, prevê. Para os professores, apenas elogios: “Eles são muito pacientes com a gente. São meninos, tudo novo, com 20 e poucos anos”.

Coordenadora de projetos e inovação do NCD, estudante no sétimo semestre de psicologia, com previsão de se formar em 2015, Josélia Alves Oliari conta a história do núcleo com frequência. Ela inscreve projetos em editais, viaja para apresentar a iniciativa em fóruns. Na viagem mais recente, esteve na Oficina de Inclusão Digital e Participação Social (OID), cuja última edição aconteceu em Brasília, em dezembro passado.

A experiência funciona como extensão universitária para ela e demais coordenadores, ao mesmo tempo em que beneficia a comunidade. “Entrei em janeiro do ano passado. Como o NCD existe desde 2005, grande parte das pessoas que fundou já saiu, se formou na universidade”, diz. O trabalho é dividido em várias áreas, cada uma com um diretor. Todas sob supervisão de um diretor gestor.

 

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Os coordenadores são alunos de vários cursos da universidade

 

Idealizado por um estudante de engenharia da computação, o NCD tem o objetivo de promover o acesso democrático e gratuito às tecnologias da informação e comunicação. Qualquer cidadão pode frequentar o centro, mas o foco é a população da Grande Vitória, composta pelas cidades de Fundão, Serra, Vitória, Vila Velha, Cariacica e Viana. O alcance, no entanto, vai bem além. “Às vezes vem gente do interior. Por exemplo, uma pessoa com deficiência vem a cada dois meses de Jaguaré”, conta Josélia.


A cidade fica a cerca de 200 quilômetros da capital. O NCD tem elementos de acessibilidade, da arquitetura aos softwares. Os computadores são equipados com Eviacam, que permite controlar o mouse com a cabeça; os programas com leitores de tela Dosvox e Orca, e até impressora Braille. “A gente tem curso para pessoas com deficiência visual total ou parcial, e para pessoas com deficiência motora nos membros superiores”, ressalta.

Apesar de ligado a uma instituição federal de ensino, o NCD padece dos desafios comuns aos projetos da sociedade civil de inclusão digital. Os principais são obter recursos e manter os monitores. “Às vezes o mercado é mais atrativo em relação ao valor da bolsa que pagamos aos estudantes, que é de R$ 500. Por um tempo a gente consegue manter o coordenador, mas quando ele recebe propostas maiores, não dá. A rotatividade impede o estabelecimento de vínculos com os usuários”, aponta Josélia. Outra questão é a estrutura, já pequena frente à demanda: “Falta um laboratório pra atender a população toda. Nos horários do cursos, a comunidade não pode usar os computadores”.

Josélia espera conseguir mudar o núcleo para um espaço mais amplo no futuro. “Quando a gente oferece curso, tem de fechar o laboratório. O ideal é ter dois, um para os cursos, um para os usuários. A gente está tentando conseguir outro espaço com a universidade. Mas está complicado, não tem sala”, explica. O espaço também pode ser usado por estudantes e professores de escolas públicas. Além de usar os computadores, eles têm direito a imprimir trabalhos. Isso contribui para que o perfil do usuário seja, na maioria, de famílias que ganham até três salários.

O NCD tem 20 máquinas (dois para uso exclusivo dos monitores), equipados com Linux Mint, Libre Office, Firefox e Chrome. Em 2013, as máquinas foram trocadas por outras, mais novas, doadas pelo Ministério do Trabalho. Ainda assim, estão longe do ideal. Novos equipamentos devem ser adquiridos com o dinheiro obtido do MEC. São 9,7 mil usuários cadastrados, além dos que não têm cadastro e passam por ali. O Núcleo faz cem atendimentos por dia.

No começo, o laboratório foi equipado e mantido por dois anos pela Petrobras. Atualmente, a universidade é a única mantenedora. Repassa cerca de R$ 50 mil mensais. “No final do ano passado submetemos um projeto para o MEC financiar. Pedimos recursos financeiros para melhorar o laboratório e termos mais bolsistas. Conseguimos R$ 150 mil, que devem ser gastos este ano”, conta Josélia. Ela fica de olho nos sites para buscar editais e encontrar instituições dispostas a contribuir com o núcleo.

Os planos são sempre de expansão. “Vamos dar dois cursos para terceira idade. O conteúdo será voltado ao cotidiano do idoso. Se for planilha, ensina a controlar medicação, por exemplo”, conta Josélia. Outra empreitada será lançar uma plataforma para cursos a distância até o final do ano, baseado no Moodle. “Estamos gravando as videoaulas. Até agosto lançaremos um curso de editor de texto, outro ensinando a usar o internet banking”, diz. A equipe de ensino desenvolve o conteúdo, enquanto a área de comunicação faz a gravação e edita o material.

O NCD é dividido em quatro áreas: Ensino, Comunicação, TI e Gestão. Cada área tem um diretor e os vários coordenadores que se dividem na gerência. A equipe de ensino se subdivide em criação e acompanhamento pedagógico, para facilitar o aprendizado. A de comunicação faz a divulgação dos cursos para a comunidade, projeta e distribui cartazes, organiza novo processo seletivo quando tem saída do integrante. No caso de TI, são os que dão manutenção no laboratório. O pessoal da gestão se encarrega dos recursos humanos e administração das necessidades materiais do espaço.


Observando tudo fica um professor da universidade, que procura incentivar os estudantes no dia a dia, dá ideias, mantém a mobilização e direcionamento, mas confere total autonomia para que os universitários tomem decisões e administrem o processo. Hoje, quem ocupa a função é o professor Roberto Garcia Simões, do departamento de Arquitetura e Urbanismo da Ufes.

Lucia Maria Tomas, 53, é doméstica e colega de Lucélia, a técnica de enfermagem, nos cursos básicos. Ela fez os cursos aos sábados, e a partir de maio terá aulas de programas de escritório às terças e quintas-feiras. Não sabia ligar um computador antes de ir para o NCD. “Hoje eu entro no Facebook, tenho 300 amigos, inclusive na Argentina”, orgulha-se. Os dois filhos não tinham paciência para ensinar como usar o notebook de casa. “Procurei um curso, mas era pago. Aí dentro, do ônibus, vi uma placa, liguei pro NCD. Em 15 dias me chamaram. Fiquei muito feliz”, conclui.

ncd.ufes.br